Escola Austríaca: Análise sobre a Síndrome de Japonização Econômica

Parte III da Palestra do professor Jesús Huerta de Soto, na qual utiliza o método da Escola Austríaca de Economia para analisar a Síndrome de Japonização Econômica

A principal mensagem revelada por ferramentas analíticas da Escola Austríaca: para recuperar prosperidade econômica sustentável pós bolha especulativa e expansão do crédito, só com liberalização econômica. Logo, a livre iniciativa em todos os níveis, e não há outro caminho.

Princípios Básicos de Reforma Liberalizante

Ou seja, em economias muito rígidas, deve-se realizar uma série de reformas estruturais fundamentais. Basicamente, todas de natureza microeconômica, e nenhuma tem a ver com a manipulação macroeconômica da oferta de moeda ou gastos fiscais. Conquanto políticos e autoridades monetárias sucumbem à tentação de envolver-se em tal manipulação em contextos de grande rigidez institucional, crise financeira e recessão econômica. Logo, no que consistem precisamente essas reformas microeconômicas necessárias?

Basicamente, consistem em desregulamentar sistematicamente a economia; liberalizar os mercados, particularmente o de trabalho (fundamental nos casos de Japão e União Europeia).e reduzir e reabilitar o setor público e os gastos públicos. Assim como, minimizar os subsídios e reformar o “estado de bem-estar social” para devolver a responsabilidade aos cidadãos. Por fim, reduzir os impostos que sobrecarregam os agentes econômicos, especialmente sobre os lucros empresariais e a acumulação de capital.

O Cálculo Econômico

Devemos lembrar que os lucros são os sinais que guiam os empreendedores no mercado na busca constante por investimentos sustentáveis. Sendo assim, um sistema tributário que incide sobre os lucros essencialmente obscurece os sinais de trânsito que guiam-nos no mercado. O que inevitavelmente torna o cálculo econômico caótico e origina uma má alocação de recursos escassos.

Além disso, impostos sobre o capital têm efeito particularmente adverso sobre os assalariados, especialmente os mais vulneráveis, uma vez que sua remuneração depende de produtividade. Ademais, que depende da quantidade acumulada de capital bem investido por trabalhador.

Portanto, para estimular o desenvolvimento econômico e elevar os salários, necessita-se da acumulação per capita d’um volume cada vez maior de bens de equipamento bem investidos. Se perseguem capitalistas e tributam o capital é, bloqueiam essa acumulação às custas da produtividade do trabalho e, em última análise, dos salários.

As reformas mencionadas visam incentivar a eficiência dinâmica das economias e promover um ambiente de recuperação rápida da confiança empresarial. Mas também que empreendedores detectem erros de investimento cometidos na fase de bolha e transfiram maciçamente os fatores produtivos desses projetos para investimentos sustentáveis.

Certamente, o Estado não descobrirá os novos projetos de investimento sustentáveis, nem por ministérios, tampouco por autoridades públicas ou especialistas. Mas só por um exército de empreendedores motivados, num contexto no qual recuperaram sua confiança.

O Contrário das Reformas: Análise da Escola Austríaca

Portanto, precisamos d’um ambiente favorável ao mundo do empreendedorismo e da economia livre, um ambiente em que os impostos sejam baixos e nunca expropriatórios, e em que valha a pena para os empreendedores aceitarem a incerteza na busca contínua e na realização de projetos de investimento lucrativos.

O que acontece quando, em vez de incentivar as reformas estruturais, nenhuma é implementada? Ou seja, quando a economia permanece rígida e há reações como no caso do Japão? Injeção maciça de moeda, redução das taxas de juros a zero e aumento nos gastos públicos? Nesse caso, produz-se dois efeitos muito importantes.

Primeiro, uma política monetária ultrafrouxa é autodestrutiva; n’outras palavras, impede de atingir seu objetivo pretendido. Portanto, não consegue produzir quaisquer dos resultados esperados (por razões que consideraremos em breve). Segundo, política monetária ultrafrouxa atua como droga, bloqueando qualquer potencial incentivo institucional e político para lançar, apoiar e concluir as reformas estruturais necessárias. Sendo assim, tratam-se dos dois efeitos mais importantes.

A política monetária ultrafrouxa autodestrutiva não atinge seus objetivos e, ao mesmo tempo, bloqueia quase automaticamente qualquer incentivo para implementar reformas estruturais na direção certa. Todavia, como veremos, afeta-nos diretamente na Europa, especialmente se lembrarmo-nos da política monetária adotada pelo Banco Central Europeu.

Mais Efeitos da Política Monetária Ultrafouxa

Há várias razões pelas quais a política monetária ultrafrouxa é contraproducente, como explica a Escola Austríaca. Para começar, se forçar a taxa de juros a cair para quase zero, praticamente elimina o custo de oportunidade de manter saldos em caixa. Ou seja, numa economia normal, na qual as taxas de juros mantém-se entre 2% e 4%, manter dinheiro em caixa envolve esse custo de oportunidade. Se você não investir o dinheiro, não receberá essa taxa de juros.

Mas se bancos centrais reduzirem artificialmente a taxa de juros para zero, o custo de manter esse dinheiro em caixa no seu bolso é zero em termos de juros. Assim sendo, explica por que políticas monetárias ultrafrouxas sempre acompanham pari passu um aumento na demanda por moeda.

N’outras palavras, as pessoas mantêm em seus bolsos grande parte do dinheiro injetado. Acima de tudo, se não realizarem reformas estruturais, a economia permanecerá altamente rígida, alimentando assim incerteza considerável sobre o futuro. De fato, uma das principais razões para manter saldos em caixa é justamente a capacidade de lidar e responder a qualquer evento inesperado. Ademais, o desejo de lidar com as incertezas futuras é dos principais motivos pelos quais demandamos dinheiro.

Logo, essas circunstâncias de grande incerteza, economia rígida e altamente controlada, inundada de dinheiro injetado, onde o custo de oportunidade de manter saldos em caixa é zero, sem dúvida a coisa mais sensata a fazer é manter sua liquidez.

Histórico de Crises

A isso, devemos acrescentar que a maioria dos empreendedores continua cautelosa e temerosa, devido ao ocorrido na última crise financeira e econômica, quando perderam muito. Por conseguinte, veem que a economia mantém-se altamente controlada, e praticamente impossível dar um único passo sem pedir permissão às autoridades. Também, há muitas dificuldades burocráticas e trabalhistas, e assim por diante.

Além disso, os empreendedores têm plena consciência de que se, apesar de tudo, acertarem o alvo e forem bem-sucedidos, o Estado ficará com mais da metade dos lucros que auferirem. Por meio de vários impostos, como imposto de renda e sobre a riqueza. Portanto, nessas condições, entendemos que a grande tentação dos empreendedores é jogar a toalha e evitar problemas.

“¡Que invierta su puta madre!” [Que algum outro idiota invista!]. Como esse sentimento tão graficamente expresso nas camisetas que meus alunos criaram e distribuem com tanto sucesso pelo campus da universidade.

Escola Austríaca: A Ação Humana

Devemos ter em mente que todas as ações econômicas são incrementais e, na margem, milhares de passos introdutórios que dariam, buscando projetos empreendedores sustentáveis ​​na direção certa e lançá-los, não ocorrem (nota do editor: na Escola Austríaca, Mises define a economia como Ciência da Ação Humana).

Todavia, explica a diferença entre uma economia que começa a recuperar-se de forma sustentável, embora talvez com grande dificuldade, como no caso dos EUA. E uma economia que permanece indefinidamente letárgica ou em recessão, como no caso do Japão.

No entanto, bancos centrais vendem-nos a ideia de que a solução é injetar grandes quantias de dinheiro e reduzir as taxas de juros a zero. Para que o sistema bancário conceda empréstimos (viáveis ​​ou não) e pessoas sintam-se inspiradas a solicitá-los. Contudo, para os banqueiros evitarem erros e emprestarem sabiamente (não às pessoas erradas), todo tipos de precauções, inspeções e novas regulamentações bancárias (Basileia I, II e III) estabelecem. Assim como requisitos de capital cada vez maiores etc. E no final, o que acontece?

Bem, o sistema bancário é incapaz de emprestar o dinheiro que praticamente lhe é dado. Porque os empreendedores comuns, como um grupo, permanecem cautelosos num ambiente de grande incerteza e desconfiança. Portanto, devolvem seus empréstimos antigos mais rápido do que solicitam novos. Causando contração monetária adicional que, em grande parte, bloqueia, compensa e esteriliza os efeitos esperados da injeção de dinheiro.

Portanto, as injeções monetárias sempre são autodestrutivas; não alcançam seus objetivos; bloqueiam e paralisam a recuperação; e nunca aumentam a prosperidade.

Juros Negativos

Finalmente, chegamos ao ponto máximo do ultraje: taxas de juros negativas. Numa economia de mercado natural e descontrolada, as taxas de juros jamais serão negativas. Por exemplo, se emprestar-lhe mil euros e, ao final d’um ano, devolver apenas 990 –, obviamente, incentiva as pessoas a nada fazerem e evitarem investir. Motiva as pessoas a deixar o dinheiro no bolso e, um ano depois, pagar exatamente 990 euros e ganhar dez euros sem fazer nada e sem ter que assumir qualquer risco empresarial ou suportar o assédio e a incompreensão dos burocratas.

Se, como empreendedor, não medir problemas, investir e as coisas correrem mal, posso não conseguir devolver nem os 990 euros. Aliás, se ganhar alguma coisa, metade disso será tirado, autoridades públicas virão atrás de mim e os sindicatos tornarão minha vida miserável. Em contraste, com taxas de juros negativas, a melhor coisa a fazer é pedir empréstimos indefinidamente. Depois esperar, não fazer coisa alguma, e pagar menos do que o valor emprestado, ficando com a diferença e lucro garantido sem assumir nenhum risco. Portanto, em termos conceituais da Escola Austríaca, taxa de juros negativa leva diretamente à inação, à letargia e à japonização da economia.

Além disso, a política monetária aberrante de taxas de juros negativas tem outro efeito colateral muito prejudicial: política usada para financiar automaticamente o déficit público. Ou seja, sem custo e sem limites, bloqueando assim os poucos incentivos restantes para que os governos implementem uma reforma estrutural.

Outro Lado da Taxa de Juros Negativa

Contrastando, tal política monetária incentiva as autoridades a aumentar políticas de subsídios e compra de votos, inevitavelmente afundando nossas sociedades em demagogia e populismo. De fato, temos uma ilustração cristalina do que estou falando: em nosso próprio país, a Espanha, e no resto da Europa. Pois praticamente no mesmo dia que o Banco Central Europeu introduziu a flexibilização quantitativa em 2015, as reformas foram paralisadas.

Enquanto isso, os países que mais precisavam delas e estavam prestes a adotá-las, mas ainda não fizeram, as arquivaram indefinidamente. Portanto, políticas de manipulação monetária não alcançam nenhum de seus objetivos; são autodestrutivas; e bloqueiam a única coisa que poderia tirar o país de sua letargia. Ou seja, as reformas estruturais e a liberalização econômica.

E agora, o golpe final

Atordoados e desconcertados, os banqueiros centrais percebem que não alcançam quaisquer de seus objetivos e simplesmente transformam suas economias em drogadas. Pois à menor menção de retirada dos estímulos, as economias afundam em recessão. E como tais autoridades não veem saída para esse círculo vicioso que criaram, só ocorre-lhes recomendar a adoção d’uma política fiscal envolvendo aumentos vigorosos nos gastos públicos. Muito pior! Porque distorce mais a economia real alocando número crescente de fatores produtivos em projetos dependentes do governo e sem sustentabilidade maior que mera decisão política.

Por exemplo, na Espanha, o emprego aumentou principalmente devido ao setor público e projetos relacionados. Conquanto, no caso do Japão, a projetos relacionados aos Jogos Olímpicos de 2020. No entanto, o crescente volume de empregos no setor público não é sustentável, e sua existência contínua não apoia-se nos consumidores. Sendo assim, dependerá exclusivamente da decisão futura dos políticos de manter ou não esses gastos. Mais uma vez, tais políticas fiscais preparam mais o terreno (se isso for possível) ao desenvolvimento da doença econômica japonesa.

Terceira parte da tradução da palestra inaugural proferida no XII Congresso de Economia Austríaca, organizado pelo Instituto Juan de Mariana e pela Universidade Rey Juan Carlos. Mas realizado no campus de Vicálvaro desta última, nos dias 14 e 15 de maio de 2019. Traduzido por Roberto Lacerda Barricelli. Título original “La Japonización de la Unión Europea“, disponível no site do professor Jesús Huerta de Soto.



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