Todas as noites, uma sombra misteriosa vem salvar a beleza da cidade italiana de Brescia de grafites e pichações
Há várias semanas, ao cair da noite, nos becos escuros e estreitos da orgulhosa cidade de Brescia, no norte da Itália, uma sombra mascarada move-se furtivamente de casa em casa. Determinada a fazer o bem e restaurar a beleza, enquanto as pessoas honestas dormem. Mas não é o Batman, que, deixando os céus de Gotham City, escolheu aposentar-se entre Milão e Veneza. Mas também não é o Zorro, cansado de andar por aí na poeira da Califórnia e preferindo as calçadas de pedra da Lombardia. Sua arma de vingança não é uma arma laser nem um chicote de couro, mas uma escada, um pincel e um balde de tinta.
Vingador Mascarado
Nosso homem mascarado — pois trata-se d’um homem, uma das poucas coisas que sabemos dele — é, na verdade, um pintor de casas. Sua missão? Restaurar a beleza de sua amada cidade, livrando-a, ao cair da noite, de tudo que a humilha e desfigura. Ou seja, grafites, pichações, pedaços de cartazes rasgados que desfiguram as paredes de casas e monumentos na cidade. Outrora um orgulhoso ducado lombardo, uma dependência veneziana e heroína do Risorgimento.
Como estamos na era do Instagram, este herói muito discreto preocupa-se em filmar suas intervenções. Rápidas, cirúrgicas, eficazes. E domina seu ofício. Pois seus movimentos são seguros e precisos, e em sua bolsa, sempre tem o tom certo para restaurar a harmonia colorida às fachadas desgastadas. Conquanto maneja ocres e terracotas melhor do que ninguém. Sob sua mão experiente, o grafite “Palestina Livre” e outros “F**k you” desaparecem rapidamente. Ghost Pitùr, como o conhecemos — o pintor fantasma — agora tem mais de 160.000 seguidores e é homenageado pela imprensa local e nacional da península.
Um Amante da Beleza
Sua única assinatura é um pequeno bilhete deixado para os moradores que ele libertou: “Questo e un atto di amore urbano “, “Este é um ato de amor urbano”. O homem não é apenas um artesão corajoso e trabalhador! Mas também tem a alma d’um poeta, repleta de sensualidade, e ama sua cidade como se ama uma musa. Acaricia as paredes com a delicadeza de quem toca a pele de sua amada.
O jornal italiano de esquerda La Repubblica entrevistou o fenômeno. O pintor vingativo quer ser falado, mas não muito. Pois insiste em permanecer anônimo para garantir a pureza de suas intenções: “Se eu revelar minha identidade, as pessoas pensarão que quero anunciar-me. Porque durante o dia sou um verdadeiro pintor de casas”. Logo, age de graça: em nosso mundo mercantil, onde tudo é oportunidade para vender e promover; abordagem surpreendente. Ademais, desde quando tornou-se tão incongruente ser um amante da beleza?
A jornalista progressista que o entrevistou não consegue deixar de elogiar seu trabalho com um toque de sarcasmo mesquinho. Lutar pela beleza e contra o expressionismo de rua hoje parece um pouco antiquado. “É como tentar esvaziar o mar com uma colher”, diz ela ironicamente. Mas e daí? Pois os construtores de cidades italianas são figuras anônimas que deixaram-nos obras-primas. Portanto, o que seria mais natural do que um deles assumir a tocha hoje? Há muito o que fazer para restaurar a beleza das cidades europeias. Principalmente, quando cidadãos e vereadores às vezes concordam e esforçam-se para destruir a harmonia urbana, construída pelos nossos antepassados. Aqueles que acreditavam que a cidade dos homens deveria assemelhar-se à cidade de Deus.
Um dia, quem sabe, talvez uma estátua seja erguida no coração de Brescia em homenagem ao homem que amou a beleza demais para encontrar descanso.
Publicado originalmente em The European Conservative, sob o título “Ghost Pitùr, The Masked Avenger of Beauty“. Traduzido por Roberto Lacerda Barricelli.