No Brasil, o descaso e o esquecimento parecem reservados ao destino dos gigantes… inclusive Machado de Assis
O Maestro Antônio Carlos Jobim criticava o ódio do brasileiro ao sucesso alheio. Ao invés de apoiarmos os gigantes, buscamos a todo custo diminuí-los. Salvo raras exceções reservadas ao futebol e aos falsos salvadores da pátria, que surgem de tempos em tempos, a regra é tratar o sucesso alheio como pecado mortal. Isso atinge até o Imortal Machado de Assis!
E os jogadores de futebol que se cuidem! Na Era das Redes Sociais, da ilusória sensação de poder, que faz brilhar os olhinhos dos idiotas de toda sorte, suas vidas particulares estão no centro das atenções, e não a qualidade esportiva. Suas opiniões políticas então… Neymar que o diga!
O melhor de nossa época deu o azar de dividir o palco com quem não tem a capacidade de dividir igualmente a responsabilidade. Não trouxe uma Copa, não conquistou uma Bola de Ouro – competindo com Cristiano Ronaldo e Messi -, logo, deu ‘motivos’ para que seu merecido sucesso imerecidamente desperte os ódios. De repente, perceberam que o rapaz é bilionário, jovem e tem uma família estruturada. O suficiente para ser condenado como o pior dos hereges.
Antes dele, Rubinho Barrichello entrou na galeria dos excomungados pelo populacho incapaz de valorizar seus melhores. O indivíduo precisa pedir o dinheiro da condução para a mãe, divide uma garrafa de cerveja vagabunda com outros três, enche a mente de maconha do baseado de um mendigo, volta a pé para casa e publica na internet como o Rubinho é “lento” e “fracassado”.

Sério? Um dos maiores recordistas da Fórmula 1 nada vale, porque não venceu um campeonato? Os inúmeros títulos em outras modalidades são ignorados. Isso faz o idiota se sentir melhor em relação à própria insignificância?
Enfim… Se é assim nos esportes, que recebem tanta atenção da imprensa e têm audiência elevada, como seria com a maltratada literatura?
Os gigantes não escapam
Se perguntarmos a qualquer cidadão quem foi Roberto Campos, Nelson Rodrigues, Miguel Reale ou Meira Penna; ou Bruno Tolentino, Visconde do Rio Branco, Ruy Barbosa ou Líbero Badaró; ou Lima Barreto e Júlia Lopes de Almeida, saberá quem são? Sequer conhecem os que estão vivos, como o Dr. Ives Gandra da Silva Martins, professor Sérgio Pachá e Ubiratan Jorge Iorio.

Quando muito, sabem que foi D. Pedro, porque algum professor os obrigou a aprender, e ainda confundem o I e o II. Mas, José Bonifácio, Pero Vaz de Caminha, Visconde de Cairu… Todavia, há uma exceção. Que mesmo o caipira, o suburbano mais simples ou o millennial emocionado têm “noção” de quem seja.

Quando citamos o nome de Machado de Assis, raramente o indivíduo não terá noção alguma. No mínimo nós dirá: “Já ouvi falar em algum lugar”. Ou porque o nome era martelado na escola, ou foi exigido para o vestibular, ou uma passagem citada n’alguma prova de concurso público, ou ouviu alguém citar, ou leu uma passagem nas redes sociais (pode ser até um meme).
Começa o problema, quando raras vezes as pessoas conhecem o autor por sua obra, exceto os vestibulandos e olhe lá. E onde há maus sintomas, deve haver doença.
Descaso com o maior
Não me surpreende que Machado de Assis sofra com o descaso. Não valorizamos nossos maiores. A miséria moral é a grande vendedora de personalidades. E piora!
Aqueles que deveriam ter o cuidado de proteger o legado literário brasileiro estão mais preocupados em fazer uma política mesquinha. Em atender às agendas de destruição da nossa cultura, inclusive da língua portuguesa. Afinal, se os grandes são esquecidos, os medíocres ascendem.
Oras, há universitários contratando profissionais para escreverem e revisarem seus Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC). São estudantes da Faculdade de Letras, que no último ano da graduação necessitam de ajuda para escrever.
Sabedores dessa ausência de vontade, do descaso com o conhecimento, da busca supérflua por um diploma, que acaba certificando incapazes, muitos professores universitários escolhem “entrar no jogo”. Para evitar indisposição com seus alunos, lhes facilitam a obtenção do Canudo, à revelia do aprendizado.
Não à toa há grupos ‘acadêmicos’ preocupados em discutir a negritude de Machado de Assis.

Chocados quando descobrem a cor da pele do gigante brasileiro, se debruçam para encontrar o que chamam de “força da escrita afro”. Se decepcionam quando não encontram elementos que acreditam piamente serem indispensáveis à ‘afrodescendência‘, como referências do Candomblé ou da Umbanda, ou termos das classes desfavorecidas, na boca do próprio autor.
A partir daí, a preocupação é pintar um Machado de Assis europeizado. Que escreve mais como um francês ou um inglês, do que como negro brasileiro. Um tratamento típico do descaso e da inveja tupiniquins.
Um homem de seu tempo
Todos somos homens de “nosso tempo”. Logo, não seria diferente com Machado de Assis. Ignorar esse fato é cair na vala comum do injusto anacronismo. É julgar uma personalidade conforme as ideias dominantes de épocas diferentes.
Por exemplo, o que factualmente define a diferença entre a literatura brasileira e as estrangeiras? Quais as particularidades? E, dentro da mesma, quais as diferenças por causa de regionalidade, etnia, círculos sociais, apoio midiático e/ou político etc?
No caso do maior literato brasileiro, temos exemplos de seu tempo. O grande crítico literário Silvio Romero era conhecido tanto por seu temperamento colérico, como por sua genialidade. Por causa de uma crítica do Bruxo do Cosme Velho, ao jovem Romero, este crítico jamais o perdoou.

E qual o pecado de Machado? Elogiar aquele jovem e lhe aconselhar a desenvolver melhor seu estilo, impor sua própria força. Décadas depois, Romero dedicou uma obra crítica inteira ao ‘desafeto’. E um de suas críticas era a ausência da força étnica na escrita de Machado.
Romero o acusa de escrever como um inglês, ou francês, mas jamais como um mulato. Todavia, sua crítica não é isenta da cólera do ressentimento. Há a necessidade de cuidado e profunda reflexão a cada linha, para separar as verdades do exímio crítico literário e os impropérios do vaidoso escritor.
Nossos acadêmicos de letras são capazes disso? Conseguiriam deixar as impressões anacrônicas de lado? Com certeza há em algum lugar honrosas exceções, porém, a situação geral é bem desanimadora.
A morte da pesquisa
Dadas as circunstâncias parcamente expostas, não devemos admirar que haja obras esquecidas ou mesmo inéditas de publicação no mercado editorial. Mesmo sendo o Machado!
No século XIX, era comum a publicação de peças, romances e novelas nas páginas dos jornais. Principalmente no Correio Braziliense. Também há peças compostas para apresentações únicas, em reuniões das nata cultural, nas casas de amigos e benfeitores.
Muitas obras de Machado de Assis permanecem sem publicação em livro e algumas (poucas) receberam edições recentes. Não há o interesse ou sequer o conhecimento histórico básico necessários para um trabalho de pesquisa, resgate e publicação.
Ainda assim, em 2020 e 2023 foram publicadas duas comédias esquecidas, que versavam sobre os costumes do século XIX. Uma crítica os interesses escusos dos corruptores na política fluminense, outra os excessos do idealismo romântico em homens e mulheres, fazendo dos primeiros apenas rapazes emocionalmente imaturos e vítimas fáceis das artimanhas femininas, e das mulheres em vítimas da própria vaidade e egocentrismo.
Obras esquecidas
Numa denúncia parecida com a do francês Gustave Flaubert, em Madame Bovary, Machado de Assis compõe a comédia O Caminho da Porta.

Uma viúva vaidosa faz de tolos os seus pretendentes, se divertindo com seu sofrimento amoroso e sorvendo cada palavra que lhe afague o ego. Aos homens, resta a percepção do que lhes ocorre e a escolha entre a submissão aos caprichos da viúva ou a honra e dignidade de tomar o caminho da porta.
Esse é um resumo, para evitar entregar muito do enredo. Recomendo a leitura, com atenção máxima ao único personagem masculino que desde o começo demonstra a postura de um homem maduro e sagaz.
Já na obra Quasi Ministro, Machado parece beber na crítica social de Dickens e na dos costumes de Eça de Queiroz. Talvez, em leituras de Aristófanes? Talvez.

A estória traz um político fluminense em ascensão, um deputado importante, cujos boatos dão conta de que estaria cotado à composição do novo Gabinete Ministerial, posto que último havia caído. Mal corre a meia-informação e o deputado se vê cercado de lobistas, interesseiros e bufōes. A loucura do Rei Lear transferida à sua Côrte.
Nesse ambiente inóspito, e contando com a ajuda d’um parente, o deputado deve se esquivar da claque, enquanto descobre se estará no governo, ou não passa d’um Quasi Ministro.
Ambas as peças foram compostas por Machado de Assis para apresentação única na casa de um amigo. Provavelmente, algum membro importante da alta sociedade da Cidade Imperial. São ótimas, mas as críticas vorazes atingem praticamente sem anacronismos os interesses dos anacrônicos e seus financiadores, no século XXI. Quem mandou o Bruxo do Cosme Velho ser um homem de seu tempo e tão atual?
Adquira as obras em E-BOOK e colabore com nosso trabalho. O download será liberado imediatamente após a confirmação do pagamento (Cartão ou PIX) ou em até 3 dias úteis (Boleto).
-
QUASE MINISTRO (E-BOOK)R$ 5,90
-
O CAMINHO DA PORTA (E-BOOK)R$ 6,90
Para saber mais sobre o Instituto Visconde de Cairu – https://ivcairu.org/quem-somos/
Se acredita na importância e quer incentivar o trabalho cultural, clique aqui. Ou leia o QR abaixo.
