Impactos imediatos na economia e na geopolítica e as motivações de Donald Trump, ou “No longo prazo estaremos mortos”

Li análises de muitos colegas, aos quais respeito a capacidade de síntese e o conhecimento obtido nos longos, honestos e profundos estudos, sobre as ações do atual presidente americano, Donald Trump.

No que se refere às tais Tarifas Recíprocas, minhas reflexões tatearam o campo das divagações. Todavia, considero um tempo bem investido.

A Narrativa

Compreendo o porquê a narrativa de Tarifas Recíprocas encontrou tanta capilaridade no eleitorado fiel a Donald Trump e entre os não-ideológicos e indecisos. O apelo patriótico nunca deixou de impactar o imaginário do cidadão americano médio.

Ora, se “eles” nos tarifam, por que não os tarifamos de volta? Nós somos A América!

A liderança do Mundo Livre custou aos americanos bem mais do que bilhões de dólares, mas a formação do imaginário de gerações inteiras com essa ‘missão’. Mesmo que haja consequências positivas para a humanidade, e os próprios americanos, também há uma muito negativa: se tornam presas mais fáceis para discursos com apelo messiânico ou à ‘grandiosidade’.

Trump explorou bem essa construção. A defesa das Tarifas Recíprocas encontra eco no eleitorado, por causa desse apelo ao revide, à suposta manutenção da liderança dos EUA. Afinal, como os americanos podem aceitar que as demais nações imponham políticas tarifárias protecionistas contra a América, enquanto são tratados com abertura comercial e todos os benefícios do livre comércio?

Contudo, o presidente dos EUA mostra coerência, sendo o seu slogan “Faça a América Grande de Novo”. As narrativas devem seguir esse roteiro, porém, e quanto às ações?

Motivações de Donald Trump?

Em conversa com meu amigo Sasha Lamounier, expus minha visão sobre as motivações de Donald Trump. Dentro de um amplo programa de “corte de gastos governamentais” e “corte de impostos internos”, que atende aos anseios do próprio eleitorado – e neste artigo não tratarei se esse programa é bem ou mal aplicado; se os cortes são racionais ou não -, inseriu ações que reforcem sua retórica ‘agressiva’ da Grande América.

Constitucionalmente, Trump não pode ser eleito para um terceiro mandato, pois a 22ª Emenda proíbe mais de dois mandatos. Mesmo a suposta estratégia de concorrer como vice-presidente e assumir no ‘caso’ de uma renúncia, é impraticável, pois é proibido pela 12ª Emenda. Porém, não seria a primeira vez na história americana que um presidente consegue passar por cima da Constituição no que se refere às eleições, aos tais direitos políticos.

Foi assim com Frank Delano Roosevelt, Richard Nixon, George W. Bush e Barack Obama, para citar alguns exemplos. Aliás, Roosevelt não desrespeitou a lei ao ter quatro mandatos, pois ainda não era proibido. Contudo, passou por cima da Constituição para impor seu New Deal e para inserir os EUA na Segunda Guerra Mundial.

Portanto, não me surpreende se Trump quiser um terceiro mandato, e contar com uma grande tensão mundial para explorar nas eleições legislativas de 2026 e viabilizar uma nova Emenda, que permita (precisa de ⅔ do Congresso). No entanto, é o menos provável. Fazer um sucessor para o ‘trumpismo’, que não deve arrefecer tão cedo, é a melhor explicação.

Aposta Arriscada de Donald Trump?

Ao forçar as demais nações a escolherem entre voltar à multipolaridade e os blocos locais do século XIX, e buscar acordos para não perder o Mercado Americano, Donald Trump aposta tudo! Ou coloca nações inteiras de joelhos e faz seus fracos líderes lhe procurarem de pires da mão, ou será surpreendido com a (ré)formação dos blocos regionais, principalmente na Europa.

Na primeira opção, seu prestígio junto ao eleitorado médio americano alcançará índices elevados, na segunda, perderá prestígio ao correr atrás de acordos bilaterais para impedir uma recessão de médio prazo.

E o marketing eleitoral de Trump depende muito de sua figura de macho-alfa. Quem será o herdeiro do ‘trumpismo’?

Tarifas Recíprocas de Donald Trump: Consequências Imediatas

A ‘Guerra Tarifária’ tem consequências imediatas! Primeiro, a incerteza dos investidores, que derrubou a Bolsa de Nova York. Segundo, o encarecimento de produtos dependentes de material importado. Por exemplo, todos os produtos fabricados com aço estrangeiro encarecerão, pois o aumento do custo tarifário será repassado ao consumidor final.

Terceiro! Nações que queiram explorar manter negócios com o mercado americano buscarão acordos tarifários. Aquelas que se recusarem a essa submissão, buscarão acordos com os vizinhos.

Em quarto lugar, a Rússia será o mercado mais competitivo para as importações americanas. Portanto, haverá transferência de riqueza para o país controlado por Putin, e no topo da lista de ameaças às democracias europeias. O que pode ser parte da estratégia de Donald Trump para forçar a Europa a “tratar os EUA com respeito” – leia-se ‘pedir penico’ a Trump (com o período termo).

Por fim, uma curta recessão nos EUA, comparável à 1923-1924.

Paliativos

Por que não acredito numa recessão duradoura? Porque a administração Trump demonstra disposição para certos paliativos, que devem equilibrar temporariamente os efeitos negativos.

O corte de burocracia, impostos e gastos, eleva o poder de compra do cidadão americano, enquanto diminui os custos internos. Sendo assim, haverá redução de custos de um lado, e aumento de outro. Ainda não sei qual será maior, mas é óbvio que os impactos das Tarifas Recíprocas serão minimizados.

Também há a concorrência de substitutos. Ou seja, se o aço chinês ficou 34% mais caro, posso comprar o brasileiro, cuja tarifa é 10%, ou adquirir dos extratores internos, ou até investir nessas indústrias de extração e transformação, para aproveitar os ganhos imediatos.

Podem comprar da Rússia, ou segurar os estoques e a produção, e aguardar os acordos dos países ‘submissos’. Essa estocagem diminui a produção, logo, a oferta, ocasionando uma inflação de preços, mas por curto período.

Incentivos federais aos produtores nacionais e queda do desemprego graças ao novos investimentos internos, aumentando o poder aquisitivo de parte da população, são prováveis. Mas é um ciclo positivo?

Um pouco de História Econômica

Quando a chapa republicana Harding-Coolidge venceu as eleições em 1920, contra os democratas Cox-Roosevelt, usaram uma retórica similar. Foram contra a Onda Progressista, a volta à normalidade no pós-Primeira Guerra, e uma economia forte e independente dos estrangeiros. Lembra algo?

Warren Harding ficou no poder até 1923, pois faleceu repentinamente na Califórnia, durante uma viagem voltando do Alaska. Porém, no campo geopolítico, assinou acordos bilaterais de paz com Áustria e Alemanha, se afastou da Sociedade de Nações e realizou cortes de impostos, gastos e burocracia.

Todavia, acabou marcado por escândalos de corrupção e políticas tarifárias externas. Sua morte levou ao poder o vice, Calvin Coolidge.

Warren Harding e Calvin Coolidge similares a Donald Trump?

Coolidge era mais ferrenho na defesa e implantação do livre mercado interno. Entretanto, não fez grandes alterações nas políticas tarifárias protecionistas de Harding. Houve uma rápida recessão entre 1923 – 1924, mas as reformas Laissez Faire surtiram efeito.

Mais um pouco de História Econômica Americana

No entanto, foi a interferência do Federal Reserve, o Banco Central dos EUA, principalmente motivada pela ‘parceria’ de Benjamin Strong, diretor do Federal Reserve Bank of New York, e Montagu Norman, a mente por trás do Bank of England, que afundou a economia, como demonstrou o economista Murray N. Rothbard, em A Grande Depressão Americana.

A expansão monetária, o acesso ao crédito fácil para financiar um novo ‘estilo de vida’ e a inflação monetária decorrente, levaram os investidores a tomarem decisões baseados em índices falsificados. E essa bolha estourou em 1929.

Só Rothbard apontou que essa recessão foi alongada e aprofundada pelas políticas tarifárias e centralizadoras de Herbert Hoover, o verdadeiro pai do New Deal de Roosevelt. Eis a depressão!

Entretanto, na época o pêndulo pesava para o lado europeu. Não havia o Sistema Americano, surgido no pós-Segunda Guerra e consolidado na Guerra Fria. Sendo assim, fazia mais sentido o convencimento das massas pelo discurso protecionista. Porém, narrativas ancoradas no American First sempre tiveram forte apelo junto ao eleitorado americano, e continuará. É parte do DNA, da mentalidade, da formação psíquica daquela nação.

Trump se escora nessas bases em suas narrativas, para justificar o protecionismo. E isso funciona junto aos eleitores, mesmo quando inclui setores não enraizados e sem capacidade imediata de suprir o déficit dos materiais importados.

Preocupações Econômicas Concretas

Dadas as semelhanças retóricas, narrativas e econômicas – para o bem e para o mal – de Harding-Coolidge-Hoover e Donald Trump… pergunto: virá expansão monetária e incentivos de crédito para aumento da produção e financiamento do ‘estilo de vida’ da Grande América?

Se a pressão tarifária não funcionar, Trump precisará escolher entre abrir as negociações com as nações resistentes, ou tomar medidas que gerem bem-estar momentâneo e empurrem os desastrosos efeitos econômicos para outrem. Colocará os interesses dos americanos ou os próprios em primeiro lugar?

O isolacionismo econômico não é boa política, tampouco compatível com a tradição dos EUA e sua função de Liderar o Mundo Livre. Logo, contraria na prática a ‘missão messiânica’ inserida no imaginário, e citada no começo. Mas, demonstrar isso no plano das narrativas é um desafio, por enquanto, quase insuperável, por causa das paixões ideológicas em choque, que nublam a visão do cidadão médio.

Quando as paixões estabilizarem e passar a euforia, será possível agir efetivamente na guerra de narrativas. No entanto, haverá tempo suficiente? Ou 1929 é logo ali?

As reais preocupações de longo prazo parecem extirpadas na América. A mentalidade de Lord Keynes, influente economista inglês, e intervencionista até a medula, está em voga? Pois já dizia que “no longo prazo, estaremos mortos”. Uma visão assassina, de quem sacrifica o amanhã, para fingir vitória no hoje.

Nova Onda Nacionalista?

Haverá alteração nas estruturas das principais nações da Europa. Que já foram agitadas pelo afastamento entre EUA e OTAN, gerando uma corrida armamentista. Entretanto, ainda não está claro como reagirão a questões internas que encontram eco no discurso ‘trumpista’ (imigração, defesa, ‘proteção cultural’ etc.).

A pressão de Trump gerará Nova Onda Nacionalista na Europa? Questão essencial! Pois governantes vistos como fracos podem cair em países como a Alemanha, Holanda, Portugal e Espanha, onde há lideranças de direita não-formalmente aliadas ao americano e ansiosas para usufruir dessa onda.

Todavia, conseguirão fazê-lo sem serem oposição a Donald Trump? Como venderão aos ‘nacionalistas’ Anti-Trump uma narrativa de fortalecimento nacional, sem abrir mão do alinhamento-branco e óbvia tendência de re-aproximação, para não desagradar as próprias bases e os ‘nacionalistas’ que quiserem “um Trump pera chamar de meu”?

Porém, é maior a incógnita sobre como reagirão os eleitores de países com governantes à direita ou lideranças de uma direita crescente, teoricamente aliados ao presidente americano, como a Itália e a França. Nestes, a esquerda pode ganhar sobrevida com uma renovação do nacionalismo? Se deu bem quem saiu na frente!

No Reino Unido, onde Partido Trabalhista retornou ao poder, em 2024, o primeiro-ministro Keir Starmer já sinalizou para um acordo (provavelmente já costurado) com Donald Trump, para o fim das tarifas sobre aquela nação. Ambos se reuniram em Washington, no mês de fevereiro. Portanto, a esquerda britânica não deve sofrer quaisquer impactos consideráveis pelas políticas tarifárias do presidente americano, tampouco por uma reação nacionalista, ao ter se antecipado.

Deixo mais perguntas do que respostas. Sei disso! Mas o faço em respeito à inteligência do leitor e ao dever de todo articulista honesto: tentar analisar sem as lentes embaçadas da paixão ideológica.

Melhor perguntas honestas em aberto, ao fechamento com respostas fraudadas.


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By ROBERTO LACERDA BARRICELLI

Jornalista, com 17 anos de experiência, escritor e editor de livros e revistas, com foco em história e literatura.

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