Cerco de Bizâncio: um Forte Chamado para a Cruz

A condenação das cruzadas interessa aos revolucionários e militantes apegados ao anacronismo moral e ignorando deliberadamente a situação de Bizâncio

Distorceram tanto poucos eventos históricos quanto as Cruzadas. Condenadas por anacronismo moral e julgadas sob lentes modernas, frequentemente apresentam essas campanhas militares como surtos de fanatismo gratuito. Ademais, como se uma massa de cavaleiros sedentos por sangue cruzasse o mar apenas para satisfazer impulsos bárbaros. Mas a realidade, como sempre, é mais complexa — e infinitamente mais dramática. As Cruzadas não emergiram do nada. Mas em resposta a um clamor angustiado, um chamado de socorro lançado por um império milenar à beira do abismo. Reduzi-las a um ataque injustificado é ignorar deliberadamente o desespero de Bizâncio e a gravidade das ameaças que já corroíam suas fronteiras por todos os lados.

O Grito de Bizâncio

Antes de empunharem a cruz, os cavaleiros do Ocidente ouviram um grito que não poderiam ignorado. O Império Bizantino, herdeiro do mundo antigo e guardião do cristianismo oriental, assediado por potências que não lhe davam trégua. Pois havia turcos ao leste, normandos ao sul, bárbaros ao norte. Mas todos pressionando um império que cambaleava sob o peso da corrupção interna, da decadência militar e da divisão religiosa.

Este texto percorre esse cenário de ruína e cerco, revelando por que a intervenção ocidental não apenas era legítima, mas necessária. Porque os cruzados, longe de invasores ocasionais, cumpriram um papel histórico impossível de desempenhar aos próprios bizantinos.

Chegado o alvorecer do segundo milênio, Constantinopla, adornada por cúpulas douradas e mosaicos resplandecentes, era a fachada gloriosa de uma estrutura corroída. O Império, que em séculos anteriores impusera temor a reinos bárbaros, encontrava-se cercado por forças externas hostis e paralisado por disputas internas. Treze imperadores se sucederam em quatro décadas. Porém, todos vítimas de conspirações palacianas, golpes militares e uma aristocracia insaciável.

Essa sucessão frenética arrastou o império a um estado de anarquia feudal. No qual magnatas militares disputavam províncias como se fossem espólios pessoais. Em vez de escudos, o palácio empregava filósofos; em vez de espadas, eunucos. Mas essa escolha cobraria seu preço em sangue.

Posição de Fragilidade e Ascensão de Ameaças

A maior demonstração dessa fragilidade ocorreu na catastrófica batalha de Mantzikert, em 1071. O imperador Romano IV Diógenes, capturado, viu seu exército traído por contingentes bárbaros e mercenários. Entretanto, entregou aos turcos seljúcidas não apenas uma vitória militar, mas a própria Ásia Menor. Tomaram o solo onde Bizâncio nascera, e a cidade de Nicéia, tão próxima de Constantinopla, tornou-se capital do novo sultanato islâmico. Essa perda não era simbólica. Mas o colapso do coração geográfico e espiritual do Império; a autoridade imperial já não se sustentava na força, porém, apenas na memória.

Enquanto isso, ao sul e a oeste, emergia outro pesadelo: os normandos. Vindos das brumas do norte, transformaram-se em cavaleiros implacáveis que venderam a espada ao melhor ofertante. Sendo assim, a Península Itálica, dividida e vulnerável, ofereceu-lhes o palco perfeito para sua ambição. Os Hauteville — uma família saída dos feudos humildes da Normandia — ergueram, com aço e astúcia, um poder devastador.

Roberto Guiscard, estrategista e homem que parecia saído de uma peça de Wagner, levou adiante um projeto que ultrapassava o banditismo armado. Logo, em 1071, Bari caiu em suas mãos, encerrando o domínio bizantino na Itália. E quando tomou a Sicília dos muçulmanos, um novo polo normando-cristão surgiu nas portas do mundo grego.

Outras Ameaças a Bizâncio

Do norte, vinham ainda os petchenegues e uzos, povos bárbaros que pilhavam a Trácia e desestabilizavam os Bálcãs. Os húngaros, antigos aliados, avançavam sobre territórios bizantinos. Portanto, a muralha de inimigos se fechava, e dentro dela reinavam a desordem, o medo e a traição. Em meio a esse caos, a ruptura religiosa com Roma — formalizada em 1054 — fechou a última via segura de solidariedade.

Um cisma mais que teológico. Com ele, Bizâncio afastou-se do único aliado natural que lhe restava: o Ocidente latino. Ou seja, na ânsia por autonomia espiritual, perdeu a proteção terrena.

Em tal cenário, jamais interpretaríamos o pedido de ajuda feito por Miguel VII ao papa Gregório VII como ato leviano. Era o clamor de um império à beira do colapso, a súplica de quem via a própria fé sucumbindo sob os sabres islâmicos. Aleixo Comneno, que assumiria o trono em 1081, herdou um império em ruínas — e soube reconhecer que a única saída vinha d’além-mar.

Cruzadas

A Primeira Cruzada, convocada anos depois, respondeu diretamente a esse apelo. Assim, cavaleiros francos, lombardos, flamengos e normandos acataram ao chamado da cruz. Mas não para conquistar, e sim para proteger o que ainda era possível salvar.

Julgar os cruzados apenas por seus excessos posteriores é ignorar as raízes de sua missão. Pois convocados pela cruz, armados pela fé, impelidos por um senso de dever que transcendia feudos e fronteiras. Vieram quando o Oriente e Bizâncio já não conseguiram lutar por si. Vieram, e cumpriram seu papel.

Publicado originalmente em História e Tradição.



PARA VOCÊ

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Verified by MonsterInsights