Assista ao vídeo sobre “As Crônicas do Extermínio Indígena” no canal Enciclopédia de História
É certo que o contato dos povos originários das Américas com europeus e africanos provocou perdas de vidas entre os nativos. Mas a causa predominante foi a introdução de patógenos eurasianos e africanos, em populações sem resistência adquirida a varíola, sarampo, varicela e outros agentes infecciosos trazidos nos navios.
Com poucas exceções, os europeus tiveram culpa ao trazer consigo germes, porém, não dolo. Logo, não houve vontade manifesta e consciente de despovoar as Américas pelo contágio deliberado de indivíduos ou grupos naturais desse continente. Nominar a introdução de patógenos como ação de “extermínio” é uma opção política tendente a distorcer o retrato histórico.
E a ‘opressão’?
E a violência? Os maus-tratos? A escravização forçada? Não foram atos intencionais de exterminar as gentes habitantes das Américas?
Ora, o mundo de 1500, na Eurásia, na África, nas Américas, comportava amizades e inimizades entre povos diversos e no interior de cada povo. Comportava cooperação e conflito. O outro, enquanto sociedade, podia ser um parceiro valioso, com quem se cooperava, como podia ser alguém a ser avassalado, posto em posição subalterna. Como, finalmente, podia ser alguém a ser pilhado, expulso da terra e, no limite, eliminado, exterminado.
Nessa última alternativa, a do extermínio, os alvos preferenciais eram os homens, aproveitando-se as mulheres e as crianças, a ser incorporadas à horda, à sociedade atacante. Os casos em que a tentação de dizimar o outro, eliminá-lo completamente, se traduzia em massacre não foram propriamente exceções. Na África e na Eurásia, estão registradas centenas de ações de extermínio de uns povos contra outros, antes e depois de 1500.
Etnocídio
Uma das primeiras sociedades organizadas como Estado expansionista, os romanos antigos, geralmente preferiam o etnocídio. Pois seguiam o exemplo clássico de Alexandre, o Grande, que conquistava para helenizar, colocando o étnico, a cultura, como objetivo essencial da ação militar contra quem resistisse à conquista.
Etnocídio é o ato, deliberado ou não, de impor a outro povo a cultura do atacante, subtraindo a do atacado, por mais que, como pensavam Alexandre e os romanos, fosse o caso de absorver no império aspectos da cultura do conquistado.

No caso da Península Ibérica, nem isso. As culturas locais foram pura e simplesmente substituídas pela romana. Nem se precisou matar muita gente para determinar esse dado exemplar de etnocídio. Portugueses e espanhois modernos se orgulham não de seus ancestrais bárbaros, mas de serem povos romanizados tão próximos quanto possível do modelo romano original.
Se querem herdeiros de Roma, da potência, da técnica, da organização social romanas, cultura admirável e admirada. Portugal e Espanha, a propósito, são uma invenção romana, não um dado anterior, senão genético. Assim como os países que compõem no presente a América são todos invenções europeias.
América: Uma Invenção Europeia
A invenção da América pelos europeus é obra de povos romanizados: espanhois, portugueses, franceses, neerlandeses, ingleses. É o único continente com o nome de um homem, de uma pessoa, um italiano: Américo Vespúcio.

A determinação prévia de evangelizar os índios, os naturais da América, expõe o dolo etnocida, a que correspondeu cooperação ou resistência de parte dos povos objetos da conquista de almas.
As resistências revelaram-se inúteis: o etnocídio foi completo. Tanto, que as tentativas de recolocar culturas nativas no lugar da fé e dos costumes europeus são outra classe de invenção. Contudo, uma invenção muitas vezes de europeus antropólogos no caso.
Etnocídio é uma espécie de extermínio?
A conclusão fica ao gosto do freguês. Ninguém consegue ser neutro ao responder a esse tipo de pergunta. A crônica do extermínio é essencialmente europeia, é parte da invenção da América.
Bartolomé de las Casas, bispo católico sevilhano, tão cedo quanto 1542, descreve seus compatriotas espanhois como lobos, tigres e leões crueis e famintos. Posto que despedaçam, matam, angustiam, afligem, atormentam e destroem de novas e variadas formas as dóceis ovelhas que ele, las Casas, se pôs a evangelizar.

O pungente relato convenceu o imperador Carlos V, o monarca mais poderoso de seu tempo, a editar leis severas de proteção aos indígenas, no que seria imitado sem demora por outros estados, a começar por Portugal. Portanto, os espanhois foram punidos por avassalar, fazer de nativos seus criados. Com os portugueses não se chegou a tanto, fosse porque não se mostrassem tão crueis, fosse porque aqui a lei se fazia cumprir o menos possível.
As Crônicas do Extermínio
Na América do Sul, Antonio Ruiz de Montoya e Antônio Vieira, ambos padres jesuítas e exímios escritores, se destacaram na crônica do extermínio. Ambos também se queixaram a seus respectivos reis, com resultados pouco efetivos. Pois os interesses dos colonizadores, dos mestiços e dos indígenas aliados tinham de ser levados em conta.
Uma Europa progressivamente culpada amplificou as crônicas do extermínio, cedo utilizadas como arma em disputas ideológicas e de religião. Aos espanhois, alvos de antes de uma Leyenda Negra que os apontava brutos, supersticiosos e crueis, se somou a fama de matadores de ameríndios por mero desfastio destruidor.
Portugal se livrou da mesma pecha no mais das vezes por ser vítima do expansionismo espanhol e sustentar sua própria versão de Leyenda Negra apontada aos vizinhos.

Quanto de violência deliberada se obrou, para usar as palavras de las Casas, contra essas dóceis ovelhas? Bem, as ovelhas não eram propriamente dóceis. Não poucos guerreiros nativos saudaram o aporte de armamento europeu como oportunidade de acertar contas com desafetos internos ou de outras etnias americanas.
Logo, os massacres dos iroqueses contra seus inimigos na Guerra dos Castores, na região dos Grande Lagos, no século XVII, não ficam a dever em crueldade ao que os russos começaram então a fazer com dezenas de pobres e infortunados povos caucasianos e siberianos.
As Formas de Escravização
Houve escravização na forma de diferentes modelos de vassalagem. Por sinal, um deles copiado dos incas. Não estavam, os ameríndios, diante de uma novidade nesse caso.
No Brasil, os bandeirantes, de base genética indígena, se notabilizaram por administrar seus vassalos a ponto de mencioná-los em testamentos como bens legados aos sucessores. Era ilegal, mas já se anotou sobre o se cumprir a lei o menos possível por aqui.
Houve deslocamentos forçados, como os chamados descimentos, obras de missionários católicos interessados em reunir os índios para os proteger. E aproveitar sua mão de obra, claro. Todavia, principalmente, desenraizá-los de suas culturas, de seus costumes não condizentes com a doutrina cristã.

Houve massacres. Um deles ocorreu na redução indígena de Napalpí, norte da Argentina, em 19 de abril de 1924, quando 130 homens, da polícia e particulares, metralharam cerca de 400 ameríndios aculturados. O ataque visava punir uma greve deflagrada pelos nativos que trabalhavam na colheita de algodão.
Indianismo nas Crônicas do Extermínio
Desde sua fundação, em 1816, a Argentina se arvora como o mais europeu entre os estados de base europeia das Américas. O indianismo não fez escola lá. Antes fez e faz sucesso no México e no Brasil, quando se decretou que europeus eram os outros; os índios, também.
A relação entre os estados europeus e os ameríndios é mais unívoca do que essa fantasia mestiça. Portugal, Espanha, França, Holanda e Inglaterra tinham os nativos da América como súditos, passando a cidadãos ou quase posteriormente.
Eximiram-se do dolo. Não endossaram extermínios, nem mesmo avassalamento, como política de Estado. Não se eximem da culpa, que é objetiva, insofismável. O que colonizadores particulares, mestiços e os próprios indígenas fizeram dos nativos é da conta dolosa deles.

Se quiseram exterminar os povos originários da Ásia estabelecidos nas Américas há uns 14 milênios, é evidente que não conseguiram. Sendo assim,há os remanescentes e significativa prevalência genética ameríndia nas populações atuais.
Entretanto, os Mexicanos e peruanos do século XXI têm como base genética majoritária a nativa desses países, que, no entanto, são tão criações europeias quanto os demais do continente. O etnocídio foi completo. Isso é extermínio?
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