Como o Brasil tornou-se tão autoritário a ponto d’uma jovem necessitar fugir do país para escapar da prisão por ‘transfobia’ ao chamar um homem de homem? Jonathon Van Maren conseguiu uma entrevista exclusiva com Isabella Cêpa, a feminista brasileira refugiada na Europa por perseguição política da Agenda Trans
Numa sexta-feira à noite, às 23h, em junho de 2022, Isabella Cêpa, de 29 anos, recebeu mensagem direta no Instagram d’uma jornalista da Folha de S. Paulo, um dos principais jornais do Brasil. A jornalista pediu a Cêpa resposta à notícia de que respondia a cinco acusações de “racismo”. Mas todas por “confundir o gênero” d’um político travesti, podendo pegar de 10 a 25 anos de prisão. A jornalista não esperava que Cêpa visse a mensagem. Portanto, publicou a notícia bombástica no dia seguinte, e pela primeira vez Cêpa ouviu falar das acusações de ‘transfobia’.
Três anos depois, Isabella Cêpa recebeu o status formal de refugiada sob a alegação de perseguição política, por um país europeu não identificado. Logo, é a primeira brasileira desde o fim da ditadura militar a receber o status de refugiada por perseguição do Estado. Assim como a primeira mulher no mundo a tornar-se oficialmente refugiada por oposição à ideologia transgênero. Ela falou com o europeanconservative.com de seu país de residência atual, que não identificaremos por motivos de segurança.
Status Formal de Refugiada
“Sou apenas uma profissional de marketing, uma designer gráfica”, disse-me Cêpa. “Mas eu tinha uma página no Instagram onde falava sobre violência doméstica e sexual.” Pois a própria Cêpa é sobrevivente de ambas. “Esses sempre foram os principais temas, até chegar ao ponto em que não podíamos mais falar sobre questões femininas. Porque antes disso, tínhamos que chegar a acordo sobre o que é uma mulher.” Muitos críticos da ideologia transgênero começaram a ser muito cautelosos com as palavras que usavam e como. Mas Cêpa se recusou a fazê-lo.
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal do Brasil decidiu que a discriminação contra a “Comunidade LGBTQ” era uma forma de “racismo” segundo as leis antidiscriminação racial do país. Sendo assim, constituiu “transfobia” como crime previsto no Código Penal Brasileiro. Em 2020, a política brasileira transgênero Erika Hilton concorreu com sucesso a cargo municipal em São Paulo. A imprensa internacional celebrou sua vitória esmagadora como um “triunfo simbólico” para o movimento transgênero.
Cêpa acompanhou as manchetes e compartilhou um vídeo com seus seguidores, demonstrando decepção pelo fato da mulher mais “votada” ser um homem. Por isso, Hilton registrou boletim de ocorrência na polícia, e policiais interrogaram Cêpa em janeiro de 2022. Quando a Folha de S. Paulo divulgou a notícia de que enfrentava cinco acusações, os detalhes do caso ainda estavam em sigilo, não tendo acesso a eles. “Por dois anos, fiquei esperando que alguém me informasse sobre o processo. Sabia da [única acusação], mas havia cinco acusações. Então, quais eram as outras quatro?”.
Acusações de Transfobia
Ela descobriu quais as acusações no Aeroporto de Salvador, Bahi,a dois anos depois. Pois em julho de 2024, planejava viajar para a Espanha para visitar uma amiga. Mas no balcão de imigração, agente federal informou-lhe que seu passaporte estava sinalizado e perguntou se tinha conhecimento d’algum processo ou acusação contra ela. Cêpa disse-lhe que sabia das acusações por causa de artigos na imprensa dois anos antes, mas que “não tive acesso aos arquivos e não tenho ideia do que se trata”. O agente abriu o caso dela.
“Ele começou a ler os arquivos do caso no computador e disse: ‘Isso não faz sentido’”, ela me contou. “Ele teve que levar-me para a área restrita do aeroporto, e entrei numa sala com oito policiais federais. Todos eles leram os arquivos e concluíram que tratava-se d’uma perseguição política, pois não havia base legal para o caso. O agente chamou a tripulação de cabine e disse: ‘Não fechem as portas deste avião até que este passageiro esteja dentro’ . Então, me acompanhou-me ao avião. Enquanto acompanhava-me, disse: ‘Se você tiver a oportunidade, simplesmente não volte. Não é seguro para você estar aqui’ ”.
“Os agentes eram todos de esquerda — isso ficou bem claro na nossa conversa. Mas eles sabem como a lei funciona, então perceberam que era demais, que não fazia sentido”, disse Cêpa. “Essa foi a recomendação deles: se a gente te ver de novo, vai ser para te prender quando você voltar, então não volte .” Assim sendo, recebeu cópia dos autos do seu caso e começou a lê-los no avião. Então, entendeu a gravidade das acusações que enfrentava no Brasil.
Peerseguição Política
“Comecei a ler e entendi que as outras quatro acusações eram retuítes de postagens das quais eu nem era a autora — republicando coisas que não eram ofensivas”, ela contou-me. “Eram apenas mulheres dizendo: Ei, este é o nosso último dia para votar se acreditamos que mulheres trans não devem ir para prisões femininas. A divisão nas prisões por sexo trata-se de direito constitucional, e estão violando. Logo, é uma discussão muito justa, e estava apenas republicando esta informação. E assim que receberam cinco acusações.”
Tornei-me alvo porque era uma voz permanente no feminismo radical no Brasil e muito respeitada pela minha luta em compartilhar informações sobre violência doméstica e sexual. Por isso que fui alvo. Pois muitas pessoas disseram a mesma coisa que eu, mas como era respeitada como feminista, precisaram me silenciar. Eu era um problema. O objetivo deles era conseguir uma pena maior que quatro anos, porque no Brasil, se você pega menos de quatro anos, não vai para a prisão. Mas eles me queriam na cadeia. Por isso que vasculharam meu Twitter para encontrar qualquer coisa que eu tivesse dito n’algum momento da minha vida. Então, eu estava no avião com aqueles papéis, lendo e pensando: O que é isso ?
Ao chegar à Espanha, Cêpa não sabia o que fazer. Mas a reação dos agentes federais no aeroporto às acusações a convenceu de que bastava esperar até que retirassem as acusações por transfobia, para poder retornar ao Brasil. Ela passou um ano no Marrocos e algum tempo em Portugal, esperando por boas notícias. Mas não chegaram, e as coisas pioraram. Como ela viajava com visto de turista, transferiram seu caso de São Paulo para a esfera federal. Aliados em casa, como o grupo de direitos das mulheres MATRIA Brasil, esgotaram todas as vias em seu nome. Incluindo um encontro presencial com a então Ministra da Mulher, Cida Gonçalves. Mas que não mostrou-se interessada em ajudar. Outros canais oficiais também foram um beco sem saída.

“Passei seis meses numa cidade no Marrocos com 5.000 habitantes”, disse-me. “Era a única estrangeira, e num isolamento completo. Precisava estabelecer-me e conquistar alguma estabilidade na minha vida. Pois ficava super cansada e as coisas pioravam. Potanto, precisava estar n’algum lugar onde pudesse trabalhar, porque perdi minha carreira quando me cancelaram. Faz três anos que procuro emprego e não consigo encontrar. Se você pesquisar meu nome no Google, só dirá que eu sou uma intolerante que passará 25 anos na cadeia.”
Busca por Asilo e Sustento
Desesperada, recorreu à Agência da União Europeia para o Asilo em busca de ajuda, mas acharam seu pedido difícil de acreditar. “A história é tão ridícula que disseram: não, isso não é possível”, disse Cêpa. “Tivemos que traduzir mais de mil páginas de processos para entenderem a profundidade da loucura que acontecia. Lembro-me de receber o documento que concedia o status de refugiada — aí que percebi: “Ok, estou segura“.
E então meu segundo pensamento: Isso nunca aconteceu antes, é o primeiro caso no mundo. Uma loucura, eu congelei. Lembro-me de estar ali como uma rocha.
Cêpa já vivera como nômade digital antes, mas nada a preparou para viver como uma dissidente exilada permanentemente. Pois não pode retornar ao seu país de origem para visitar seus amigos e familiares; e eles não têm condições financeiras para visitá-la. Ademais, a maioria de seus pertences — livros, luvas de boxe, roupas — permenecem no Brasil. Portanto, com a mudança das estações e de país,precisou comprar roupas novas. Mas está fora do Brasil há um ano e meio, sem meios de sustentar-se.
“É horrível”, disse. “Sinto falta de tudo. Às vezes, até gosto de ir a Portugal para beber guaraná e comer tapioca. Sinto falta de estar com meus amigos. A parte mais difícil disso é não poder ter nenhum tipo de interação social, mas especialmente como refugiada. Não posso confiar em ninguém, não consigo fazer amigos. Também evito conhecer pessoas e contar de onde sou. Se ouço alguém falando português, corro. Pois não sei se posso confiar a essas pessoas a minha localização. Logo, é uma jornada muito solitária. Geralmente gosto de ficar sozinha, mas às vezes, nos fins de semana, só quero fazer um churrasco com meus amigos.”
Escalada Autoritária no Brasil
Cêpa preisou entregar o seu passaporte brasileiro depois que solicitou o status de refugiada e agora aguarda o passaporte de Genebra. Até lá, não poderá deixar o país de asilo. Quando isso acontecer, poderá viajar novamente — para qualquer lugar, exceto para casa.
Como o Brasil tornou-se tão autoritário a ponto d’uma jovem precisar fugir de seu país para escapar da prisão por chamar um homem de homem? Isso, disse Cêpa, ocorre porque “usaram o Brasil como laboratório. Há notícias falsas em toda a mídia dizendo que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans. Mas esses dados são completamente falsos. Contudo, usaram na decisão do Supremo Tribunal Federal que decidiu equiparar ‘transfobia’ a racismo”. O Supremo Tribunal Federal não pode mudar a lei — essa é uma prerrogativa do parlamento —, mas pode reinterpretar o código penal. O Brasil, sendo o maior país da América do Sul e geralmente gay-friendly, era visto por grupos LGBT como “boa terra para plantar essa semente da ideologia trans”.

A Open Society, a Fundação Ford e muitas organizações ao redor do mundo investem muito dinheiro na mídia e em todo tipo de ONGs que divulgam números falsos sobre a população trans no Brasil. Usaram isso no Supremo Tribunal Federal para criar a decisão, e agora a decisão é usada para coagir e silenciar mulheres que ousam dizer o óbvio. A maioria dos ocidentais não sabe nada sobre a América do Sul além de histórias sobre cartéis e crimes. Então, se publicar números falsos sobre a América do Sul, quem provará que estão errados?
Em suma, grandes instituições filantrópicas investiram em várias organizações ativistas LGBT e veículos de comunicação, além de doações a políticos. Sendo assim, os políticos decidem quais ONGs financiar; repassam dinheiro do contribuinte aos grupos LGBT; e os grupos produzem relatórios e recomendações. Então, os políticos usam para defender políticas LGBT. Trata-se d’uma revolução circular, financiada pelo contribuinte, em nome de contribuintes que, em grande parte, discordam da ideologia de gênero. E certamente opõem-se à perseguição de Isabella Cêpa e de muitos outros como ela. Por exemplo, um zelador atualmente enfrenta cinco anos de prisão por transfobia. Pois pediu a um homem que identifica-se como trans para sair d’um banheiro feminino.
“Todas as mulheres que retuitei estão sendo processadas agora”, disse-me Cêpa.
Todos estão sob investigação. Um deles está na mesma situação. Ou seja, acusada de dois casos de racismo, o que significa que ainda pode parar na prisão por estar no Brasil. Ninguém nos apoiaria publicamente porque não está claro na lei o que é crime e o que não é. Conquanto pessoas são processadas e ninguém tem permissão para falar sobre isso. Eu literalmente tive que sair do país e obter proteção internacional para poder. Um juiz do estado de São Paulo exigiu que bloqueassem meu Twitter para qualquer endereço IP brasileiro. Mas a própria empresa disse ao juiz que isso é inconstitucional e violação dos meus direitos. Porém, eles fizeram isso mesmo assim.
Arquivamento do Caso de Transfobia
Em 2 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu “parar” o caso de Cêpa. Isto é, está encerrado — por enquanto. Trata-se, observou ela, d’um “precedente inovador” que sinaliza vitória para a liberdade de expressão. “Não trata-se só de mim”, escreveu no X. “É a primeira vez no Brasil que uma voz feminista radical tornou-se alvo formalmente de processo criminal e fracassou. O que começou como tentativa de silenciar uma mulher por falar a verdade ao poder, tornou-se agora ponto de virada legal… Logo, esta decisão é um marco na história brasileira.”
Mas não arquivaram o caso. Portanto, o Tribunal ainda pode reconsiderar as acusações de ‘transfobia’ a qualquer momento. Pois “ainda não está claro se ‘transfobia’ é crime ou não. Porque as pessoas são processadas de qualquer maneira”, disse Cêpa. “É uma grande vitória, porque eles queriam que eu fosse a primeira feminista a parar na prisão. Mas tornie-me a primeira feminista a ter meu caso ‘parado’ e a receber o status de refugiada por isso. Exatamente o oposto do que pretendiam.”
Mas ela ainda não pode voltar para casa, porque se falar novamente, podem prendê-la novamente. Mas desta vez, é improvável que as autoridades a deixem sair do país.
Luta pela Saúde Mental
Quando perguntei a Cêpa como ela conseguiu manter a sanidade durante toda essa provação, ela riu. “Definitivamente não”, ela me respondeu. “Não durmo. Tenho uma consulta com o psiquiatra amanhã. Mudo minha medicação o tempo todo. Vou à academia; ir à academia é o que mantém-me sã, ir à academia e fingir que sou uma pessoa normal. Também fingir que voltei à minha vida real. Mas aí, alguém fala comigo na sauna, assusto-me e corro de volta para casa. É complicado, mas continuo tentando. São inúmeras as vezes que tive pensamentos suicidas durante essa jornada. Cheguei muito perto disso. Mas tenho alguns amigos muito bons que ajudaram-me a superar isso.”
A vida como refugiada parece impossível, e precisa pagar suas contas. Mas está difícil encontrar um emprego. Ainda precisou recorrer a doações por meio de financiamento coletivo para comprar óculos novos e móveis, além de pagar o aluguel. Por isso, seus amigos disseram-lhe que admiram sua força. Mas que não conseguem acreditar que tenha sobrevivido a essa provação.
“É inacreditável para eu também”, disse Isabella Cêpa. “Nem sei como cheguei aqui viva. Mas continuarei insistindo e verei o que acontece.”
Publicado originalmente em The European Conservative, sob o título “EXCLUSIVE: The Inside Story of Europe’s First Official Gender-Critical Refugee“. Traduzido por Samara Barricelli.
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