Se as famílias não têm a competência necessária para uma boa educação literária de suas crianças e adolescentes, espera-se que nas escolas ocorram boas indicações de Literatura, pois disto depende o escrever e ler bem, e a formação mais importante do imaginário… Mas ambos estão fracassando
As Famílias têm o dever de educar, prover e proteger suas crianças e adolescentes, para o bom desenvolvimento moral, intelectual, emocional e físico. É o mínimo que espera-se numa sociedade saudável. Contudo, podemos chamar assim à sociedade brasileira? Há gerações as famílias têm entregue não só o ensino, mas a educação total de seus filhos às escolas, colocando todo peso dessa responsabilidade sob os ombros dos professores, gestores escolares e até do “pessoal da biblioteca”, das “tias do corredor” e da “tia da cantina”. Logo, não surpreende o fracasso do ensino e da educação e o desgosto pela literatura no país.
A Família Ignorante
Nada mais ‘tradicional’ nestes tempos do que a Família Ignorante brasileira. Que ignora as necessidades reais de seus membros mais vulneráveis, substituindo por idealismos infantis, mas que prometem a total satisfação pessoal e o amor incondicional, sem merecimento ou esforço, sem frustrações ou dificuldades. É a geração de pais que só dizem “Sim”, para evitar birras, gritinhos e manhas, ou pelo medo histérico de ‘perder o amor dos filhos’; a virtude da fortaleza sumiu, foi amputada de suas almas. No lugar, próteses forjadas no hedonismo, no egoísmo, no narcisismo, na preguiça, na vaidade e no destempero emocional.
“Entregue seus filhos e será feliz!”. Eis a promessa maior. Deixe que outrem crie seus filhos, netos, sobrinhos, enteados etc. Você tem o direito a cuidar de si – e só de si, diga-se de passagem. Transfira sua autoridade ao Estado, e deposite suas responsabilidades nos ombros de professores, coordenadores, diretores e tutti quanti forem trabalhadores escolares. Coloquemos 40, 50, até 60 crianças ou adolescentes numa sala de aula, e o professor mal pago, castrado em sua autoridade e num ambiente violento, inóspito, sem condições adequadas, que se vire. Depois, reclame da falta de limites, da doutrinação, da gravidez na adolescência, da baixa qualidade escolas, do ensino de péssima qualidade…
Ignore seus filhos! Ignore aquelas necessidades inescapáveis, como a formação da personalidade, do imaginário moral, da memória, da capacidade intelectual, principalmente, do desenvolvimento das virtudes; o movimento mais importante. Se confrontado, culpe ‘o sistema’, as ‘leis patriarcais’, a ‘desigualdade’, a ‘doutrinação’, o outro, os outros… Como Avestruz, enfie a cabeça num buraco no chão. E permaneça ignorante, baseando suas convicções, seu conhecimento da realidade, nas sombras nas paredes da Caverna.
A Escola não-Escola
Há doutrinação? Sim, e isso está largamente documentado, principalmente pelo movimento Escola Sem Partido, encabeçado pelo Dr. Miguel Nagib. Há mau desempenho? Sim, e todos os exames e testes, como o PISA, confirmam. Há violência? Sim, e qualquer indivíduo honesto que pesquise a quantidade de casos de agressões físicas, estupros, esfaqueamentos, roubos, furtos, homicídios dentro de escolas, principalmente públicas (estatais), confirmará. Falta insumos, condições estruturais, segurança, higiene etc. etc.? Sim, é evidente! Mas de quem é a culpa? Só dos governos, governantes, corrupção, ‘sistema’?
Enviam os filhos para se livrarem do ‘fardo’ da educação, criação, repreensão, amar, vigiar e dedicar tempo. Portanto, o que esperam? Pior! Aplaudem quando políticos fingem combater um problema como o uso excessivo de telas proibindo o uso de celulares e outros eletrônicos nas escolas. Aplaudem mais uma ação de terceiros decidindo sobre a educação de seus filhos; entrando em suas casas e ditando como devem educá-los. E a escola? De bom grado, aceita e aplaude em dobro, pois é menos um problema para os professores arriscarem as vidas tentando resolver dentro das salas.
Quem também agradece? Os que doutrinam, que usam da posição e da audiência cativas dos alunos para promover ideologias, alienação parental e educar as crianças e adolescentes na contramão do que é belo, bom e correto; no contrário das crenças e valores remanescentes em suas famílias. A não-Escola comemora em peso, aos gritos de vitória!
E a Literatura?
Confesso que escrevo imbuído num espírito de revolta! Pois verifico o que passam aos meus filhos, ou deixam de passar. É assustador. Quando se trata de literatura, é aterrador. Minha revolta chegou ao ápice, obrigando-me a escrever, após o último acontecimento acerca do tema, em minha vida. Logo com um amante dos bons livros, dos clássicos, da alta literatura.
Recentemente, levei minha filha e duas amigas à Bienal do Livro de Fortaleza, Ceará. Qual a minha surpresa ao ver que a maioria dos presentes eram jovens em idade escolar, demonstrando grande interesse pelos produtos? Qual a minha tristeza, ao perceber o nível de consumo e, pior, de conhecimento do que se estava consumindo? As lojas de mangás e quadrinhos transbordavam, eu mesmo comprei para minha menina, pois há material de qualidade, mas o consumo unicamente dessas publicações não é recomendável.
Nem ela, nem as amigas, conheciam Jane Austen, Charles Dickens, Shakespeare, Ariano Suassuna, Camões, Homero, Cervantes, Dostoievski, Tolstoy, Dante, Flaubert, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Nelson Rodrigues, Monteiro Lobato… Perguntei sobre Rachel de Queiroz: “Ah! É o nome da praça perto de casa”. José de Alencar? “É de comer?” Como gostam muito dos gêneros terror e horror, questionei sobre Álvares de Azevedo, H. P. Lovecraft e Edgar Alan Poe… Silêncio! Total silêncio.
E quanto à escola?
Indicou uma quantidade de porcarias tais, que me recuso a mencionar e dar a minúscula publicidade de que este artigo é capaz. Ah! Apresentaram “Dom Casmurro” e agora apresentarão a “Odisseia”, mas em quadrinhos, mui resumidos. Diria que esquartejados. Minha filha reclamou do quão resumido, portanto, sem sentido, sem uma sequência decente, são esses quadrinhos. Ao menos me pediu O Mágico de Oz, Drácula, Alice no País das Maravilhas, e a coleção completa das Crônicas de Nárnia. Mas não os conheceu por causa da escola, só por mim. Nenhuma menção nas aulas de literatura.
O interesse do Jovem na Literatura
Assim como é fácil jogar nos outros as responsabilidades pelas consequências da desatenção na educação dos filhos, é culpar abstrações. Não leem porque acham chato! Esses autores são velhos, e jovens querem ‘coisas novas’. Quão cegos, mesquinhos e ignorantes são? Ou melhor, gostar de ser. Pois clássicos são imortais, eternos, para todas a gerações.
Claro, entregar Triste Fim de Policarpo Quaresma para a leitura d’uma criança de 7 anos, ou esperar que uma menina de 10 anos se deleite em O Guarani, é fazer por onde promover o desgosto à leitura. Contudo, iniciar os jovens nos clássicos não é um trabalho hercúleo. Desprovendo-se de ideologia, respeitando as diferenças que o sexo, a idade e mesmo os exemplos do entorno exercem sobre esses pequenos indivíduos, não será problema para os professores, tampouco para as Famílias.
Aliás, é no seio familiar que deve começar o gosto pela leitura. Minha mãe lia até bula de remédio, e desde Caras até O Morro dos Ventos Uivantes. Eu, desde pequeno, amo a leitura. Desaparecia nas visitas ao Shopping, e quando minha mãe dava pelo meu sumiço, corria à livraria. Lá estava eu! Ela que conta, pois devia ter meus 4 anos e não lembro. Outros precisam de mais estímulos, e ver seus pais lendo, principalmente quando estes fazem o pequeno esforço de pesquisar boas leituras, é fundamental. Ou você indica boas leituras aos seus filhos, ou podem acabar com algum manual de guerrilha urbana, manifesto de malucos ou cartilha de depravações em mãos.
Mas voltando…
Ainda na bienal, comecei a falar sobre alguns livros que encontrávamos. Mostrei alguns de Sir Arthur Conan Doyle, vários de Jane Austen e Dostoievski, e outros de Lovecraft, Poe e Flaubert. Com a Graça de Deus, exerci certa influência e levaram um Sherlock, colocaram do Pai do Terror e do Pai do Horror na lista de favoritos da Amazon, e uma das meninas quer ler Crime e Castigo.
Todavia, a cena principal foi externa. Tentei convencê-las a lerem Mansfield Park, Magnum opus de Jane Austen – pois Orgulho e Preconceito é o mais conhecido, não o melhor -, e obtive sucesso com outrem. Uma menina que estava em excursão escolar, na altura d’uns 14 anos, ouviu minha resenha e pediu para levar o exemplar que eu tinha em mãos. Cedi prontamente. Ao reparar que separava alguns títulos (a maioria bons) para comprar, vi quando mostrou Mansfield Park ao amigo e disse “Este com certeza!”. Portanto, afirmo: os jovens gostam de ler, mas esse gosto é ferido no seio familiar e assassinado dentro das escolas. Não foi a primeira prova que tive, só a mais recente, d’entre as melhores.
Também levanta outro ponto há muito esquecido: precisamos ler aos nossos filhos, enquanto não sabem ler.
O Despertar das Almas à Literatura
Abrir bons livros e encantá-los com as aventuras de Tom Sawyer, e de Huckleberry Finn, da Viagem ao Centro da Terra às Vinte Mil Léguas Submarinas, de Um Conto de Natal à Oliver Twist, de Era uma Vez… à Jeca Tatuzinho, e A Menina do Nariz Arrebitado, das Fábulas de Esopo, e as de La Fontaine, aos Contos dos Irmãos Grimm. Ora, como esquecer de Moby Dick, Robinson Crusoé, O Pequeno Príncipe, Alice no País das Maravilhas, O Mágico de Oz, Os Doze Trabalhos de Hércules e tantos outros.
Afinal, como querer que criem gosto pela leitura, e deixem a imaginação trabalhar e os deleitar durante a leitura d’uma obra imortal, ou ‘dum bom entretenimento, se não os deleitamos ainda pequeninos com nossas leituras, imitações dos personagens, interações com o ‘público’ etc.? É necessário despertar em suas almas a vontade de adentrar no mundo espetacular a alta literatura, não por afetações estéticas, poses soberbas e narrações de fazer o boi da cara preta dormir, mas pelo nosso esforço em fazê-los ver, reagir, se emocionar e pedir “Papai/Mamãe, só mais uma estória”.
Podes continuar ignorando, fazer cara feia, sentir alguma afetaçãozinha pueril e dar pulinhos e gritinhos. Mas a formação do imaginário dos pequeninos é essencial à educação, ao ensino e à Civilização. Depois, não reclame dos outros. A culpa primeira é de quem negligencia seus deveres, faz careta para a verdade e segue a lei do mínimo esforço. Na pior das hipóteses, se as escolhas futuras dos seus filhos, netos etc., os levarem aos maus caminhos, não terá que se perguntar: “onde foi que eu errei?”.