Lançaram o 1⁰ episódio da 2ª temporada de Tower of God (Torre de Deus) no dia 07 de julho. Esta semana publico uma “crítica literária” elogiosa à série

Primeiro, pode-se dizer que a franquia Tower Of God (Torre de Deus) tem muitos dos problemas das obras animadas asiáticas voltadas ao público jovem masculino. Muitas cenas de ação desnecessárias, muitos elementos que são mal-conectados para benefício do enredo e alguns elementos gráficos (pornográficos ou violentos) desnecessários.

Porém, também se pode adicionar que a franquia tem menos problemas que outros títulos do gênero. Principalmente porque o autor concentra a narrativa em alguém que não é o melhor conhecedor do mundo que ele apresenta. Quando elementos novos são introduzidos, a explicação para os leitores é simultânea à explicação para algum personagem.

Uma técnica que, por sinal, envolve o leitor na narrativa.

Passada a crítica, que serve de pedágio, assim como alguns dos elementos criticados, pode-se abordar o que importa.

Enredo

Tower of God narra a viagem de Bam pela Torre de Deus. Ou seja, o nome da obra se refere ao local onde ela se passa. Me referirei ao nome em inglês e ao local em português. A Torre é, literalmente, um mundo que o autor pode usar para criar o enredo que quiser, colocando um andar para ter uma temática conforme desejar. Isso traz problemas narrativos, pois dá demasiada liberdade ao autor.

Eventualmente, muitos desses problemas podem ser revistos e corrigidos com um trabalho de reedição, mas não é próprio dessas obras.

Esse lugar especial é governado por Jahad e as Dez Grandes Famílias. Em grupo, alcançaram o andar mais elevado da Torre e selaram o avanço a partir dele. O que significa que se há um andar mais elevado, não se o conhece.

Bam, o protagonista, entra na torre atrás de Rachel, que era a única pessoa (e coisa) que ele conhecia na caverna em que habitava. Porém, ela o traiu, pois quer chegar no topo da Torre. Assim, ele muda seu objetivo de querer ajudar Rachel para descobrir o motivo da traição dela.

Segunda Temporada

Lançaram em 07 de julho o primeiro episódio da segunda temporada. Isso motivou este texto . Inicia com Bam, após a traição de Rachel. Contudo, seus amigos pensam que ele morreu e estão ajudando Rachel a escalar a Torre. A narrativa, aqui, retoma a partir do 20º andar, e Bam está junto do grupo mais forte que se opõe a Jahad: Fug.

Um detalhe curioso da obra é que, apesar de Jahad ser o rei “de jure”, o governde fato da Torre, ou de certos elementos, está para além dele. Há regras que ele não tem condições de mudar, como os desafios para passar de andar e a necessidade desses desafios. Esses desafios são para avançar de andar e liberar o acesso e andares superiores. Os andares superados podem ser visitados sem novos testes.

E, exatamente porque Jahad não governa os desafios da torre, os opositores do seu reinado podem, sem grandes retaliações, tomar os desafios. Inclusive, tais desafios protegem Jahad mais que suas tropas, pois eles não testam simplesmente o poder de combate, mas a inteligência e a capacidade de trabalho em grupo dos participantes.

Ou seja, para os opositores de Jahad, superar os desafios é, ao mesmo tempo, um obstáculo e um treinamento. E, no caminho, têm oportunidade para criar alianças. Também por isso, Bam é comandado a subir a torre pelos membros do Fug.

Narrativa e Metanarrativa

Dividiram a história em arcos maiores e menores. É fácil identificar os arcos maiores, por causa de um salto temporal entre eles. Porém, os arcos menores são indicados pelo autor através da titulação dos capítulos.

O mais importante, contudo, é que, apesar do excesso nas cenas de ação, o universo narrativo e os personagens têm suas motivações ampliadas conforme a trama avança. Isso exige do leitor que mantenha na memória informações passadas. Mesmo algo que já foi explicado pode receber uma nova explicação que ressignifica eventos passados. A trama narrativa aumenta em complexidade significativamente.

Por isso, pode-se dizer que há várias narrativas, centradas nos arcos e nos personagens, e uma metanarrativa que conecta os diversos arcos na obra. Algo que também é fonte de problemas para o enredo.

Sabe-se que Bam é o protagonista porque é sua aparição que causa as mudanças e gera conflitos, alguns dos quais são cômicos. Enquanto protagonista, ele muda personagens detestáveis em pessoas agradáveis e revela as intenções malévolas em pessoas aparentemente bondosas. E ele o faz sendo quem é, não um instrumento ideológico a serviço de uma pauta.

Essas dinâmicas refletem a principal questão proposta em várias partes da obra: qual deve ser a atitude de Deus? E, consequentemente, como deve ser e agir um rei?

Além do uso dos poderes e dispositivos de enredo, o conflito dos personagens é sobre essas perguntas fundamentais. “Quem é Deus?” é uma pergunta relacionada com o direito de governar a Torre, determinando o quanto cada personagem aprova Jahad.

Bam, ainda que esteja escalando, consegue alianças significativas a ponto de dizer que algum governo ele já exerce pela sua influência. O próprio Jahad o reconheceu (no estado atual do manhwa) como ameaça. Por mais poderoso que Jahad e as Dez Grandes Famílias sejam, é evidente que não governam todas as partes da Torre.

E, enquanto os antagonistas usam dos outros para se protegerem, Bam usa de si para proteger os seus amigos. Não fosse a soberba de Jahad, ele já teria resolvido a ameaça. Não fosse a humildade de Bam, ele não seria uma ameaça. Veem ele como alguém com o direito de governar a Torre, porque se sacrifica pelos outros.

A consequência lógica de uma Alta Cultura

Em resumo, Tower of God é o tipo de literatura que faz o diálogo entre o que é temporal e o que é atemporal. E por mais que não seja algo da Alta Cultura, não está na Baixa Cultura. É uma Cultura Intermediária, de transição. Não que ela apresente algo atemporal, mas ela documenta discussões sobre o atemporal que perpassam elementos da cultura de massa.

O motivo deste texto é antes esse: há uma necessidade de resgatar os vários níveis de cultura e ter essa estratificação de maneira relativamente clara, para que realmente se possa guiar um estudante por um processo pedagógico que o eleve gradativamente. E o danoso ao espírito não consideraremos como “cultura”.

A Baixa Cultura deve ser simples, extremamente documental, mas sinalizar que há algo além dela. A Alta Cultura deve dialogar com o que é eterno, pressupondo do leitor a capacidade de compreender a correlação com o temporal. E a Cultura Intermediária deve ensinar como as coisas temporais e as coisas eternas se comunicam. De modo que as pessoas possam perceber que os conflitos temporais se relacionam com problemas atemporais e como se dá essa relação.

Ou seja, a Cultura Intermediária deve essencialmente focar na materialização dos elementos atemporais. Discute-os na medida em que apresenta as consequências dele, mas não precisa responder as razões profundas, basta que indique o caminho. Seu objetivo é tornar claro que a prática moral depende de uma concepção de mundo e que o choque entre pessoas é mais que algo físico, mas um confronto cósmico.

Em resumo, há muito que se pode apreender da disputa entre cristãos e pagãos lendo Tower of God porque, no fundo, a disputa pelo conceito de Deus é a disputa que levou São Bonifácio a cortar o Carvalho de Thor.


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By Henrique Inácio Weizenmann

Psicopedagogo, mestre em comunicação, estudante de cultura, imaginário e controle social.

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