Afastar o pai da convivência para beneficiar a vida ‘amorosa’ e sexual da mãe, não fortalece as famílias, tampouco permite a reconstrução d’um núcleo familiar saudável
Se o afastamento do pai fosse realmente por proteção da criança, por que o mesmo rigor não se aplica a qualquer outro homem que passa a viver no mesmo lar?
— Andressa Dognani, advogada
No Brasil contemporâneo, a figura do pai sofre um apagamento sutil, porém constante, no cenário pós-separação conjugal. Trata-se de um movimento que, sob o pretexto da proteção do menor, afasta o pai biológico da convivência ativa com o filho e favorece a entrada irrestrita de padrastos ou companheiros da mãe. Aliás, sem anuência, sem perícia, sem critérios, sem limites, ou proteção ao Núcleo Familiar.
O Pai no Núcleo Familiar
Na tradição romana — base do Direito Civil brasileiro — o “pater familias” era a referência moral da casa do Núcleo Familiar. Ou seja, aquele que guiava com prudência, autoridade legítima e zelo pelo bem comum dos seus. Todavia, no pensamento contemporâneo, o conceito do bom pai de família ainda ressoa como referência de conduta ética, prudente e responsável. Inspirado na figura do bonus pater familias do Direito Romano — modelo do homem que age com diligência e zelo pelo bem de sua casa —, esse ideal ultrapassa o campo jurídico e se enraíza na filosofia clássica e cristã.
Cícero, em seus escritos políticos e morais, exaltava a figura paterna como eixo da ordem doméstica e base da vida pública virtuosa. Por sua vez, São Tomás de Aquino, com mais profundidade ainda, via o pai como reflexo da autoridade divina. Portanto, incumbido da formação espiritual e moral dos filhos:
“O pai é o princípio da geração e da educação, não só corporal, mas também espiritual.”
(Suma Teológica, II-II, q. 10, a. 12)
Sendo assim, afastá-lo da rotina do filho é violentar a ordem natural das coisas e expor a criança à instabilidade emocional, afetiva e moral. Porém, isso não significa ignorar que existem casos em que o pai é um sujeito desprezível, violento ou negligente. Logo, completamente alheio à figura do bom pai de família. Nestes casos, sim, o afastamento pode ser necessário e benéfico, visando preservar a estabilidade do que restou do núcleo familiar. No entanto, é preciso lembrar que, nesses casos extremos, a mãe também participou da história, pois em algum momento elegeu esse homem para ser pai de sua prole.
Portanto, o que critica-se é o fato de que essa análise raramente é realizada de forma pormenorizada. Em vez disso, o Judiciário tende a aplicar as mesmas restrições de maneira indistinta, afastando até mesmo pais comprometidos e amorosos, sem a devida consideração individualizada.
Dados Preocupantes
Segundo dados do IBGE (2022), apenas 5,9% dos pais divorciados conseguiram a guarda unilateral ou compartilhada com residência principal. Ou seja, a esmagadora maioria das decisões favorecem exclusivamente a mãe, mesmo que o pai lute ativamente por mais tempo com os filhos.
Além disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que mais de 70% dos processos de guarda apresentam disputas judiciais extensas, com demora média de 18 a 24 meses para definição de regime de convivência. Nesse meio tempo, a criança é privada do contato regular com o pai.
Esses dados são realmente alarmantes porque demonstram que a instituição familiar, pelo menos na sua forma tradicional (Núcleo Familiar), está profundamente comprometida. O ponto central aqui não é decidir se a guarda deveria pertencer ao pai ou à mãe. Conquanto a questão de fundo é que, idealmente, não deveria haver divórcio.
Nenhum divórcio é bom para as crianças. E quando é, é porque a relação conjugal já se tornou doentia e insustentável. Infelizmente, vemos cada vez mais famílias sendo destruídas porque os indivíduos não possuem mais a habilidade natural de compor um lar de forma saudável, edificante e construtiva.
A Importância do Núcleo Familiar na Formação do Imaginário das Crianças
Pais que não souberam formar um núcleo familiar estável acabam danificando, mesmo que involuntariamente, o imaginário das crianças sobre o que é uma família. Ademais, cria um efeito cascata, deteriorando ao longo das gerações até o ponto em que vemos uma sociedade com menos filhos, menos casamentos e relacionamentos cada vez mais frágeis diante do divórcio. O impacto social dessa crise silenciosa é devastador, e merece a atenção de todos aqueles que ainda conservam um mínimo de discernimento moral.
O discurso jurídico dominante sustenta que o afastamento do pai busca proteger o menor. Mas esse argumento entra em colapso diante do seguinte fato:
O padrasto não passa por qualquer avaliação psicológica, jurídica ou social antes de entrar na vida da criança.
Ou seja, um homem recém-chegado, sem vínculo legal e sem histórico de convivência afetiva com o menor, ganha acesso irrestrito ao lar. Enquanto o pai legítimo precisa de autorização judicial para vê-lo aos finais de semana alternados.
Esse ponto é ainda mais preocupante quando analisamos dados sobre violência sexual contra crianças. O estudo “Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil” (UNICEF e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2021) revela que em mais de 50% dos casos de violência sexual infantil, o agressor é alguém da própria convivência familiar. Dentre esses, o padrasto aparece com destaque como figura recorrente. Portanto, confirma que o critério de acesso baseado apenas no vínculo afetivo ou na relação com a mãe expõe a criança a riscos severos.
Esse modelo é insustentável
Estudos científicos demonstram os impactos devastadores da ausência paterna forçada:
- Crianças com convivência ativa com o pai têm menores índices de depressão e ansiedade (Journal of Family Psychology, 2019);
- Presença paterna está ligada a maior autoestima e desempenho escolar (Harvard Center on the Developing Child);
- Em meninos, a ausência paterna aumenta em até 279% o risco de envolvimento com criminalidade (US Department of Health & Human Services, 2020).
Ignorar esses dados em nome de uma falsa conveniência jurídica é comprometer o futuro emocional e social da criança. Entretanto, o mais grave é perceber que o comportamento institucional do Judiciário e do Ministério Público raramente busca, de fato, a efetiva proteção do menor. Porém, que, ironicamente, é a parte mais fraca de toda essa equação. Em muitos casos, tudo indica que a preocupação principal é a defesa dos interesses da mãe. Mesmo quando está emocionalmente abalada, ressentida e propensa a usar os mecanismos legais como forma de punição ao ex-cônjuge.
Essa parcialidade ignora um aspecto fundamental: a mãe também é responsável pela estrutura que hoje está desfeita. Jurisprudência recente revela o padrão preocupante de decisões que ignoram o melhor interesse da criança. Um levantamento do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM, 2023) apontou que, em 78% das ações de guarda com litígio, o Ministério Público não se manifestou de forma crítica quanto à qualidade da relação entre o menor e os novos companheiros da mãe.
Inversão de Valores e Consequências ao Núcleo Familiar
Esse tipo de atuação (ou omissão) institucional revela uma inversão de valores, pois a presunção de boa-fé e de autoridade moral não recai mais sobre o pai legítimo. Mas sobre o novo arranjo de ‘núcleo familiar’ estabelecido de forma privada e unilateral. Esse comportamento expõe as crianças a riscos psicológicos, morais e até físicos. Especialmente nos casos em que o novo parceiro da mãe assume funções paternas sem preparo, sem vínculo real e sem qualquer avaliação técnica.
O Judiciário e o Ministério Público, ao atuarem assim, não apenas falham com as crianças, mas também deseducam a sociedade sobre o verdadeiro sentido da responsabilidade parental compartilhada. Em algum momento, ela escolheu aquele homem para ser pai de sua prole.
E, ainda que se reconheçam as dores do fim de um relacionamento, essa responsabilidade não pode ser apagada ou transferida. Afinal, quando o sistema falha em enxergar essa realidade, perpetua a injustiça e sacrifica, mais uma vez, o bem-estar da criança.
Pai é só Visita?
A psicóloga Maria Fernanda S. Ramos, em sua tese de doutorado (PUC-SP, 2021), aponta que muitas decisões judiciais se baseiam exclusivamente no relato da mãe, sem contraprova, sem escuta ativa do pai, e sem perícia multidisciplinar.
Isso dá à mãe uma “soberania emocional” e um poder quase absoluto sobre a estrutura de convivência familiar. Nesse cenário, o sistema jurídico sistematicamente silencia a figura paterna, valida decisões unilaterais da mãe e trata o pai como um “visitante tolerado”.
“Criança não precisa de um pai substituto escolhido por conveniência. Ela precisa do próprio pai… presente, respeitado e com direitos garantidos.”
— Andressa Dognani
Todavia, não há substituto para a presença constante e amorosa do pai. Pois a paternidade não é apenas uma função biológica. Mas um chamado moral que deve ser amparado pelo Estado, pela cultura e pelas instituições. No entanto, é fundamental deixar claro que este não é um chamado exclusivo ao pai, mas a todo o núcleo familiar. O objetivo aqui não é tomar partido de um dos lados da disputa, mas clamar pelo resgate da missão conjunta da maternidade e da paternidade em sua forma mais elevada.
Um Chamados aos Pai e Mães
Pais, sejam pais de verdade! Honrem suas mulheres, sejam firmes em princípios e amem profundamente seus filhos! Mães, sejam mães de verdade! Honrem seus maridos, cultivem o lar e amem seus filhos com doçura e fortaleza! A criação saudável de uma criança depende do esforço conjunto, consciente e contínuo dos dois genitores. Ademais, quando um falha, o desequilíbrio recai sobre o filho. E quando ambos desistem, a estrutura familiar ruí, e o mundo interior da criança entra em colapso.
A missão de formar uma família não é para amadores. Requer maturidade, renúncia, cumplicidade e fidelidade. E é justamente a perda dessas virtudes fundamentais que tem levado à destruição de lares e, por consequência, à formação de gerações cada vez mais fragilizadas, sem referências sólidas de amor, dever e verdade.
A restauração da justiça paterna exige uma reestruturação profunda na forma como o Estado compreende e regula a convivência pós-divórcio. Portanto, tornar obrigatória a realização de perícia técnica para todos os adultos que venham a conviver com menores em lares recompostos é um primeiro passo necessário.
Preservação do Núcleo Familiar e Alienação Parental
Não podemos mais admitir que pessoas estranhas ao núcleo familiar original exerçam funções parentais sem qualquer tipo de avaliação. Além disso, a guarda compartilhada deveria ser reconhecida, por padrão, como o modelo ideal. Ou seja, com tempo igualitário de convivência entre os genitores, salvo se houver prova técnica que demonstre a inadequação de uma das partes.
Outro ponto urgente é o fortalecimento da punição aos casos de alienação parental, que seguem sendo praticados de maneira camuflada e tolerada pelas instituições. A legislação que protege o vínculo entre pais e filhos precisa deixar de ser letra morta e ser aplicada com rigor. Finalmente, é indispensável investir em programas públicos de mediação familiar, com enfoque real na corresponsabilidade, buscando restaurar o senso de dever e equilíbrio entre as partes.
Essas medidas não são apenas técnicas, mas essencialmente morais. Elas representam a tentativa de restaurar um elo que, uma vez rompido injustamente, deixa feridas profundas nas gerações futuras.
Afinal, se queremos reconstruir a sociedade sobre bases sólidas, precisamos restaurar o valor do pai presente, atuante e reconhecido. Mas não apenas o pai isoladamente, pois o que está em jogo é a restauração do núcleo familiar como um todo. A saúde da civilização começa no seio familiar. E a família só existe de fato quando pai e mãe assumem, com coragem e perseverança, sua missão comum no Núcleo Familiar.
É preciso romper com a cultura do descarte, do egoísmo afetivo e da infantilização dos adultos. A construção de uma família requer maturidade emocional, integridade moral e responsabilidade espiritual. Não há filhos saudáveis onde não há pais comprometidos. E não há pais comprometidos onde não há compromisso com a verdade, com o bem e com a estabilidade do lar.