A bela Claudia Cardinale personificou o triunfo da vida e a alegria por excelência, deixa-nos quase órfãos d’uma geração lendária
Depois de Alain Delon e Robert Redford, Claudia Cardinale deixou o palco. A bela atriz italiana faleceu na noite de 24 de setembro, aos honrosos 87 anos. Desta lendária geração de estrelas do cinema, restam apenas alguns. Conquanto Clint Eastwood e Brigitte Bardot continuam firmes e fortes. Mas por quanto tempo mais?
Seus olhos brilhantes, com contornos negros, agora fecharam-se para sempre. Mas com ela, um pouco mais daquela era abençoada desaparece — época na qual as mulheres ardiam com feminilidade apaixonada e os homens sabiam como fazer corações palpitarem.
Juventude Trágica
Claudia Cardinale, cujo nome de batismo era Claude, nasceu em Túnis, a 15 de abril de 1938, durante o protetorado francês. Seus avós eram sicilianos e lhe transmitiram o sangue italiano e a beleza mediterrânea, que chamaram a atenção desde cedo. Em casa, falava francês e um pouco de dialeto siciliano. Mas não dominava o italiano.
Começou sua carreira com breves aparições na tela, num curta-metragem em 1956, depois em breve papel ao lado de Omar Sharif, em 1958.
Porém, uma tragédia terrível marcou a sua juventude. Claudia tinha somente dezoito anos quando permitiu-se encantar por um francês dez anos mais velho. Entretanto, viu-se presa num relacionamento doentio com um homem que a assediava e estuprava.
Cláudia Cardinale escolhe a Vida
Mas o futuro parecia brilhante para ela. Acabara de ser nomeada a “Mulher Italiana Mais Bonita da Tunísia”, título que abriu-lhe as portas do Festival de Cinema de Veneza. Nas praias da lagoa, aclamação seu frescor e beleza com gritos apaixonados de “Claudia!” — apelido que manteve. Mas, de volta a Túnis, após tal interlúdio encantado, a jovem descobriu sua gravidez.
Ser mãe solteira na época era tudo menos uma posição invejável. Mas a vida que crescia dentro dela era mais forte do que qualquer outra coisa, e Cláudia Cardinale não era mulher de deixar-se guiar por outros, mesmo diante da adversidade. O pai da criança a pressionou a fazer um aborto. Mas recusou e optou por ficar com o bebê.
Todavia, durante a gravidez assinou seu primeiro contrato cinematográfico com Franco Cristaldi, produtor italiano. Que tornaria-se seu parceiro por vários anos e, posteriormente, seu marido. Claudia tentou esconder a gravidez, mas confidenciou a ele. Por conseguinte, ele a apoiou: Cristaldi entendia que não podia, em hipótese alguma, abrir mão daqueles belos e encantadores olhos negros.
Ascensão d’uma Estrela
Em 1958, ela estrelou pela primeira vez um filme italiano, I soliti ignoti (Um Grande Negócio na Rua Madonna), produzido pela Cristaldi, ao lado de Vittorio Gassmann e Marcello Mastroianni. Ironicamente, para alguém que viria a encarnar a mulher italiana por excelência, quase não falava italiano na época. Assim como assistia com os olhos arregalados àquelas pessoas correndo pelo set, gesticulando freneticamente e gritando alto.
Com a ajuda de Cristaldi, Cardinale deu à luz em segredo em Londres. Então, apresentou seu filho, um menino a quem deu o nome de Patrick, em homenagem ao seu irmãozinho.
Em “Big Deal on Madonna Street”, roubou a cena. Após sua breve, mas notável atuação, recebeu uma infinidade de pequenos papéis. Um ano depois, em 1959, em “Un maledetto imbroglio” (Os Fatos de um Assassinato), finalmente, ou já, viu-se no papel principal. Sua atuação cativou dois mestres do cinema, e não menos importantes: Fellini e Pasolini.
Naquele mesmo ano, a bela Claudia estabeleceu-se em França, sua outra terra natal. Ademais, escolhida por Abel Gance para interpretar Pauline Bonaparte em seu blockbuster “Austerlitz“, dedicado a Napoleão. Reunindo o cineasta com os dias de glória do épico napoleônico, trazido pela primeira vez às telas em 1927. O papel era relativamente insignificante, mas a assinatura era prestigiosa. Sendo assim, Claudia Cardinale brilhou num filme um tanto esquecido hoje fora dos círculos cinéfilos, “Les Lions sont laches” (Os Leões Estão Soltos). Dirigido pela dupla brilhante de Henri Verneuil e Michel Audiard. O filme apresenta Michèle Morgan, Danielle Darrieux e Claudia Cardinale – MM, DD e CC, três gerações de femmes fatales encarnando a irresistível elegância francesa.
Cláudia Cadinale interpreta a ‘própria história’
Na mente do público francês, “CC” tornou-se o alter ego de “BB”, Brigitte Bardot, que desfrutava de enorme sucesso na mesma época. O início da década de 1960 foi um período difícil para a atriz, que assumiu um papel após o outro — até cinco filmes por ano — numa época em que também precisava dedicar sua atenção ao filho pequeno.
Em 1961, em La Ragazza con la Valigia (A Rapariga com a Mala), de Valerio Zurlini, interpretou o papel pungente de Aida; mãe solteira que canta e dança para ganhar dinheiro suficiente para criar seu filho. A história de sua personagem era como um eco doloroso da própria história, na época ainda desconhecida de todos. Pois só relatou essa terrível lembrança numa entrevista ao jornal Libération, em 2005:
“A cena mais difícil de filmar: minha confissão no restaurante da estação. Quando falo sobre o filho secreto que tive, como mãe solteira, e deixei em Rimini. Porque essa era exatamente a minha situação na vida, mas não podia contar a ninguém. No meu contrato de atuação, estava escrito que eu tinha que esconder a existência do meu filho, Patrick. Assim como dizer que ele era meu irmãozinho. Mas nesta cena, precisei falar sobre isso; a mesma situação, e eu chorava o tempo todo. As pessoas não entendiam por que essa cena me chateava tanto. Mas coloquei todo o meu segredo nela”.
Nasce Angélica
Cardinale já tinha uma carreira marcada por belos momentos no cinema. Mas 1963 marcou sua verdadeira consagração, permitindo-lhe estrelar duas obras-primas, dirigidas por dois gigantes: Il Gattopardo (O Leopardo), de Luchino Visconti, e Otto e Mezzo (Oito e Meio), de Federico Fellini .
Em O Leopardo, o casal formado por Claudia Cardinale e Alain Delon, Angélica e Tancredi, incendiou a tela. Visconti usou maravilhosamente a paixão incandescente que emanava da jovem. Por isso, seduz o coração do belo aristocrata em declínio que precisa desesperadamente de seu dinheiro… e de sua beleza deslumbrante. Pois permitir-lhe-á regenerar o sangue cansado dos Leopardos. A cena da valsa, onde dança com Burt Lancaster ao som d’uma música inspirada em Verdi e ampliada por Nino Rota, tornou-se das cenas mais poderosas da história do cinema.
Seria de esperar-se ver dois jovens protagonistas rodopiando na pista de dança. Mas é nos braços do sublime e envelhecido Príncipe Salina que Angélica entrega-se por completo. Porém, sob o olhar afetuoso, e invejoso, de seu jovem noivo, interpretado por Delon. Ele observa sua amada girar nos braços de seu tio idoso, que dança como um deus. No entanto, dividi-se entre o orgulho de considerar-se o possuidor supremo de tal joia e a pontada de sentir-se incapaz de tal presença e majestade.

Cláudia Cardinale em Hollywood
Após sua glória italiana, Cardinale sucumbiu aos encantos de Hollywood. Em 1964, estrelou ao lado de John Wayne e Rita Hayworth em O Maior Espetáculo da Terra. Em particular, a grande Hayworth revelou a Claudia Cardinale, numa frase sucinta, o terrível segredo de sua vida sacrificada no altar do cinema. Desatando a chorar com estas palavras: “Eu também já fui bonita…”. Cardinale continuou suas experiências americanas. Mas jamais deixou-se prender completamente nas redes d’uma indústria cinematográfica sem alma que tornara-se mestre na arte de quebrar mulheres.
Filmes franceses, italianos e americanos, Cardinale estava em todos os lugares e com todos. Westerns, comédias, papéis mais maduros e dramáticos, tentou de tudo. Assim sendo, seu nome tornou-se garantia de sucesso e o público estava — quase — sempre lá. No total, fez mais de 150 filmes. Nem todos eram obras-primas, longe disso. Mas um ícone como ela podia fazer quase tudo o que quisesse.
Com energia ilimitada, ela subiu ao palco na virada dos anos 2000 e tentou a sorte em filmes para a televisão. Em 2010, ela atraiu a atenção de todos em Cannes ao aparecer de braço dado com Alain Delon, seu amigo de longa data. A idade havia cobrado seu preço, mas sua joie de vivre mostrava-se intacta. Todavia, acima de tudo, mantivera aquela naturalidade desconcertante que era seu poder de atração. Ao contrário de muitos dos concorrentes, Claudia Cardinale permitiu-se ao luxo de jamais recorrer à cirurgia plástica. Pois sabia que as rugas são as verdadeiras marcas da vida — tanto do sofrimento quanto dos sorrisos.
Falecimento
No set de A Pantera Cor de Rosa, o britânico David Niven, com seu humor irresistível, resumiu o charme de Cardinale numa frase deliciosa:
“A mais bela invenção italiana desde o espaguete”
No entanto, fna região de Paris que Cardinale faleceu. Pois estabeleceu-se em Paris há muito tempo, no final da década de 1980, antes de aposentar-se. Numa casa em Nemours, e lá que faleceu, cercada pelo filho e pela filha. Contudo, a lembraremos como a mais italiana das parisienses, ou a mais parisiense das italianas.
Publicado originalmente em The European Conservative, sob o título “Addio, Angelica“. Traduzido por Roberto Lacerda Barricelli.