Por que o Pobre Paga Mais pelos Serviços Estatais Gratuitos?

A Verdade oculta sobre os custos dos serviços estatais ‘gratuitos’ e como sempre prejudicam aos mais pobres

Entre numa clínica pública em Lagos na manhã de segunda-feira e verás o preço real da assistência médica “gratuita”. Pois mesmo cedo, os bancos já estão cheios. Mães agarram crianças doentes, idosos sentam-se no chão e todos esperam, às vezes por horas, somente para conseguirem atendimento. Quando uma enfermeira finalmente chama um nome, muitas vezes há uma expectativa silenciosa por um “token“, uma palavra educada para suborno, que dê andamento ao processo. E se você conseguir ir ao médico? O medicamento geralmente não está em estoque. Logo, sairá com uma receita na mão e outra conta para pagar em uma farmácia particular. É o custo dos serviços estatais “gratuitos”.

Serviços Estatais “gratuitos”?

Isto não é uma falha no sistema. É o sistema. Conquanto para milhões de pessoas em todo o mundo, os serviços estatais “gratuitos” vêm com uma sobretaxa oculta, mas que não aparece no recibo. Porém, os pobres pagam não apenas em dinheiro, mas em tempo, dignidade e oportunidades perdidas.

Para pessoas que vivem à margem, tempo é dinheiro no sentido mais literal. Por exemplo, uma mulher que vende laranjas na beira da estrada pode ganhar US$ 5 num dia bom. Contudo, se passar esse dia esperando num hospital público, perde não somente sua renda, mas também seus clientes. Uma adolescente que enfrenta filas por horas numa torneira municipal quebrada antes de ir à escola sacrifica mais do que sua manhã; perde a chance de estudar, aprender, sonhar além dessa linha. Esses são custos invisíveis, o que os economistas chamam de “custos de oportunidade”” —”. Entretanto, para os pobres, são custos extremamente reais.

Imposto sobre a Humilhação

Há também um imposto sobre a humilhação. Pois em muitas clínicas e escolas públicas tratam os pobres não como clientes, mas inconvenientes. Por exemplo, repreendem os pacientes por “incomodarem” as enfermeiras. Pais informam-nos de que não há lugar para seus filhos, a menos que entreguem algum dinheiro ao funcionário certo, enquanto os ricos ficam protegidos disso. Afinal, os ricos pagam por escolas e clínicas particulares, evitando filas e humilhações.

E aqui está a ironia amarga: os serviços estatais “gratuitos” muitas vezes mal valem o que custam. Outro exemplo, as escolas públicas de Mumbai, notórias pela ausência de professores, banheiros quebrados e salas de aula superlotadas, nas quais 70 crianças compartilham um único quadro-negro. Aliás, em muitas clínicas, o médico aparece somente em alguns dias por semana, ou nunca, enquanto a farmácia não tem estoque. Uma educação “gratuita” não significa muito se uma criança sai da escola sem saber ler. Assim como uma visita “gratuita” ao hospital é inútil se o paciente sair sem nenhum medicamento.

Por isso, em todo o mundo em desenvolvimento, as famílias mais pobres fazem o que parece uma escolha estranha: pagam por serviços privados que, tecnicamente, obteriam de graça. No Quênia, escolas particulares de baixo custo cobram somente alguns dólares por mês, e os pais, muitos vivendo abaixo da linha da pobreza, encontram uma maneira de pagar. Na Nigéria, as famílias juntam dinheiro para pequenas clínicas particulares, porque preferem pagar uma taxa modesta e ser atendidas em uma hora. Pois do contrário passarão um dia inteiro esperando por um médico do governo que pode jamais chegar.

O Custo da Sobrevivência

Não se trata de luxos; mas atos de sobrevivência. Quando uma mãe gasta US$ 5 para que seu filho frequente uma escola particular, não rejeita uma opção gratuita. Mas os custos ocultos dessa opção gratuita: tempo perdido, frustração sem fim e um futuro sacrificado.

Os ricos não enfrentam essas compensações porque optam por não participar completamente. Afinal, quando as escolas públicas fracassam, contratam tutores e se os hospitais públicos fracassam, tornam-se privados. Portanto, somente os pobres continuam presos no monopólio da oferta de serviços estatais “gratuitos”, e monopólios, por natureza, geram complacência. Quando o Estado é o único provedor, há pouco incentivo para melhorar, e eue escolha as pessoas têm? Ou seja, podem reclamar, mas ainda precisam entrar na fila.

Essa é a injustiça silenciosa dos serviços estatais “gratuitos”” .”, que prometem justiça, mas criam uma armadilha, aprisionando os mais vulneráveis em sistemas que ninguém mais toleraria. Ademais, se nos importamos com a equidade, a resposta não é investir mais dinheiro nesses sistemas — é dar às pessoas opções reais. Sejam vouchers que acompanhem os alunos em vez das escolas, ou subsídios que permitam às famílias escolher entre clínicas públicas e privadas. Mas ainda, talvez apoiar os empreendedores que administram escolas e hospitais de baixo custo em bairros carentes.

O que não podemos é forçar as pessoas a suportar salas de aula vazias, filas intermináveis e humilhação silenciosa simplesmente porque “é grátis”.

Eufemismo para Serviços Estatais “Gratuitos”

A expressão “serviço público gratuito” é sedutora. Pois sugere generosidade, justiça e bens compartilhados, mas para os pobres, “grátis” muitas vezes significa algo completamente diferente. Ou seja, horas perdidas, dignidade despojada e oportunidades bloqueadas. Pergunte a qualquer pai ou mãe numa favela de Nairóbi ou de Lagos, e lhe dirão: não querem mais coisas gratuitas, mas que funcionem. Querem a liberdade de escolha e a dignidade de tratarem-nos como clientes, não como fardos.

Portanto, até enfrentarmos essa verdade desconfortável, os mais pobres continuarão pagando o preço mais alto pela “gratuitidade”.

Artigo publicado originalmente em FEE, sob o título “Why the Poor Pay More“. Traduzido por Samara Oliveira Barricelli. Título adaptado pela tradutora.



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