Um Beco sem Saída para o Transbordo

A brecha do transbordo que a China explorou é o próximo alvo tarifário do presidente americano Donald Trump

O decreto do presidente Donald Trump, de 31 de julho, com vigência a partir de 7 de agosto, alterou a dinâmica do comércio global de uma só vez. Pois impor tarifa de 40% sobre os “produtos de transbordo” — desviados via terceiros países, evitando tarifas americanas — é desenvolvimento natural da crescente agenda protecionista.

Tiro Certeiro contra a China

Somente uma semana após a ordem, a medida disparou tiro certeiro no vasto império industrial da China. Pois há muito tempo explora métodos como transbordo e “nearshoring” para contornar as tarifas americanas em geral, e as políticas tarifárias de Trump em particular.

Embora aplicada globalmente, a China será mais afetada, com suas vastas redes industriais e habilidade para redirecionar mercadorias pelo Sudeste Asiático, México e outros lugares. Porém, não trata-se só d’um aumento de tarifasm. Mas uma escalada calculada na cruzada contínua de Trump para remodelar a política comercial amricana e a economia global em favor dos EUA. Entretanto, visivelmente há efeitos em cascata que afetam os consumidores — e essa medida provavelmente também prejudicará as relações com aliados importantes.

Ademais, as novas tarifas baseiam-se na estratégia de Trump durante seu primeiro mandato — tão abrangente que agora tem verbete na Wikipédia. Quando usou o peso econômico dos EUA como marreta para renegociar ou destruir acordos comerciais considerados injustos. Todavia, naquela época, empresas chinesas contornavam as tarifas americanas instalando-se em países como Vietnã e México. Logo, canalizando mercadorias por tais centros, mascarando suas origens.

Transbordo e Nearshoring

Essa estratégia de transbordo e nearshoring impulsionou muitas economias quetinham acordos com os EUA ou tratadas de forma mais favorável do que a China. Por exemplo, o Canadá e os países latino-americanos. Mas também vê-se como parte natural da globalização: o embarque de peças d’onde são fabricadas (como a China), a montagem em países em desenvolvimento (como México) e exportação para mercados de alto valor (como EUA). Portanto, transbordo e nearshoring têm uma longa história, mas  expô-se a fragilidade das cadeias de suprimentos globais estendidas na pandemia de Covid-19. Portanto, e desde então, os fabricantes buscam mitigar seus danos.

O déficit comercial dos EUA com a China (cerca de US$ 295 bilhões) é um ponto sensível para Trump, que vê o transbordo e o nearshoring como soluções alternativas. O imposto de 40% sobre esses produtos, somado às tarifas existentes, visa preencher essa brecha. Como Stephen Olson, ex-negociador comercial dos EUA, observou no New York Times: a China provavelmente verá isso como tentativa direta de “encurralá-los”. Ou seja, potencialmente azedando negociações já tensas.

Estratégia Recorrente

Como os leitores da FEE sabem, não é a primeira vez que Trump usa tarifas como forma de intimidação. No início deste ano, aumentou as tarifas sobre produtos da UE de 1,2% para 15%. Conquanto uma medida que precedeu seu segundo mandato, gerando alívio — por evitar alíquota de 30% — e críticas sobre o aumento do custo das importações europeias. Todavia, provavelmente afete especialmente a própria base eleitoral de Trump, dada a prevalência de importações de produtos farmacêuticos e automóveis da UE.

Agora, com a imposição global de transbordo e nearshoring, Trump redobra sua estratégia geopolítica-econômic. Contudo, mirando não só a China, mas qualquer país que facilite embarques indiretos. Dados da Asia Financial ressaltam a urgência: as exportações da China aos Estados Unidos despencaram 22% em julho de 2025 em comparação com o ano passado. No entanto, tais produtos não desapareceram — redirecionados aos países da ASEAN, com aumento de 17%, sinalizando mudança para centros de transbordo. Países como o Vietnã reforçaram as inspeções para coibir essa prática, mas a escala da indústria manufatureira chinesa torna a fiscalização numa tarefa hercúlea.

Outras Implicações da Política contra Transbordo de Trump

Implicações mais amplas dessa política tarifária contra o transbordo, incluem uma mudança arriscada em direção à China. Tarifas podem acelerar a integração por meio da Iniciativa Cinturão e Rota e da Parceria Econômica Regional Abrangente. Logo, aprofundando os laços ASEAN-China à medida que o acesso dos EUA diminui. As ameaças de Pequim de contramedidas contra negociadores americanos, por sua vez, forçam os países da ASEAN a agir com cautela e, potencialmente, a escolher entre seu principal mercado de exportação (América) e seu maior parceiro comercial (China).

A ordem de Trump também ajusta outras tarifas, que variam de 10% a 41%, com taxa pesada de 100% sobre microchips e produtos farmacêuticos. Mas também imposto de 25% sobre produtos de países que compram petróleo russo — medida que já prejudica relações com a Índia e aproxima mais os BRICS.

Essas medidas alinham-se com as estratégias geopolíticas econômicas mais amplas de Trump: reduzir o déficit comercial dos EUA e fortalecer as indústrias nacionais. Mas o custo é alto aos consumidores americanos. Tarifas mais altas podem gerar receita para o Tesouro no curto prazo, mas também significam produtos mais caros no longo prazo. A vantagem de custo da China mantém suas exportações competitivas, apesar das tarifas. Ironicamente, o enorme nível de manufatura terceirizada da China que Trump tenta reequilibrar. Como escreveu Richard Baldwin: “a produção [da China] excede a dos nove maiores fabricantes combinados”.

Mais Afetados

É claro que a China pode ser o principal alvo dessa agressão, mas não é a única nação afetada: o Vietnã, com um superávit comercial de US$ 120 bilhões com os EUA, negociou um corte de 46% para 20%. Sendo assim, uma medida que tenta compensar sua posição como um centro de transbordo para exportações chinesas. O setor de vestuário do Camboja, empregando um milhão de trabalhadores, comemorou o corte tarifário de 49% para 19%. Mas sua dependência de insumos chineses mantém os riscos de transbordo elevados.

Ainda assim, os mercados da ASEAN são complexos e multifacetados. Alguns celebraram as tarifas como “nivelamento” do campo comercial. Werachai Lertluckpreecha, representante da Stars Microelectronics, sediada na Tailândia, elogiou as táticas de Trump para colocar seu país “no mesmo nível da Indonésia e das Filipinas e abaixo do Vietnã… estamos felizes”.

Custos da Reafirmação do Domínio Americano

Essa estratégia tarifária ecoa temas mais amplos de soberania e controle — sendo Trump geralmente o último a ceder. Suas tarifas afirmam o domínio dos EUA, forçando os parceiros comerciais a ceder ou ceder, mas o risco de excessos é iminente. Pois impactos mais amplos incluem aumentos de preços ao consumidor nos EUA. Por exemplo, sapatos com alta de 40%, custo médio de carros prevendo US$5.800 mais, afirma a Tax Foundation, potencialmente alimentando inflação e dependência da dívida. Os mercados mostraram-se um pouco menos agressivos, com pequenas quedas no S&P 500, mas a volatilidade se avizinha.

Originalmente publicado na FEE, sob o título “Transshipment’s Dead End“. Traduzido por Roberto Lacerda Barricelli.



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