Ter segurança online custará as nossas liberdades digitais? Franklin alertava sobre o erro de sacrificar a liberdade em nome d’um pouco de segurança temporária
A Grã-Bretanha finalmente sente os impactos de uma lei de dois anos. Todavia, os Estados Unidos buscam aprovar sua própria Lei de Segurança Online para Crianças (KOSA). Mas devem observar a situação desenrolar-se com medo.
Segurança Online na Grã-Bretanha
O governo conservador anterior, sob o primeiro-ministro Rishi Sunak, aprovou a Lei de Segurança Online (2023). Mas o processo legislativo começou em fevereiro de 2022, sob o segundo antecessor de Sunak, Boris Johnson. Entretanto, adiaram a implementação por um longo período, em grande parte devido à controvérsia e à logística em torno da lei. O Escritório de Comunicações (Ofcom) estabeleceu um roteiro para sua implementação em outubro de 2024. Ou seja, um ano após a aprovação da lei.
Como geralmente acontece, uma lei repleta de objetivos respeitáveis — proteger crianças de conteúdo prejudicial — rapidamente revelou-se uma ferramenta nefasta de controle.
Ninguém quer que crianças vejam conteúdo pornográfico. Essa não é uma posição controversa. No entanto, com muita frequência, vendem as ferramentas do autoritarismo sob o disfarce de proteção. Os ecos do alerta de Benjamin Franklin contra o sacrifício da liberdade por um pouco de segurança temporária soam mais alto na era da internet. Pois o que antes era o Velho Oeste digital tornou-se higienizado, vigiado e regulamentado. E por trás da própria existência da lei há a questão de quem é realmente responsável pelo conteúdo que as crianças veem online. O governo, as plataformas ou — como parece ter sido esquecido — seus pais?
Objetivo Razoável virou Censura Injustificável
A Lei de Segurança Online começou com um objetivo razoável. Conquanto exigia que as plataformas removessem conteúdo que já ilegal. Por exemplo, abuso infantil ou imagens que glorificam ou incentivam a automutilação. Mas a justificativa, conforme explicado pelo próprio governo em seu “Online Safety Act Explainer“, era tornar a Grã-Bretanha “o lugar mais seguro do mundo para se estar online”. Portanto, responsabilizando legalmente as plataformas pelo conteúdo postado por seus usuários. Mesmo no início, apontava-se como praticamente impossíveis os aspectos práticos de forçar corporações internacionais a policiar o conteúdo global em nome d’um governo nacional. No entanto, a lei rapidamente transformou-se em justificativa para as restrições a adultos em nome de maior transparência.
E quando a lei entrou parcialmente em vigor na semana passada, em 24 de julho, a reação imediata, tanto no Reino Unido quanto no exterior, concentrou-se nos limites de conteúdo pornográfico. Logo, afetaram grandes sites, como o Pornhub, e as seções “Não Seguro para o Trabalho” (NSFW) de fóruns importantes como o Reddit. Essas restrições digitalizaram os limites de conteúdo existentes por meio da Seção 12 da Lei. Sendo assim, por meio de procedimentos de verificação de idade que agora exigem que os usuários enviem uma selfie junto com um documento de identidade emitido pelo governo. Por exemplo, a carteira de habilitação.
Não está claro exatamente como armazenarão esses dados, quando excluirão esses dados e qual será o seu uso nesse meio tempo. Isso levanta questões significativas sobre a segurança desses sites e o potencial lesivo de um vazamento. Além disso, o momento da implementação dessa lei coincidiu com um desastre de relações públicas para um aplicativo popular — o Tea.
Violação da Segurança Online no Tea expõe falha da Verificação
Projetado para mulheres compartilharem conselhos sobre relacionamentos, o Tea sofreu uma grande violação de dados. Não somente revelaram sua base de usuários (verificada usando o mesmo processo de uma selfie pareada com um documento de identidade oficial). Mas também descobriram que a plataforma hospedava imagens de outras pessoas (ou seja, não usuários) sem o consentimento.
É profundamente constrangedor que o método de verificação de usuários escolhido pelo governo demonstrou-se como perigosamente inseguro e não confiável na mesma semana. Mas as consequências sinistras da Lei de Segurança Online vão muito além do conteúdo pornográfico. O verdadeiro perigo reside nas implicações dos caprichos por trás do “conteúdo nocivo”.
Quase na mesma semana da implementação da lei, o Reino Unido testemunhou protestos generalizados e quase tumultos em cidades como Epping e Diss. Mas até mesmo em cidades como Leeds. Essas manifestações espalharam-se rapidamente e continuam presentes em pequenas cidades. Ademais, lideradas em grande parte por mães e moradores locais contra a agressão e o assédio sexual de meninas por requerentes de asilo e refugiados em hotéis próximos.
Censura aos Protestos
Não que você saiba disso. A Lei de Segurança Online permitiu a censura de vídeos desses protestos em grandes plataformas como o X. Sob a alegação de que as imagens poderiam incitar danos ou encorajar a violência. Isso não é inédito — considera-se a Primavera Árabe a primeira “revolução digital”, devido ao papel das mídias sociais na disseminação da revolução pela região MENA.
Claro, você sempre pode usar Redes de Privacidade Virtual (VPNs) para contornar essas restrições. Aliás, os registros para VPNs no Reino Unido dispararam na última semana. À medida que os cidadãos tentam contornar a nova lei — enquanto o governo permitir. Embora seja um meme brincar sobre a necessidade de “uma licença para isso” no Reino Unido, os americanos devem observar as tentativas de seus próprios governos de introduzir limitações semelhantes à internet. Afinal, as palavras de outro pai fundador devem ser lembradas: O preço da liberdade é a vigilância eterna1.
Nota do Editor
- frase atribuída a Thomas Jefferson ↩︎
Artigo publicado originalmente na FEE, sob o título “A License for That?“. Traduzido por Roberto Lacerda Barricelli, que adaptou o título ao contexto brasileiro.
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