É importante resgatar a compreensão do filósofo Olavo de Carvalho de ideia do Império Romano como uma constante na história da Europa
É impossível (ou quase) estudar composição narrativa e nunca ouvir falar de “arquétipo”. Em parte, deve-se à influência de Campbell e Jung, principalmente graças a Hollywood que muito utilizou das ideias desses autores em seus roteiros. Porém, entender essa influência é mais fácil pela obra de Richard Noll, The Jung Cult. E não cabe tal discussão por hora. Acontece que muitos concordarão que “arquétipo” significa “tipo mais antigo” ou “tipo por excelência”. E, em geral, confunde-se o “tipo mais antigo” com o “tipo por excelência”. O que é o mesmo que dizer que o tipo por excelência de imperador é Júlio César porque foi o primeiro imperador do Império Romano.
A melhor ironia de todos é que nem todos historiadores concordam em colocar Júlio César como o primeiro imperador. Mesmo que seja consenso que ele terminou com a República Romana. Mas isso é outra treta para outra hora.
Porém, pode-se dizer que não sem motivo que Napoleão se coroou Imperador da França. Agora, qual o ideal que tinha de imperador, provavelmente dependia de quem ele entendia ser Júlio César.
Uma interpretação Platônica
Platão é, de longe, um dos filósofos sobre os quais mais se escreveu na história da humanidade. Para os que quiserem conhecê-lo, recomenda-se a leitura de História da Filosofia Antiga de Giovanni Reale.
Por gora, o importante é destacar que há uma corrente que interpreta que o Mundo das Ideias (ou das Formas, questão de tradução) de Platão existe de maneira extramental. Alguns dirão que os grandes nomes da história nada mais são que “encarnações” dessas ideias. Logo, daí se retorna à figura do “arquétipo”.
Em miúdos, o arquétipo é o tipo por excelência, que pode ser histórico ou não, mas trata-se do modelo ideal de algo. E há uma galera que adora colocar em Júlio César o modelo ideal de governante do Império Romano. Outros dirão que Júlio César é um dos modelos e o modelo ideal é uma mescla de vários que se materializaram historicamente.
Tradição Primordial
Dito isso, é importante resgatar a co preensão do filósofo Olavo de Carvalho de ideia do Império Romano como uma constante na história da Europa. Por isso tanto se fez para restaurar o Império Romano e houve a coroação de Carlos Magno como imperador romano. Ademais, se Carlos Magno é Júlio César redivivo trata-de d’outra questão. Por quê? Porque nem todos pensam tratar-se de um apelo ao Mundo das Ideias. Pois alguns só são práticos, reconhecendo a utilidade doimperador e as diferenças entre os vários imperadores históricos.
A questão aqui é que há um esforço significativo por parte de marketeiros de relacionar os grandes empresários com os grandes nomes da história. E a consequência é evidente: Musk é um novo César, assim como César é um novo Odisseu.
O pulo de marketing para história e desta para a mitologia é proposital. E não é necessário conhecer muita literatura para reconhecer as “falsas narrativas fundadoras”. Pesquise-se qualquer canal de History Buffs para ver o fenômeno se repetir com “filmes históricos” sendo, na prática, propaganda.
Em ambos os casos, trata-se de colocar figuras em contextos heróicos para propagar ideias. E isso é usado para quase qualquer coisa enquanto se acusa o adversário de o fazer. Ao moldar o passado, querem moldar o futuro.
Por curiosidade, é similar com a ideia de que todo intelectual católico quer-se dizer herdeiro do tomismo. Ainda que contradiga algo que Santo Tomás escreveu. Mas nem sempre se trata de malícia, muitas vezes é burrice orgulhosa.
Os herdeiros do Império Romano
Com isso, retorna-se ao título: todos querem herdar o Império Romano E, quem pode, usa de um marketing mitológico para moldar o futuro a sua imagem e semelhança. Conquanto a ideia que querem transmitir é que conquistaram alguma iluminação sobrenatural, alcançada por outras grandes figuras históricas. Mas quais figuras históricas? Literalmente conforme o gosto do cliente. Pois Stálin até pode virar um herdeiro espiritual de Carlos Magno. Storytelling é, de longe, a técnica mais utilizada no marketing de alto nível.
Alguns vão ao extremo de criar um passado mítico. Engels faz isso em sua famosa obra “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado“. Pois idealizar afirmar que o tal passado equivale ao Paraíso Perdido. Por consequinte, podem negar o Gênesis, mas querem dar um ponto histórico equivalente (ainda que mais falso que o que negam).
Na sequência, logicamente, reinventam o Pecado Original e todas as lideranças históricas que destacam são “iluminados”. Daqueles que tentaram resgatar o estado perfeito do homem. Enquanto os vilões são aqueles que estragaram esse plano.
Todavia, acima de tudo, para evitarem ser descobertos, acusam os outros de seguir tal expediente, desacreditando a concorrência para que esta não possa acusar a fraude. Se acusar, a falta de credibilidade já é suficiente para impedir a eficácia.
Ao fim, basta destacar que é fácil ser rei do futuro que se ajudou a construir. Ainda mais quando esse futuro foi construído para se reinar.