Um Ensaio Sobre Convicções, Coerência e o Liberalismo Clássico

Política sem convicções é como castidade por impotência… Não tem coerência alguma. E o Liberalismo Clássico compreende essa questão

Há mais de 15 anos percebi que a política é a filosofia das convicções. Ou seja, ainda que o poder tenha o seu próprio jogo, quando se fala de causas, trata-se de convicções pessoais e de grupo. Ou seja, daquilo que o indivíduo defende como visão de mundo (ou cosmovisão, no sentido filosófico do termo). E isso é completamente natural. Pois todos nós temos as nossas convicções. Porém, é no debate constante que vamos criando a famosa dialética (tese, antítese e consenso). 

No entanto, há convicções e convicções

Por exemplo, a convicção principiológica, na qual o indivíduo defenderá os mesmos valores independente do contexto. O céu será azul mesmo que todo mundo diga que é verde. Isso dá a este indivíduo certa resiliência diante dos acontecimentos. Pois o mundo pode mudar, mas ele não. É o que alguns denominam de ‘fundamentalismo’. Pois o indivíduo defende os fundamentos de sua filosofia, sempre. 

Também temos aqueles que, por pragmatismo, são capazes de dialogar com todas as partes e mesmo ceder em alguns valores. Para alcançarem resultados positivos em outros valores. Por exemplo, um liberal pode negociar a propriedade em favor da liberdade e da vida, ou ainda, pode negociar a liberdade em favor da vida. Mas nunca pode negociar a vida. Assim como Churchill aliou-se temporariamente à União Soviética. Pois mesmo odiando o comunismo, para derrotar Hitler, o pragmático pode se aliar com adversários para alcançar um resultado maior.

Agora, há a convicção por ressentimento, na qual as coisas mudam de figura. Pois a identidade do indivíduo não está nos princípios e valores de sua causa. Mas, sim, no combate intransigente daqueles que ele considera os seus ‘inimigos’. Ele agirá igual aos seus adversários se preciso. Sua causa, neste sentido, não são os princípios, mas o poder. É a dominação sobre o outro, não importa como. 

As Três Formas de Convicções Políticas

Logo, recapitulemos. As convicções políticas podem apresentar-se de forma fundamentalista, ou de forma pragmática, ou ressentida. 

A fundamentalista tem os seus problemas. Pois nem sempre a vida é ‘preto no branco’. Muitas vezes a vida tem vários tons de cinza, e precisamos da capacidade de compreender isso. Conquanto, sob pena de nos tornarmos radicais cegos pela ideologia. 

O pragmatismo é, talvez, o modo mais consistente de se defender um ideal. Desde que o indivíduo saiba quais valores negocia e quais resultados quer alcançar. Pragmatismo demais pode levar ao esvaziamento dos princípios, o que é extremamente perigoso. 

O ressentimento, por sua vez, tem o papel de sugerir aonde estão os maiores adversários da ideologia. Mas se um indivíduo agir apenas por ressentimento, estará tão cego quanto o fundamentalista e tão vazio quanto o pragmático pleno. O ressentimento como causa original e última leva apenas ao enfrentamento. Portanto, cala o diálogo, esconde a realidade e cria contradições das mais diversas. 

Ações Ideológicas

Tanto nas esquerdas quanto nas direitas, muitos agem por puro ressentimento. Uns odeiam os EUA imperialistas a ponto de ignorar os abusos na China ou na Rússia. Outros aplaudem os EUA e Israel incondicionalmente, mesmo diante de sérias violações dos direitos humanos. Sendo assim, importa-lhes apenas combater o adversário – os valores se tornam irrelevantes.

Ser um pragmático coerente (como me considero) é difícil. Atinge-se a partir de um equilíbrio fino entre princípios e realismo. Isso incomoda os fundamentalistas e irrita os ressentidos. Mas é na coerência entre princípios, realidade e ação que a verdade se manifesta. É preciso dialogar com potências como China e EUA. Todavia, também condenar abusos claros como a invasão da Rússia na Ucrânia e a eterna guerra sem solução de Gaza. 

Uma coisa não anula a outra! 

Por muitos anos combati a extrema-direita, defendi Lula e Dilma diante da Lava Jato e do ‘golpe parlamentar’ de 2016. Este histórico existe em textos meus. Eu via no Bolsonaro e na direita internacional um movimento iliberal por excelência. 

Mas de nada adiantou ser contra um movimento iliberal, quando a esquerda no poder também é iliberal. Pois defendeu regimes ditatoriais mundo afora. Ademais, partiu ao discurso de enfrentamento contra potências com as quais precisamos negociar. Não há, sequer, coerência doméstica! Fala-se de combater o ‘bolsonarismo‘. Mas quem mais dá munição a Bolsonaro é o Lula. Seja com a falta de cuidado no 8 de Janeiro, ou com o discurso polarizador, ou os acenos à militância. 

Pragmatismo exige que negociemos o tempo todo. Pois a política, nas palavras de Bismarck, é a arte do possível. Lula quer o impossível, assim como Bolsonaro. Portanto, as duas militâncias estão embarcadas no ressentimento como discurso. Se continuar assim, não teremos política. Mas uma guerra civil travada no discurso e nas ruas. 

Coerência e Liberalismo Clássico

Sejamos coerentes com aquilo que defendemos! E sábios em saber negociar aquilo que é importante. Para nós, liberais clássicos, a vida é inegociável. A separação dos poderes é um pilar. A democracia representativa, com freios e contrapesos, é a única trincheira restante contra os extremos.

A liberdade de expressão, a dignidade humana e os direitos fundamentais são valores universais – não armas de ocasião. O multilateralismo, sim, é desejável. Mas nunca com adesão cega a impérios ou ditaduras. É hora de reafirmarmos quem somos. De deixarmos claro que liberalismo clássico não é adesismo a governos, nem fúria travestida de opinião. É, antes de tudo, coerência com valores.

E a coerência, como a verdade, não grita – ela sustenta.



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