O governo Trump retorna aos EUA prometendo encerrar os conflitos, precisando mudar a postura estratégica americana no principal cenário da geopolítica atual
A guerra na Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022 pela invasão russa, continua a representar o principal campo de batalha geopolítico nesta conjuntura histórica. Após mais de três anos de conflito, as linhas de frente consolidaram-se num equilíbrio precário, marcado por tensões militares e diplomáticas. Neste contexto, a política externa dos EUA demonstrou uma clara mudança de ritmo ao longo deste ano. Pois o governo Trump regressou à Casa Branca com a promessa de pôr fim aos “conflitos sem fim”. Assim como restabelecer uma supremacia pragmática americana na geopolítica, mudando a postura em relação a Moscovo e Kiev.
O recente cancelamento do encontro planeado em Budapeste entre Donald Trump e Vladimir Putin é emblemático desta nova fase. Ademais, não trata-se somente de uma decisão tática. Mas um sinal político que evidencia o desejo de Washington de não dar à Rússia espaço para manobras diplomáticas sem resultados concretos. A declaração de Trump de que não “perderá tempo” em negociações infrutíferas, personifica crescente impaciência em relação a um parceiro percebido como resistente a compromissos.
Da Diplomacia Pessoal à Realpolitik
No passado, Trump expressou repetidamente a crença de que seu relacionamento pessoal com Putin facilitaria um acordo rápido para cessar as hostilidades. No entanto, essa estratégia baseada na diplomacia individual, colidiu com a rigidez das posições da Rússia. Assim como a complexidade d’um conflito que transcende a dimensão bilateral.
A evolução dos últimos meses demonstra uma mudança da abordagem informal e pessoal para uma mais estruturada. Visando reintroduzir a mediação institucional e o envolvimento de aliados. A decisão de adiar a cúpula de Budapeste ocorre após um período de tensão diplomática. E que culminou na conversa telefônica fracassada entre o Secretário de Estado Marco Rubio e o Ministro das Relações Exteriores russo Sergey Lavrov.
Portanto, a intransigência de Moscou, rejeitando um cessar-fogo imediato, convenceu a Casa Branca, sob Trump, da necessidade de postura mais cautelosa. Entretanto, essa mudança não implica o abandono do objetivo da mediação. Mas, sim, a redefinição do prazo e das condições para alcançá-lo.
Implicações para a Europa e Alívio para os Parceiros Ocidentais
O cancelamento da cúpula gerou alívio entre os principais líderes europeus. França, Alemanha e Reino Unido temiam que uma reunião apressada legitimasse as posições russas. Ou exerceria pressão indevida sobre a Ucrânia para aceitar concessões territoriais.
Bruxelas rejeitou por unanimidade a perspectiva d’um acordo que implicaria a perda permanente de parte de Donbass ou da Crimeia. Sendo assim, a UE continua a apoiar a linha de integridade territorial ucraniana. Esse alinhamento europeu também reflete a liderança renovada da União em relação à gestão de crises.
A Europa, apesar de depender do apoio militar dos EUA, busca fortalecer sua autonomia estratégica. Coordenando a alocação de ativos russos congelados para financiar a defesa ucraniana. Essa escolha, juridicamente controversa, representa uma tentativa de traduzir a solidariedade política em instrumentos concretos de dissuasão. Ao mesmo tempo, os países do Leste Europeu – historicamente mais alinhados a Washington – monitoram de perto as oscilações da política americana.
Polônia, Romênia e os países bálticos, fortemente dependentes da proteção da OTAN, temem que a cautela excessiva de Trump fomente uma “paz congelada”. Isto é, que deixaria à Rússia espaço para futuras agressões.
O Equilíbrio Interno da OTAN e o Fator Trump
O retorno de Donald Trump à liderança da América reabriu o debate sobre a direção da Aliança Atlântica. Nos últimos meses, o residente da Casa Branca reiterou a necessidade dos aliados europeus aumentarem seus gastos militares. Mas também expressou posições ambíguas sobre a natureza do compromisso dos EUA com a Europa Oriental.
O encontro planejado com o Secretário-Geral da OTAN, Mark Rutte, visa reafirmar a coesão da Aliança. Contudo, não esconde as tensões internas. Os Estados-membros mais próximos das posições de Trump parecem mais inclinados a apoiar uma solução negociada rápida. Em contraste, os governos de Paris e Berlim mantêm uma postura mais rígida. Pois temem que um compromisso prematuro enfraqueça a ordem internacional baseada no respeito às fronteiras.
Essa divergência de opiniões destaca o papel ambivalente da União Europeia. Porém, dividida entre a necessidade de unidade e a pluralidade de suas políticas nacionais. Olhando ao futuro, a capacidade da UE de falar a uma só voz dependerá da capacidade de coordenar com Washington. Entretanto sem parecer subserviente às vacilações políticas dos EUA.
Ucrânia entre a Pressão e a Resistência Diplomática
Enquanto a diplomacia internacional busca um novo equilíbrio, a Ucrânia continua a perseguir uma estratégia de resistência armada e negociação. O presidente Volodymyr Zelensky, embora ciente dos limites da contraofensiva, insiste na necessidade de manter a pressão militar e diplomática sobre a Rússia.
Seus pedidos de armamento avançado, como mísseis Tomahawk, refletem sua crença de que somente o apoio contínuo e qualificado do Ocidente levará ao cessar-fogo estável e não punitivo. Todavia, a Casa Branca demonstra cautela: sua hesitação em fornecer sistemas de armas de longo alcance indica desejo de evitar escalada direta com Moscou.
No entanto, essa cautela arrisca-se ser interpretada como sinal de fadiga estratégica. Logo, alimentando a percepção entre os parceiros europeus de que os EUA oscilam entre seu papel de garantidor da segurança e de negociador impaciente.
Rumo a uma Nova Arquitetura de Segurança Ocidental
O momento atual marca uma fase de transição para a liderança americana no contexto euro-atlântico. A estratégia de Trump, combinando retórica e cautela operacional, visa reafirmar o papel central de Washington na tomada de decisões. Mas também de redistribuir o ônus e responsabilidades entre os aliados. Se consolidada, tam abordagem pragmática levará à redefinição da OTAN como aliança mais flexível. Ou seja, baseada na cooperação modular ao invés de compromissos automáticos.
Nesse cenário, a União Europeia é chamada a desempenhar um papel complementar. Construindo sua própria capacidade de dissuasão e coordenando iniciativas de reconstrução e segurança no pós-guerra.
O futuro da Ucrânia, e a estabilidade do continente, dependerá da capacidade dos EUA e da Europa de superar diferenças táticas. Assim como de desenvolver visão compartilhada de segurança continental.
Publicado originalmente no The Conservative Online, intitulado “The United States’ New Strategic Posture in the Russian-Ukrainian Crisis“. Traduzido por Roberto Lacerda Barricelli.
