A Metafísica do Flerte

O flerte consiste em, através de sinais, manifestar interesse romântico numa pessoa. Porém, consiste em dizer algo para significar outro algo. Para quem precisa de um exemplo, pode-se tomar gatos, pois um miado pode variar de significado com base no tom e no ritmo dado pelo felino

Evidente que, como o QI médio dos brasileiros anda baixo, a maioria anda incapaz de perceber um flerte. E a quantidade dos capazes de realizar é significativamente menor. O resultado são os aumentos de assédios, porque as pessoas acabam se tornando mais diretas. O flerte, por ser indireto, serve para evitar constrangimentos. Porém, também evita acusações.

E isso é muito pior do que parece. Pois, antigamente, as pessoas podiam olhar para o dedo anelar ao serem simpáticas e saberem se a pessoa é flertável ou não. Hoje, isso muitas vezes não acontece.

Para os que não sabem, assim como nem toda simpatia é flerte, nem todo flerte começa com uma simpatia.

Segurança Jurídica

Outro problema para a questão do flerte é a segurança jurídica. Ou seja, de que fazer algo X é considerado somente um flerte e não um assédio. Porém, a pior insegurança jurídica é quando a pessoa sequer percebe como flerte.

O episódio 14 de Sousou no Frieren mostra nada mais nada menos que um absurdo desse tipo de cegueira. Outra cena é Maomao usando um prendedor de cabelo que recebeu de presente de um rapaz e não percebendo o que as outras mulheres entendem que aquilo significa.

Em geral, homens e mulheres flertam de maneiras diferentes. Por isso os pais precisam ajudar os filhos e filhas a perceberem isso. Porém, quando até os pais são cegos, é porque está-se numa situação complicada.

O flerte é uma linguagem e, como tal, é uma questão de intenção. Não se trata de uma linguagem de insegurança, embora possa advir desta. Trata-se de uma linguagem que é conatural para os apaixonados.

Todo apaixonado tende ao flerte porque ele também pensa que a mera simpatia é um flerte.

Dito isso, não significa que o flerte não guarde dubiedade.

Dubiedade e sedutores

Exatamente porque o flerte guarda dubiedade que qualquer pessoa pode afirmar que não estava flertando, ao mesmo tempo em que pode afirmar que estava. A linguagem dúbia serve para isso.

E, apesar de ser uma linguagem conatural aos apaixonados, ela pode ser aprendida. Porém, é como se diz no filme Leo (sim, o nome do filme é só “Leo”), ninguém consegue fingir 24 horas por dia, 7 dias por semana, 12 meses ao ano, por todos os anos da vida. Uma hora a pessoa deixa escapar.

E, não raro, na linguagem do flerte, o “deixar escapar” é que está apaixonado. Os limites, contudo, tendem a ser bem mais razoáveis do que os retratados em Kaguya-sama: Love is War.

Apesar da dubiedade comunicativa, exatamente pela clareza intencional, o flerte tende a se desenvolver em algo sério. Nalgum momento, ele fica insuportável.

Sedutores usam do flerte para enganar. Apaixonados para vencer o constrangimento (quem nunca ficou constrangido de paixão não sabe o que é, realmente, apaixonar-se).

Por isso, o flerte é “eu te odeio” que significa “eu te amo”. E ele pode ser dito com raiva. É um fingir que não olha, para olhar com o canto do olho. É negar um presente porque se quer algo mais que o presente.

Onde isso vira um texto de Teologia

Talvez o problema central dos tradicionalistas é não perceberem que alguma dubiedade faz parte da vida. Isso é válido especialmente para os solteiros eternos.

Porém, o fato de que um texto seja dúbio não implica que a intenção dele não seja clara. E, quando se é dúbio demais, é porque a intenção é ser dúbio. A dubiedade enquanto intenção não é a lógica do flerte. No flerte, a dubiedade é a forma de manifestar uma intenção.

A questão é mais profunda, contudo, é outra “tradicionalista” pode se referir a mais coisas do que muitos pensam. Por exemplo, chamar um bispo de “bispo de branco” é significar que ele é Papa, pois a cor dos bispos é violeta.

Evidente que a expressão, literalmente, pode ser dita para falar que se trata de alguém “puro” ou “santo”, e não de um Papa. Porém, não se pode negar uma dubiedade na expressão.

Foi se aproveitando da dubiedade do termo “tradição” que os alunos de Guénon se infiltraram nos ramos católicos. Para os católicos, ser “tradicionalista” é seguir a Tradição da Igreja Católica. Para os guenonianos, é seguir a Tradição Primordial, ou Tradição Adâmica (se alguém preferir uma expressão do de Maistre).

E, se é possível eu dizer “eu te amo” com as palavras “eu te odeio”. O contrário também é válido. De modo que muitos que defendem uma tradição são inimigos da Tradição.

De volta ao flerte

Por que flertar e não ser direto? A primeira resposta é porque se trata de algo divertido. Casais flertam porque eles se divertem com o flerte que, ao fim, torna-se uma linguagem secreta (que é sinal da fidelidade entre ambos).

Porém, essa não é a resposta mais importante. A resposta mais importante é porque o matrimônio é um processo de amar e ser amado.

Apaixonar-se por alguém pode ser relativamente fácil (sanguíneos que o digam). Porém, uma paixão mútua sem sedução é algo raro. O exercício do flerte é para descobrir exatamente se a paixão é mútua e não para atiçar a paixão no outro.

E há poucas coisas mais intensas do que descobrir-se apaixonado por alguém reciprocamente. Porém, ao contrário do que muitos pensam, é mais raro do que acontece e, em geral, confunde-se “atração”, “encantamento” e “admiração” com “paixão”.

Por isso a dubiedade importa: a pessoa apaixonada irá suspeitar da segunda intenção, porque ela está apaixonada. E a suspeita, nalgum momento (às vezes num acesso de ciúme) transforma-se numa certeza.

Para os que entendem o Gênesis é fácil entender o flerte. Pois sabem que o gesto pode ter sido comer uma maçã, mas não é isso que está em jogo. De forma análoga, alguém pode dar mil chocolates para que um chocolate seja entregue com o significado certo.


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