A crítica especializada desenvolveu um termo para designar um personagem que não possui fraqueza e, por definição, não teria graça acompanhar uma jornada: Mary Sue
A personagem Mary Sue original apareceu num conto de 1973 chamado “A Trekkie’s Tale”. O conto parodiava as personagens femininas idealizadas e que eram comuns em fanfics. Essas personagens foram descritas como tendo qualquer um ou todos os seguintes elementos:
- ser jovem (ou a mais nova) da Frota Estelar oficial;
- ser adorada pelos personagens estabelecidos, como Capitão Kirk, Sr. Spock, e Dr. McCoy;
- possuir habilidades extraordinárias;
- ganhar honras extraordinárias;
- morrer uma heróico morte, após a qual ela é universalmente lamentada.
Porém, quem segue a estrutura narrativa da Jornada do Herói pode fazer uma Mary Sue sem grandes dificuldades. Principalmente em decorrência do arquétipo de “predestinado”, ainda que isso só seja revelado bem adiante na história.
Os cinco personagens: Onde se encaixa Mary Sue?
Tradicionalmente, considera-se que há cinco tipos de personagens possíveis em termos de escala de poder:
- Divindades;
- Semideuses;
- Homens superiores;
- Homens normais;
- Homens inferiores.
E, na prática, toda Mary Sue é uma divindade em termos de escala de poder.
Porém, quando se analisa a ideia de Jornada do Herói, trata-se de encontrar um personagem que, geralmente, mata uma divindade. Ainda que seja uma falsa divindade. O tema é clichê em jogos japoneses, inclusive.
Mas o mais relevante é que se trata de um desejo do público em querer ser Deus e que todos sejam a sua imagem e semelhança. Por isso o marketing moderno trabalha com a ideia de mitos.
Em resumo, é a ideia de que mais que as ideias da pessoa, o “ser como a pessoa” é o mais importante. Não é sem motivo que há muitos que se dizem platonistas e que seguem essa abordagem. Afinal, eles usam de uma interpretação específica do Mundo das Formas.
Síndrome do Irregular
O wokismo de direita gera os mesmos problemas do wokismo acusado na esquerda: as pessoas exemplares não estão limitadas à mesma moral que os meros mortais. E talvez não haja exemplo melhor que Tatsuya de O Irregular na Escola de Magia. Porém, é preferível não comentar o motivo.
A prática, contudo, é que todos os verão com um “irregular” e a narrativa dele é moldada para ele parecer predestinado por superar várias dificuldades e ter muito êxito pelos próprios méritos. Exatamente como uma Jornada do Herói de Campbell. Para quem quer entender o problema, pode-se ler The Jung Cult, de Richard Noll. Afinal, Campbell só adapta as teses junguianas para a própria.
O problema de ser o mais poderoso
Uma melhor representação de fantasia de poder está em Sousou no Frieren. Para contexto básico, trata-se de uma história que acompanha uma maga elfa que tem mais de mil anos de vida (e é um dos seres vivos mais poderosos que existem). Dois humanos a acompanham: Fern e Stark.
Os dois são fortes, principalmente para humanos. Porém, são fortes porque tiveram ótimos professores. E eles não percebem a si mesmos como tão fortes, sendo dependentes da protagonista. Isso muda num dos arcos narrativos quando Frieren encarrega os dois de enfrentar os dois líderes de uma invasão demoníaca. E os dois hesitam.
Eles são os mais fortes disponíveis e têm três opções:
- Fugir
- Morrer lutando
- Tentar e vencer
É só depois de apanhar do inimigo que Stark percebe que o inimigo é mais fraco que ele.
Stark partiu para a luta por dever. Pois não tinha a quem pedir ajuda. E só depois de lutar ele percebeu porque os outros jogaram o peso sobre ele. E era um peso leve.
Todo peso dramático praticamente se esvai quando o personagem percebe que a luta não é difícil. Porém, o público consegue entender a mensagem: o problema de ser o mais poderoso é que você não tem a quem pedir ajuda.
Em suma, ser o mais forte é um fardo. E isso que escapa a todas as fantasias de poder, fazendo delas mero wokismo, seja à direita, seja à esquerda.