Palestra de abertura do XII Congresso de Economia Austríaca, organizado pelo Instituto Juan de Mariana e pela Universidade Rey Juan Carlos. Realizado no campus de Vicálvaro desta última, entre 14 e 15 de maio de 2019, sob o título “A Japonização da União Europeia”
O tema da minha palestra de hoje é “A japonização da União Europeia”. (Nota do Tradutor: Adaptamos o título para melhor compreensão contextual do leitor brasileiro). Gostaria de começar observando que Hayek, em sua Teoria Pura do Capital., afirma “melhor teste para um bom economista” é entender o princípio de que “demanda por mercadorias não é demanda por trabalho”. Ou seja, é um erro pensar, como muitos pensam, que um mero aumento na demanda por bens de consumo aumenta o emprego. Quem acredita nisso não compreende os princípios mais básicos da teoria do capita. Pois explicam por que não é assim.
O crescimento da demanda por bens de consumo ocorre sempre à custa da poupança e da demanda por bens de investimento. Sendo que a maior parte do emprego se encontra nos estágios de investimento mais distantes do consumo. Logo, um simples aumento no consumo imediato sempre ocorre à custa do emprego dedicado ao investimento. Portanto, do emprego líquido.
Teste do Professor Huerta de Soto
Acrescentaria o meu próprio teste para definir um bom economista. O teste do Professor Huerta de Soto. De acordo com meus critérios, o melhor teste (e não menosprezo o de Hayek) é compreender ou não o porquê é erro grave acreditar que injeção e manipulação de dinheiro gerarão prosperidade econômica. Ou seja, entender que nunca são o caminho à prosperidade econômica sustentável. Este é o melhor teste para definir um bom economista, segundo o Professor Huerta de Soto.
Logo, nem keynesianos, nem monetaristas passariam no meu teste, tampouco no de Hayek. Portanto, reprovariam e não passariam ao segundo ano. Por exemplo, Keynes nunca entendeu que é possível ganhar dinheiro mesmo quando as vendas de bens de consumo não aumentam.
Veja bem, lucro é igual à renda menos custo. Sendo assim, a renda pode permanecer inalterada. Mas, se reduzir custos, poderá ganhar dinheiro. E como se reduz custos na margem num ambiente de crescimento econômico normal? Bem, substitui-se o trabalho por equipamento de capital (relativamente mais barato). Todavia, alguém produzirá esse equipamento de capital que substituirá o trabalho nos estágios mais próximos do consumo. Portanto, gerará enorme número de empregos. As máquinas nunca prejudicam o emprego; pelo contrário, criam e em grande escala. Entretanto, Keynes nunca compreendeu. Logo, reprovaria tanto no teste de Hayek quanto no meu.
Também aconteceria com uma das figuras que, com Keynes, causou os maiores danos não somente à ciência econômica, mas à sociedade. Principalmente por causa da obra “Uma História Monetária dos Estados Unidos”. Pois defende que a Grande Depressão de 1929 resultou da falha do Federal Reserve em injetar dinheiro suficiente. Ou seja, por insuficiente intervenção ou manipulação da oferta de moeda. Obviamente, refiro-me a Milton Friedman. Agora tão elogiado pelos banqueiros centrais favoráveis às políticas monetárias ultrafrouxas. Também reprovaria no meu teste.
Ilustração Histórica Espanhola
A história ilustra repetidamente a solidez da pergunta essencial (de Hayek e minha) para determinar se um economista realmente sabe do que está falando. Por exemplo, observemos o influxo maciço de metais preciosos na Espanha após a descoberta das Américas. Longe de gerar prosperidade, esse influxo transformou a Espanha num verdadeiro deserto econômico. Conquanto só alcançou a prosperidade econômica de seus países vizinhos muitos séculos depois.
De fato, a chegada do ouro elevou os preços nominais. Logo, reduziu o poder de compra da unidade monetária na Espanha. Como resultado, os produtos espanhóis perderam a competitividade e tornou-se muito mais barato comprar no exterior. Assim sendo, o ouro entrava no país, e já saía de nossas fronteiras para pagar importações maciças. Como consequência, os produtos tradicionais da Península Ibérica perderam a competitividade e seus produtores faliram, necessitando emigrar.
Lembre-se de que havia basicamente três rotas profissionais que uma pessoa podia seguir na Espanha naquela época: “a Igreja, o mar ou a Casa Real”. Ou seja, tornar-se clérigo ou freira e viver de benefícios eclesiásticos, cruzar o Atlântico buscando fortuna nas Américas, ou ser soldado do rei em Flandres. Logo, isso explica o atraso econômico tradicional da Espanha, sua relativa letargia e subdesenvolvimento ao longo dos séculos.
As Reservas Fracionárias
Outra ilustração histórica é o surgimento do sistema bancário de reservas fracionárias. Outra tentativa – inicialmente privada e, posteriormente, em cooperação com bancos centrais e autoridades públicas – de injetar dinheiro. Sempre baseado na noção de que a economia se beneficia dessas injeções. Ou seja, na ideia de que criar empréstimos do nada, sem o respaldo da poupança real, é algo positivo e favorável. ALiás, vários economistas a defenderam – até renomados como Joseph Alois Schumpeter. Portanto, também não passaria no meu teste e seria reprovado no meu exame.
No entanto, não discutiremos agora os efeitos desestabilizadores que o sistema bancário de reservas fracionárias exerce sobre o sistema econômico. Você já está familiarizado com o conteúdo do meu livro, “Moeda, Crédito Bancário e Ciclos Econômicos”, e com os argumentos essenciais nele desenvolvidos (Nota do editor: recomendamos a leitura dessa obra-prima da economia).
Doença da Japonização Econômica
Finalmente, encontramos outra ilustração muito clara da importância do nosso teste! Refiro-me às manipulações e injeções monetárias desenfreadas. Ademais, com as quais as autoridades ao redor do mundo reagiram à Grande Recessão de 2008. Pois essa reação atinge seu ápice no que chamaremos de “doença econômica japonesa” ou “doença da japonização econômica”. Mas em que consiste essa síndrome ou “doença econômica japonesa”?
Primeiro, examinaremos seus sintomas. Depois, analisaremos teoricamente sob a perspectiva da Escola Austríaca. Em seguida, consideraremos até que ponto essa doença é contagiosa e se há risco de transmissão para outras áreas econômicas. Porém, especificamente para a União Europeia. Mas, antes de iniciarmos a análise dos sintomas dessa doença, delinearemos o contexto histórico imediato da economia japonesa.
O atual contexto da economia japonesa
Precisamos voltar à década de 1960. Mas, particularmente, à década de 1970 e início da década de 1980. Vivenciei isso em primeira mão quando cursava meu mestrado em Administração de Empresas na Universidade Stanford. Mas não sei se você sabem! Porém, mesmo causando surpresa agora, durante aqueles anos o mundo invejava e admirava a economia japonesa. Em todas as escolas de negócios, estudava-se o “milagre econômico japonês” com entusiasmo. As pessoas elogiavam e até veneravam a cultura econômica e empreendedora japonesa. Pois, de alguma forma resolvera o problema.
Os trabalhadores eram fortemente protegidos em todas as empresas, num ambiente quase familiar. Todavia, em troca da absoluta lealdade recíproca de cada funcionário. Isso ocorreu num contexto de inovação constante e crescimento econômico contínuo das exportações. É verdade que tal modelo baseava-se, em grande parte, na cópia de inovações e descobertas anteriores dos Estados Unidos e da Europa. Sendo assim, lançando-as no mercado a preços muito mais baixos e nível de qualidade inicialmente bastante aceitável. Mas, posteriormente, até mesmo muito alto.
No entanto, esse modelo idealizado, que todos almejavam seguir como exemplo durante aquelas décadas, revelou-se uma miragem. Pois ocultava o fato de que tanto a cultura japonesa quanto (especialmente) a economia japonesa eram (e são) extremamente rígidas e intervencionistas. Portanto, o que parecia durante aqueles anos uma economia altamente próspera e estável. Na verdade, repousava sobre uma enorme bolha de crescimento artificial, manipulação monetária e expansão do crédito.
Início da Doença da Japonização Econômica
A bolha tomou forma principalmente em torno do mercado imobiliário. Os preços nas áreas mais valorizadas de Tóquio e outras importantes cidades japonesas chegaram a milhares de ienes. Depois, cotados por centímetro quadrado. E nesse ambiente eufórico e de farra especulativa, os grandes conglomerados industriais japoneses (zaibatsus) tornaram-se de fato instituições financeiras especulativas. Ademais, como atividade secundária, também fabricavam veículos, dispositivos eletrônicos, etc.
Bem, no início da década de 1990, a bolha japonesa estourou, em perfeita consonância com nossa teoria austríaca do ciclo econômico. Só para se ter uma ideia, o índice Nikkei caiu de trinta mil ienes no início dos anos 90 para doze mil ienes dez anos depois. Aliás, quase trinta anos depois, ainda não se recuperou. Houve um colapso catastrófico do mercado de ações, e vários dos principais bancos e instituições financeiras faliram, um após o outro. (Nota do editor: Auge da doença da Japonização econômica)
Devemos concentrar nossa análise na reação das autoridades econômicas e financeiras japonesas ao estouro da bolha e à chegada da crise financeira. Mas, antes, lembremo-nos dos quatro cenários possíveis após o estouro de uma bolha financeira irracionalmente “exuberante” como a do Japão.
Os quatro cenários possíveis após uma crise financeira
Teoricamente, há quatro cenários possíveis após uma bolha estourar e instalar a subsequente e inevitável crise e recessão. Primeiro, as autoridades econômicas e monetárias insistirem em continuar injetando dinheiro numa corrida incessante ao futuro, Todavia, impedindo a chegada da recessão. Eventualmente, resulta em hiperinflação; como vimos em certos momentos no passado. Por exemplo, após a Primeira Guerra Mundial. Pois a hiperinflação na Alemanha quase destruiu o sistema monetário e ajudou a ascensão de Hitler. Este primeiro cenário é possível e desenrolou-se em várias ocasiões. Mas, não desenrolou-se no último ciclo, nem no caso da doença da japonização econômica.
O segundo cenário é o oposto. Consiste num colapso absoluto do sistema bancário e financeiro. Quando o sistema monetário desaparece. Neste caso, evoluirá novamente do zero, e escolherá um novo dinheiro para substituir o fiduciário destruído e extinto. É outro cenário catastrófico possível. Porém, não se concretizou no último ciclo. Mas, tampouco, em ciclos anteriores. Pois criaram os bancos centrais precisamente para apoiar os bancos privados. Impedindo-os de suspender pagamentos um após o outro, numa reação em cadeia.
O terceiro cenário é o mais comum. Com grande dificuldade, apesar das manipulações monetárias mais ou menos tímidas ou isoladas, retóricas ou reais, a economia real reestrutura-se. Ou seja, ajusta-se à nova situação. Sendo assim, removem os fatores produtivos em grande escala de linhas de investimento insustentáveis. Ademais, num ambiente de relativa livre iniciativa, os empreendedores eventualmente recuperam a confiança e detectam novas linhas de negócios e projetos de investimento sustentáveis. Portanto, a recuperação começa gradualmente.
É verdade que os seres humanos não aprendem. Logo, quando ocorre uma recuperação sustentada, os incentivos políticos e institucionais, mais cedo ou mais tarde, levarão à nova expansão artificial do crédito. Portanto, plantará as sementes ao próximo ciclo. (Nota do editor: Como na doença na japonização econômica).
Flexibilidade da Economia Americana e Japonização via FED
Este terceiro cenário, geralmente, desenrolou-se no mundo ocidental, após as diferentes crises e recessões financeiras que o devastaram. Por exemplo, este cenário repetiu-se nos Estados Unidos após o ciclo econômico americano mais recente. Devemos lembrar que a bolha se originou na economia americana. Inclusive, após a crise, o Federal Reserve injetou enorme quantidade de dinheiro. Ademais, o Federal Reserve liderou e dirigiu o afrouxamento quantitativo com o Japão.
No entanto, a economia americana é uma das mais flexíveis do mundo. De fato, em termos relativos, se algo caracteriza a economia americana, é sua grande flexibilidade. Ou seja, sua notável capacidade de remover rapidamente fatores produtivos e realocá-los n’outros investimentos sustentáveis. Sempre descobertos por um empreendedorismo bastante livre, inquieto e criativo. Portanto, apesar de toda a agressão monetária e do crescente intervencionismo na economia americana, repetidamente reestrutura-se e inicia um caminho rumo à recuperação sustentável.
É verdade que às vezes a recuperação começa lentamente. Factualmente, ainda não reestruturou-se totalmente a economia americana, tampouco normalizaram a política monetária. Como sabemos, os banqueiros centrais têm extrema dificuldade em aumentar as taxas de juros e estão constantemente procurando a menor desculpa para reduzi-las. Nesse contexto, elevaram as taxas de juros de longo prazo para 3%. Porém, insuficiente, pois deveriam ter taxas de juros em torno de 4% ou 5%, quando a inflação esperada é de 2%). E, mais recentemente, em resposta a pressões políticas e sob o pretexto d’um aumento da incerteza, paralisaram não somente a normalização monetária. Mas deram um passo atrás, e reduziram as taxas de juros em um quarto de ponto percentual… Entretanto, de qualquer forma, a economia americana é altamente flexível. Portanto, fornece o exemplo típico de uma recuperação que, mais cedo ou mais tarde, se torna realidade.
Riscos da UE e Cultura Japonesa
Por fim, há um quarto cenário, que surge quando o ambiente econômico, em nítido contraste com os Estados Unidos, é muito rígido e repleto de impostos, intervencionismo e regulamentações. Nesse contexto altamente rígido, quando as autoridades monetárias insistem em injetar uma grande quantidade de dinheiro… A síndrome da “doença econômica japonesa” ou “japonização econômica” ocorre inevitavelmente. É esse coquetel de grande rigidez institucional, impostos pesados, mercados de trabalho altamente regulamentados. Juntamente à crescente intervenção estatal na economia em todos os níveis, manipulação intensa e injeções desenfreadas de dinheiro. Que precisamente caracteriza a economia do Japão (japonização) e ameaça se espalhar para outras áreas econômicas do mundo. Todavia, a começar pela União Europeia.
De fato, as autoridades japonesas responderam ao estouro de sua bolha com uma política monetária excessivamente frouxa. Na qual também decidiram que haveria uma rolagem contínua de empréstimos. Em outras palavras, as empresas que não conseguiam pagar seus empréstimos recebiam novos empréstimos para quitar os antigos. Ademais, o banco central japonês apoiava e promovia. No Japão, é culturalmente inaceitável uma empresa falir. Mas também é culturalmente inaceitável que trabalhadores sejam demitidos.
Cada empresa é como a mãe d’uma grande família. Por isso, deve manter todos os membros seguros e empregados. Embora oficialmente os números de desemprego sejam muito baixos e todos pareçam ter um emprego, devemos lembrar das fotos daqueles grandes departamentos nas empresas japonesas. Nos quais vemos os funcionários dormindo ou sem fazer nada. Oficialmente, estão trabalhando. Mas, obviamente, o desemprego oculto é enorme, e a queda na produtividade e a perda contínua de competitividade relativa são muito altas. Especialmente em relação à China, Coreia do Sul e outras economias emergentes asiáticas. Além disso, reduziram as taxas de juros quase a zero e o governo adotou uma política fiscal agressiva, que elevou os gastos públicos às alturas.
Quarto Cenário: Japonização
Pois bem, essa combinação de medidas de política econômica é responsável por gerar o quarto cenário. Ao qual chamamos de “japonização”, e dedico minha palestra. Num ambiente de grande rigidez institucional e econômica, como o japonês; com a manipulação monetária massiva e o aumento desenfreado dos gastos públicos; bloqueiam qualquer incentivo possível a reestruturação espontânea da economia. Como resultado, não transferem os fatores produtivos dos projetos onde investiram erroneamente, para linhas alternativas e sustentáveis de investimento. Algo que os empreendedores só descobrem num ambiente de liberdade, flexibilidade econômica e confiança. Sendo assim, o Japão entrou num período indefinido de recessão e letargia econômica. Mas do qual ainda não conseguiu sair e já dura várias décadas.
Para não perder o restante da palestra do professor Huerta de Soto, em português, clique no sino azul e branco do lado esquerdo e ative as notificações. Publicaremos as partes II e II em breve. Traduções dos originais em espanhol por Roberto Lacerda Barricelli: “La japonización de la Unión Europea“.
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