Tudo o que aflige os Casais Modernos são problemas antigos muito mal ou não resolvidos, apesar de extensamente denunciados pelos nossos gigantes da literatura
O falso puritanismo, a moral burguesa – que formou o imaginário de gerações, principalmente pelas obras de romancistas vitorianos – e as ideias absurdas de obter a salvação por rituais estéticos e pedantes, como a confissão sem o arrependimento – ou como o professor Olavo de Carvalho chamou de “O Evangelho Segundo a Classe Média”, são males da pior espécie. São tão revolucionários e decadentes quanto a pior das ideologias; por mais paradoxal que pareça. E os Casais Modernos comprovam!
Um amigo, o líder federalista brasileiro Thomas Korontai, sempre me disse que “problemas nacionais são problemas locais mal ou não resolvidos”. Pois empresto a assertiva para dizer que “problemas de Casais Modernos são problemas dos Casais Antigos mal ou não resolvidos”. Apesar de denunciados à exaustão!
A Denúncia Literária
Quem acompanha meus artigos sobre o tema – obrigado por dar sua atenção a este anônimo – provavelmente percebeu a recorrência ao argumento literário; mais que isso, aos literatos e suas obras.
Posso citar (novamente) Lisístrata, de Aristófanes, para falar da denúncia sobre ideias circulantes já na Antiga Grécia sobre manipulação masculino pelo sexo e ‘emancipação’ feminina. Mas também recorrer a Miguel de Cervantes Saavedra e seu inigualável El Ingenioso Fidalgo Don Quijote de La Mancha, para parlar acerca da degradação de costumes, os excessos do ‘Amor Cortês’ e os danos dos maus romances ao imaginários. Aliás, na mesma linha, posso citar Madame Bovary, do pai do realismo francês, Gustave Flaubert.
Porém, aos problemas mais graves, aqueles que tocam à (i)maturidade emocional, temos desde Queda que as Mulheres têm para os Tolos, de Victor Hénaux, ou sua adaptação pelo nosso Machado de Assis. E também ao Bruxo do Cosme Velho citaremos “O Caminho da Porta”. Mas nada! Repito, nada! jamais superará “A Farsa de Inês Pereira”, do luso Gil Vicente.
O retrato perfeito do enlouquecimento gradual dos Casais Antigo, ou seja, em sua primeira fase. Ao que se seguiu o enlouquecimento dos Casais Modernos, que se enlouquecem mutuamente, ao ponto do homem se tornar um Pero Marques e a mulher uma Inês Pereira, mas nem sempre com o recurso à infidelidade, porém, com desfecho no divórcio.
Inês, A Idealista
A rapariga Inês Pereira é bela, para os padrões de seu local e época – não uma beleza universal -, entediada e idealista. Ou são as impressões que deixa! Afinal, quer um homem culto, astuto e discreto, mesmo que não seja dono de vastas posses, mas com o suficiente para viverem bem.
Mas não quer um marido para a constituição d’uma família e a proteção que se exigia em tempos tão remotos, de guerras, invasões etc., como o século XV. Não! Queria escapar da vidinha de trabalhos e mesmices. Não há indícios de imaginário formado por romances exagerados e sentimentalistas, como na Emma, de Flaubert. Contudo, seu idealismo turva-lhe o julgamento.

E idealistas são sonhadores, mas raramente percebem que (em geral) pesadelos também começam como ‘sonhos bons’. Inês idealiza, sonha, tem pressa e tanto maus ouvidos como maus conselheiros… à exceção de sua mãe. Sua rebeldia idealista a faz dispensar o partido ‘manso, tolo e de posses’ e jogar-se ao violento e obsessivo. Não que a primeira escolha fosse lá das melhores, mas certamente era melhor do que a segunda.
Pero Marques é um herdeiro, brucutu, apaixonado e manso. Um belo ‘gado’! Daqueles que pegamos pelos chifres e continuam negando sua condição repulsiva e de escravidão. Já o Escudeiro… É o ‘bandido’ que faz gemerem baixinho as mocinhas emocionadas de nosso tempo, antes da cabeça brilhar como uma bola de bilhar.
De Vítima a Agressora
Inês passa maus bocados sob a ‘guarda’ do Escudeiro. Que a conquista, troca as belas palavras e a música, pelas ameaças e o som dos grilhões. E os trabalhos que a rapariga queria evitar, são dobrados no fazer e triplicados na solidão. Vê-se só, com mais esforço e nenhuma liberdade, sequer a pessoal. Mas, como recorrente na literatura, vem o Ceifeiro resolver a questão, dar-lhe a segunda chance.
O valentão acaba morto por único inimigo… “e matou-o um mouro só”. Porém, pior! Foi abatido enquanto tentava escapar; numa fuga covarde. Belo Escudeiro! Mais beleza ainda na ironia – ou destino poético? Primeira ação da viúva é dispensar seu carcereiro, antigo servo do Escudeiro.
Mas e a segunda? Procurar um novo marido, é claro! Entretanto, agora “manso”, que lhe faça as vontade e não ofereça perigo. Lá vem a alcoviteira de novo com Pero Marques. Desta feita, Inês aceita. No momento, dá-se por satisfeita. Mas que dura pouco…

Se Emma odiava o marido, Carlos, por não lhe fornecer a vida de aventuras, fortes emoções e deslumbres na cidade grande, mas exatamente a estabilidade, sossego e pacata do ‘vilarejo’; Inês odeia o ex – ou o que ele lhe fez -, mas que jazendo morto, lhe ‘obrigava’ a descontar numa nova vítima.
Pero Marques não tem voz própria, não é capaz de dizer ‘não’ à esposa, tampouco de às vezes lhe frustrar a vontade, o que a frustra de verdade. Eis que está enlouquecendo Inês. Não demora, e temos a melhor ‘pintura’ do Corno Manso! Paro aqui, para não estragar uma possível leitura com spoilers. E boicotar meu próprio trabalho, pois trabalhei para oferecer ao leitor a melhor edição em e-book! A melhor, apesar do preço baixo (economia de escala).
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A FARSA DE INÊS PEREIRA (E-BOOK)R$ 8,00
O Ciclo Infernal dos Casais Modernos
Se os invejosos se invejam reciprocamente, os Casais Modernos se enlouquecem mutuamente. É um ciclo dos mais difíceis de romper. Geralmente composto por uma mulher idealista e tendências narcisistas e um homem ‘manso’ demais ou de menos; na prática ou na aparência; mas sempre um viciado. Nas ausências ou excessos.
A Inês Pereira do século XXI nem sempre é infiel, mas com certa frequência, e sempre recorre ao descarte do manso demais, enquanto é traumatizada de fato pelo manso de menos. Neste ponto acerta Jordan Peterson, quando diz que a incapacidade de ser perigoso não é virtude, mas fraqueza, é vício, pois a virtude estar em ser capaz de ser perigoso, porém, exercer o autocontrole, por valores superiores.
Tanto o manso demais como o de menos são uns fracos! Covardes! E atraem as parceiras mais malucas, problemáticas, viciadas… São dois loucos. Numa loucura que sequer ironicamente merece quaisquer elogios. Nem como figura de linguagem, ou parábola.

Se o homem moderno tem uma louca obsessão, a mulher moderna o provoca com roupas, gestos e insinuações. Quando ela é louca de ciúmes, ele se anula, em busca de paz. Quando ela se liberta, é guerreira, quando ele o faz, é pai alienado. Claro que são generalizações, mas que tendem a representar a maior fatia da realidade dos Casais Modernos, principalmente nos grandes centros.
Todavia, há um elemento que presente! Que raro a se ausenta! O querer do outro o que não se oferece, o exigir o inalcançável, o ser insaciável que deixa um vazio impreenchível.
A Busca da Perfeição Alheia
Fomos perfeitos no Éden, antes da Queda. E caímos por desobediência, que persiste! Pelo Pecado Original, que nos faz sujos dos pés à cabeça. Salvos pelo sangue do Cristo; do Cordeiro de Deus, Filho de Deus e Deus. Que nos mandou amar uns aos outros como a nós mesmos. E como necessitamos disso!
Todos têm seus pecados, seus defeitos graves – ao menos um -, os que conseguem superá-los são Canonizados e reconhecidos como Santos. Alguns, primeiro, Beatificados. Entretanto, nem todos alcançam tal nível de perfeição, infelizmente, não são a maioria. Logo, buscar no outro a perfeição que não buscamos para nós mesmos trará péssimas consequências.

Vemos essa busca – fadada ao fracasso – nos Casais Modernos. Mas mais nas mulheres; que serão mais exigentes, pelo fato de que gestarão os filhos em seus ventres, numa ligação única. O próprio Deus confiou Seu filho à Virgem Maria, mas não deixou de confiar a Mãe de Deus a José. Fez de Maria Imaculada, para que sua carne fosse pura, e puro continuasse o Verbo Encarnado; que derramaria o sangue dessa carne em perdão dos nossos pecados. (“O Mercador de Veneza” que me desculpe, mas carne tem sangue).
Portanto, ser exigente na escolha da esposa ou marido é o mínimo que se espera. Todavia, novamente a ausência ou o excesso de exigência levará ao vício – o que escapa ao equilíbrio, como explica Aristóteles[1], e nos traduz deste São Tomás de Aquino[2]. No caso dos Casais Modernos, o comum é o excesso de exigência afetar a mulher, enquanto o homem quase não exige.
Essa busca garante a infelicidade – que é mais grave quando “ser feliz” é a motivação (tosca) nos casamentos modernos. A pior motivação! Felicidade pode ser desejável, mas ser a motivação para o casamento? Ora, na primeira frustração, tudo ruirá. Mas voltando….
Casais Modernos e o Acúmulo de Imperfeições
A imperfeição que você não encontra num, encontrará n’outro. Lembra de que todos temos ao menos uma grave imperfeição? Logo, fugir de alguém porque “tem um defeito insuportável”, só lhe fará abraçar outrem com um “defeito insuportável” diferente. Ou que só é insuportável, porque não sabes lidar, tampouco quer aceitar a imperfeição nos outros.
No período da paixão, aquela emoção avassaladora que faz tremer os lábios e causa frio na barriga; que arrepia os pêlos da nuca e faz ofegar; toda imperfeição é perdoada. Mas essa emoção não é eterna, nem duradoura. Por isso devemos amar ao próximo como a nós mesmos, e amar uns aos outros como o Cristo nos amou.

Amor é escolha, portanto, não sobrevive sem o perdão. Quando escolhemos amar, nos obrigamos a perdoar no outro as imperfeições e oferecer ajuda para superá-las – com muita paciência. E o fazemos, para também sermos dignos do perdão e do Amor. Pois amamos como queremos ser amados. Damos o amor que queremos que nos deem. Mas como somos também capazes de ingratidão, ou seja, desmerecemos o amor do outro, oferecemos o perdão do qual também necessitamos.
O maior exemplo é o Amor de Deus! Pois pecamos, pecamos e pecamos, enquanto Ele perdoa, perdoa e perdoa. Se isso não é Amor é motivo para sentirmos uma imensa felicidade, é o quê? É aquilo que os Casais Modernos desconhecem.
Ações e Consequências
Se ideias têm consequências, quiçá ações. Oras, o perdão não pode ser uma desculpa para fazer o mal. Afinal, Deus nos perdoa se nos arrependermos e mudarmos de coração, palavras e ações, mas não ficamos sem consequências.
Logo, perdoar o outro não é, nem deve ser uma muleta para a permissividade, mas um ato de amor e transformação. Como Santa Mônica, que persistiu em oração, amor e retidão, conseguindo converter o marido ingrato, pagão e violento, e o filho promíscuo e impiedoso, que conhecemos como Santo Agostinho.
Ama e faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos.
E Santa Mônica jamais validou, ou defendeu, tampouco apoiou os pecados do marido e do filho. Assim como um pai, perdoa o sequestrador e assassino da filhinha, mas as autoridades civis o punem. Há sempre consequências.
Porém, ser pecador também não pode servir de desculpa para não tentar melhorar, seguindo o exemplo do Cristo, mas justamente o contrário. É mais fácil falar do que fazer, admito, mas é necessário perseguir esse objetivo.
Impiedade e Condenação
Assim sendo, os casais que tentam se ajudar nesse objetivo, perseveram, enquanto os que fogem, se tornam impiedosos e terminam. Pois é mais fácil descartar o outro por suas imperfeições, e passar por vários outros imperfeitos, descartando quando acaba o encanto da paixão, a partilhar o peso da Cruz.
É a sina dos Casais Modernos, o acúmulo das frustrações pelas imperfeições alheias, a ingratidão e o divórcio. Por fim, lembremo-nos de mais um ensinamento do professor Olavo de Carvalho: “Deus não perdoa, quem não perdoa”.
Nelson Rodrigues, o Anjo Pornográfico, que só não foi um Bukowski por causa de sua devoção à Igreja Católica, dizia ser necessário muito cinismo para redimir um casamento. Mas acredito que é necessário muito mais Amor, principalmente o Amor a Deus.
O Homem moderno está muito próximo do “maníaco”, descrito por Chesterton, porém, pode ser mais bem resumido numa frase atribuída a Dostoievski.
Existe no Homem um vazio do tamanho de Deus
[1] ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco / Poética, Nova Cultural, 1ª edição, São Paulo, SP, 1987, Coleção Os Pensadores, Volume II
[2] DE AQUINO, Santo Tomás, Sobre os Prazeres; Comentários ao Décimo Livro da Ética de Aristóteles, Ecclesiae, 1ª edição, Campinas, SP, 2013
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