As verificações intrusivas de idade previstas na Lei de Segurança Online do Reino Unido e na Segurança Digital da UE nos coloca em direção à censura total da web
Sempre que os britânicos descrevem uma de suas próprias leis como “líder mundial”, é quase certo que será catastrófica. A Lei de Segurança Online (2023) – nota do editor: assim como a Lei de Segurança Digital da UE – não fugiu à regra. Como muitas leis que exigem censura na internet, inicialmente visava a proteção de crianças. Porém, anunciaram como uma medida para impedir a exposição de menores de 18 anos a conteúdo sexualmente explícito. Assim como à glorificação da violência, ao uso de álcool ou drogas. Por fim, a qualquer coisa que incentive a automutilação.
Todavia, aparentemente significava criar a Ofcom, a agência reguladora da mídia britânica. Porém, para policiar a internet — incluindo, inicialmente, qualquer coisa considerada “legal, mas prejudicial”. Entretanto, uma cláusula que felizmente removida antes de aprovarem a lei. Ainda assim, qualquer site considerado culpado de permitir que crianças acessem material perturbador enfrentará não só multas de até £ 18 milhões. Mas de até 10% do faturamento global. Ou seja, o que for maior. Nenhum preço era alto o suficiente para garantir que o Reino Unido se tornasse o “lugar mais seguro para se estar online no mundo”. Quem opor-se-ia a isso?
Muito além da Segurança Online
Acontece que não são somente pervertidos, cyberbullies e diversos outros malfeitores que beneficiam-se da internet continuar um lugar livre e aberto. Na sexta-feira passada, confrontou-se o público britânico com as realidades da Lei de Segurança Online. Pois agora obriga-se os sites a verificar se todos os usuários do Reino Unido têm mais de 18 anos antes de permitir o acesso ao conteúdo. Seja com restrição de idade ou ‘potencialmente prejudicial’.
Contudo, aplica-se a sites pornográficos, bem como aqueles que vendem nicotina ou álcool. No entanto, a lei também abrange qualquer plataforma que hospede conteúdo gerado pelo usuário, como X, Facebook e Reddit. Os usuários reclamaram de ter que enviar escaneamentos de seus documentos de identidade ou dados bancários. Assim como escanearem seus rostos por IA, para acessar páginas que discutem qualquer coisa remotamente controversa ou ‘Não Segura para o Trabalho’. Provedores terceirizados realizam a grande maioria dessa verificação.
Ainda mais preocupante, X agora retém alguns conteúdos de notícias até que os usuários provem que são maiores de 18 anos. Por exemplo, postagens sinalizadas como “sensíveis”. Por exemplo, aquelas que cobrem os recentes protestos anti-migrantes, recebem um aviso de restrição. Neste, declara-se que “devido às leis locais, restringimos temporariamente o acesso a este conteúdo até que o X calcule sua idade”.
A deputada conservadora Katie Lam chamou a atenção ao caso d’um vídeo seu. Lam discursou condenando a indiferença do Estado britânico ao estupro em massa de meninas da classe trabalhadora nas mãos de gangues de aliciamento. Porém, ironicamente, censuraram para ‘proteger as crianças’.
Liberdade e VPNs
Quase imediatamente, os britânicos online encontraram uma solução alternativa na forma de VPNs. Aplicativos que mascaram o endereço IP do usuário e enganam os servidores, fazendo-os acreditar que acessam o site a partir de outro país. Sendo assim, no fim de semana, os downloads de várias VPNs dispararam. Por exemplo, a Nord VPN relatou um aumento de 1.000% nas compras do Reino Unido. Contuo, o Partido Trabalhista quer responder proibindo os VPNs.
Usuários do Reino Unido sem uma VPN descobrirão que não conseguem acessar muitos sites. Para sites menores, em particular, implementar processos intrusivos e caros de verificação de idade não vale a pena. A plataforma de mídia social de direita Gab agora recebe usuários do Reino Unido com uma mensagem informando bloqueio devido às restrições da Lei de Segurança Online. Mas para evitar a entrega de dados à Ofcom.
O BitChute, uma alternativa ao YouTube mais voltada para a liberdade de expressão, explica de forma semelhante que “descontinuará seu serviço de compartilhamento de vídeos para residentes do Reino Unido”. Isso devido a preocupações com a privacidade levantadas pelas novas regulamentações. Outros sites até optaram por encerrar completamente.
Fóruns comunitários totalmente inofensivos viram-se forçados a encerrar, incapazes de arcar com os custos de cumprir a Lei de Segurança Online. Por exemplo, um clube de proprietários de veículos elétricos da Renault, um fórum para pais solteiros e um site dedicado à posse de hamsters. Até a Wikipédia considera implementar um sistema de cotas que limitará o número de usuários britânicos autorizados a acessar o site. Portanto, impedindo-o de ser classificado como um site de “categoria um”.
Censura da UE
O governo do Reino Unido não está sozinho em suas tentativas de censurar a internet. Pois no início deste mês, a UE lançou um protótipo de aplicativo para verificação de idade como parte de sua já censora Lei de Serviços Digitais (DSA). Assim como no Reino Unido, a UE quer restringir o tipo de conteúdo ao qual expor-se-á as crianças. Todavia, neste caso, Bruxelas planeja introduzir um aplicativo especializado. Teoricamente, permitirá que os usuários confirmem sua idade sem compartilhar dados sensíveis, como documentos de identidade ou informações bancárias. Testarão inicialmente na Dinamarca, França, Grécia, Itália e Espanha, objetivando introduzir em todo o bloco. No entanto, não será uma garantia para praticamente ninguém. Entretanto, a UE ainda gaba-se de que tal tecnologia será “totalmente interoperável com as futuras Carteiras de Identidade Digital da UE” .
O DSA já causou estragos suficientes na internet. Pois usa-se regularmente essa legislação draconiana para censurar opiniões divergentes sob o pretexto de policiar a “desinformação”. Em particular, mantém Elon Musk e sua rede social, X, na mira. A UE já ameaçou aplicar uma multa de €1 bilhão a Musk ou fechar o X completamente por recusar-se a fornecer dados. O compromisso de Musk em manter a liberdade de expressão no X significa que o site também sofrerá penalidades ao não aderir rigorosamente às regras antidiscurso de ódio do DSA.
Segurança Digital é Vaga
As definições amplas e vagas da Lei de Segurança Digital (LSD) significam que a maioria das empresas de mídia social regularão excessivamente suas plataformas para evitar infringir a legislação da UE. Um estudo constatou que entre 87,5% e 99,7% das postagens removidas por ‘Segurança Online’ eram completamente legais. O mesmo provavelmente aplicar-se-á à Lei de Segurança Digital da UE. Os sites se isolarão ou removerão qualquer conteúdo vagamente adulto ou controverso. Pois terão medo de multas e banimentos.
A maioria das pessoas concordaria que há certas coisas das quais devemos proteger as crianças online. Mas higienizar e tornar a internet à prova de crianças para todos não é a solução. Mas é tarefa dos pais, não do governo, monitorar o que seus filhos fazem online. Seja instalando controles parentais, definindo limites de tempo para dispositivos ou qualquer outro meio. Não existe universo em que forçar adultos a entregar informações privadas e sensíveis para acessar páginas como r/cider ou ver vídeos de protestos acontecendo em seu próprio país acabe bem.
Semelhanças entre a Segurança Online e a DSA
A Lei de Segurança Online, assim como a DSA, tem praticamente a garantia de ser usada como arma pelo Estado para reprimir opiniões desconfortáveis que desafiem a narrativa. No Reino Unido, a polícia pode bater à sua porta por uma piada de mau gosto ou postagem de uma opinião considerada ofensiva. Não nos esqueçamos de que a esposa e mãe Lucy Connolly atualmente cumpre quase três anos de prisão por um tweet. Engana-se gravemente qualquer pessoa acreditando que não ter “nada a esconder” é não ter o que temer desse monitoramento online.
O que testemunhamos é a morte da internet livre e o nascimento d’uma nova ditadura digital. Portanto, a proibição de confiar em nós mesmos para decidir qual conteúdo é apropriado ou correto. Em vez disso, a definição de “segurança” do Estado filtrará tudo. Logo, definirá o que é seguro dizer, ver ou acreditar. Sob o pretexto de proteger as crianças e combater o “ódio”, os governos criam o aparato de censura mais abrangente já visto no Ocidente.
Artigo sobre segurança digital originalmente publicado no European Conservative, sob o título “Say Goodbye to the Internet as We Know It”. Traduzido por Samara Oliveira Barricelli.
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