O Reino Unido serve como um alerta grave sobre o que a atual tendência governamental de regular a internet pode levar
O Reino Unido potencialmente é o canário na mina de carvão do Ocidente em relação à censura na internet desde a criminalização de mensagens online “ofensivas” ou “indecentes” pela Lei das Comunicações (2003). Porém, enfrenta protestos internos generalizados contra a “Lei de Segurança Online” dos trabalhistas; legislação superficialmente atenta à proteger menores de conteúdo e comunicação adultos. Mas que carrega consigo uma série de outros efeitos nefastos ao regular a internet. Por exemplo, efeitos na privacidade dos usuários comuns e proibir compartilhamento e discussão de informações sobre tópicos políticos delicados, principalmente imigração, nas mídias sociais.
Governo Trabalhista quer Regular a Internet
No Reino Unido, o acalorado debate em torno da nova lei resultou em duras críticas entre os grupos políticos sobre regular a internet. Difamaram os que se opõem à lei como apoiadores de predadores de crianças, enquanto acusa-se os apoiadores de propósitos insidiosos. Mas que nada têm a ver com crianças e têm mais a ver com o controle da internet. No entanto, o governo trabalhista de Keir Starmer comprometeu-se em não voltar atrás na lei, apesar das petições populares, críticas da mídia e de organizações interessadas.
As leis europeias podem cair no absurdo e de fato caem
Uma das preocupações comuns em relação às leis de censura é o argumento da “ladeira escorregadia”. A interpretação dessas leis inevitavelmente estender-se-á para além do alvo explícito da legislação, devido à dinâmica da linguagem.
Será que se incita ao ódio contra um grupo somente porque discute-se um fenômeno negativo específico em relação a tal grupo? A exigência de primeiro definir um grupo e, depois, justificar necessidade de proteção legal, também gera controvérsias, que inevitavelmente levarão à inclusão e exclusão arbitrárias. Logo, o propósito d’uma lei contra “discurso de ódio” para proteger a população em geral de assédio indevido, transformou-se repentinamente num instrumento de guerra jurídica. Conquanto um grupo pode usar contra outro.
Por exemplo, na Suécia no início deste ano, quando condenaram o crítico do islamismo e queimador do Alcorão, Salwan Najem, por incitação ao ódio contra muçulmanos. Somente porque era parte ativa d’uma manifestação de queima do Alcorão. Entretanto, sem realmente atacar verbalmente os muçulmanos como um grupo, e concentrando suas ações num livro específico e na religião do islamismo.
Aplicação desigual ao Regular a Internet
É difícil imaginar, no atual clima da política europeia, que aplicarão igualmente leis como para regular a internet. Por exemplo, não processam declarações e ações criminosas que visam explicitamente suecos por sua etnia como crimes de ódio na Suécia. Outro exemplo recente que gerou muito debate na Suécia: a decisão de não processar vários ativistas pró-Palestina por compararem as baixas civis em Gaza aos assassinatos históricos de judeus pelos nazistas, usando bonecos na forca para evocar o Holocausto. Embora seja discutível se a instalação do boneco realmente constituiu um crime de ódio ou não, jamais levaram o caso ao tribunal, polarizando a opinião pública. Afinal, realmente aplicam igualmente a lei contra a incitação para proteger todos os grupos de calúnias e ameaças, como afirmam seus defensores?
Isso ilustra o problema com as leis de censura, identificado principalmente pela direita, provavelmente porque são principalmente os conservadores que recebem veredictos questionáveis.
O Reino Unido já tem sua cota de incidentes arbitrários e injustos de “discurso de ódio”, a maioria deles ocorrendo nas mídias sociais e possibilitados pela Lei de Comunicações de 2003. Mas a Lei de Segurança Online é diferente, impedindo preventivamente visualizações de informações por terceiros, antesde ocorrer qualquer exposição a conteúdo “prejudicial”. Ou seja, dificulta perceber se aplicam a lei ilegitimamente para minimizar a disseminação de um determinado tópico ou tipo de conteúdo.
Censura da discussão sobre imigração?
Muitos críticos chamaram a Lei de Segurança Online d’uma tentativa descarada de censura política, especialmente devido à redação d’um dos próprios comunicados do governo, onde listam tópicos sensíveis. Ademais, um dos tópicos é “crimes contra a ordem pública com agravantes raciais ou religiosos” e outro é “imigração ilegal e tráfico de pessoas”.
Portanto, muitos críticos interpretaram como tópicos proibidos para menores e, logo, discussões sobre eles devem ser acessíveis somente a adultos verificados. O objetivo é manter os menores britânicos no escuro sobre imigração ilegal e conflitos raciais e religiosos?
Uma verificação de fatos do Yahoo News identificou que, no texto legal completo, não é o conteúdo relacionado à imigração ilegal em si que é regulamentado por idade. Mas, na realidade, o conteúdo relacionado ao auxílio à imigração ilegal. Embora ajude a dissipar algumas das preocupações, a redação completa da lei para regular a internet em relação a crimes raciais ou religiosos contra a ordem pública não esclarece. O que se infere, em vez disso, é que qualquer conteúdo online que viole as leis contra crimes raciais ou religiosos contra a ordem pública está sujeito à restrição de idade.
Distorções Legislativas e Jurídicas ao Regular a Internet
Isso é complicado pelos motivos discutidos anteriormente. Frequentemente critica-se essas leis de “crimes de ódio” por distorções tanto em seu processo legislativo quanto na prática judicial, favorecendo as queixas d’alguns grupos e ignorando outros. A confiança do público em geral na aplicação justa dessas leis é baixa, especialmente no Reino Unido, após múltiplos incidentes no ano passado. Pois acusações de incitação contra pessoas que participaram ou comentaram sobre os protestos anti-imigração do verão de 2024 resultaram em penas de prisão controversamente longas.
Aliás, rotular conteúdo online preventivamente cria uma situação em que, para reduzir do risco d’uma repreensão governamental, plataformas online limitam discussões suspeitas dessas ofensas públicas. Portanto, regular a internet afetará negativamente a liberdade de discutir imigração e a relação entre britânicos nativos e imigrantes. Pois é na internet que esses canais devem ser estritamente mantidos inacessíveis a potenciais menores de idade – ou adultos “não verificados”.
Identificação forçada para usar Plataformas Online
Conforme a intenção declarada de impedir exposição de menores e crianças a conteúdo online ofensivo e prejudicial, a nova lei resultou numa infinidade de grandes plataformas implementando a verificação de idade em usuários baseados na Grã-Bretanha. Contudo, também ocasionalmente espalhando-se para outros Estados-Membros da UE. Por exemplo, usuários X pela Europa tiveram amostra de como a nova lei substitui certas postagens por aviso sobre como “determinam” a idade do usuário. Ou seja, presumivelmente analisando suas preferências de conteúdo.
O YouTube anunciou que lançará um recurso semelhante no próximo ano, o qual testará nos Estados Unidos da América. Forçaram até o Spotify a adaptar-se à nova portaria do governo britânico, excluindo contas que não verificam a idade. Todavia, outros sites e serviços online chegaram a exigir identificação facial, seja por meio de documentos de identidade ou fotografia. Plataformas banais de bate-papo e jogos aumentaram sua segurança a níveis quase bancários, tudo em nome de garantir que menores de idade não vejam conteúdo impróprio.
Conquanto a ameaça à privacidade online é significativa, podemos na prática comparar a Lei de Segurança Online ao chamado Chat Control 2.0. Plano que a UE intentava implementar em 2023, exigindo a análise por IA do conteúdo de bate-papo online da Europa. Porém, mesmo em plataformas criptografadas – para identificar material que constituísse exploração sexual de crianças. Entretanto, ameaçava gravemente não somente o direito à comunicação privada, mas levantou-se o risco de falsos positivos como grande preocupação. É simplesmente muito difícil lançar uma rede tão infinitamente ampla sem minar os direitos à privacidade de cidadãos comuns e cumpridores da lei.
Perigos à Liberdade de Informação e Escalada Não Democrática
Algumas plataformas, cuja inclusão no escopo da LSO, por si só, é controverso, como Wikipédia, contestam a imposição da verificação de usuários no Reino Unido. Segundo a Wikipédia, a lei põe em risco o anonimato de seus milhões de colaboradores voluntários, que protege sua liberdade de expressão. Mas também impossibilita de serem perseguidos por diversos regimes por suas atividades em nome da liberdade de informação.
Factualmente, pouco diferente da situação sob vários regimes autoritários, muitos britânicos usam redes privadas virtuais (VPNs) para contornar restrições impostas por IP’s britânicos. No entanto, também assustadoramente semelhante a um regime não democrático, o governo trabalhista expressou sua vontade de proibir VPNs para garantir a conformidad. Contudo, ironicamente, o Centro Nacional de Segurança Cibernética do Reino Unido promove as VPN’s como método para empresas evitarem hackers, como apontaram alguns críticos.
Em geral, a lei terá ramificações de longo alcance à cultura da internet, construída por décadas de engajamento popular e tipo muito especial de confiança-social online. Entretanto, no final, não afetará apenas o Reino Unido, mas o mundo inteiro.
A pressão política para Regular a Internet na Europa
Restrições de idade e verificação para visualizar conteúdo online são mais do que uma demanda nova do número 10 da Downing Street. Mas propostas com diversas justificativas pela Europa e provavelmente remontam, n’outras formas, aos primórdios da internet como tecnologia popular.
Na Suécia, sugeriram impor restrições de idade nas redes sociais pelo uso de plataformas por gangues do crime organizado recrutando crianças para missões ilegais perigosas. Assim, a preocupação não é tanto com a exibição de material impróprio, como conteúdo adulto, extremismo político ou crimes, a menores. Mas, sim, com quem as crianças podem entrar em contato nas redes sociais. Assim como no resto do Ocidente, há também muito debate sobre como promovem ideais corporais pouco saudáveis nas redes sociais e como afeta a saúde mental dos jovens.
Enquanto governos, ou a UE, avaliam a recepção do público a vários tipos de restrições na internet, as próprias plataformas de mídia social sempre praticaram uma forma de controle interno. Inclusive, na qual desejam manter-se isentas de responsabilidade caso acusem seus serviços de afetar negativamente os jovens. Muitos sites populares têm requisitos de idade flexíveis há muitos anos, mas é raro obrigarem seus usuários a se verificarem.
Anonimato, Segurança e Liberdade
Geralmente, é um marketing ruim para serviços web ou videogames exigir que seus usuários abram mão do anonimato, algo considerado garantido na internet. Todavia, espera-se por sites e plataformas de mídia social dispostos a cumprir as novas leis lhes impôe isso, pois resolve o problema de potencial responsabilidade. Ao mesmo tempo que os isenta de infringir a privacidade sagrada de seus usuários. Afinal, é o governo que está pedindo isso deles.
Isso explicaria o porquê, apesar das implicações preocupantes da LSO, nenhuma gigante da tecnologia juntou-se às massas exigindo reversão em prol da liberdade de expressão. Mesmo aparentemente alinhado com os ideais legados da indústria de tecnologia.
Um novo sistema vigora no Reino Unido (ao menos até o fim do mandato de Keir Starmer) e a UE se mantém na ofensiva em relação à regular a internet. Portanto, provavelmente submeterão o restante da Europa a legislação igualmente autoritária num futuro próximo. Devemos encarar com a mesma indignação que ocorre atualmente na Grã-Bretanha.
Uma solução alternativa
O fato animador na potencialmente iminente escuridão cibernética que a Europa enfrenta é a impossibilidade de controlar a internet. Há diversas tecnologias ou maneiras de burlar a vigilância injusta, dificultando para um sistema democraticamente responsável, seja um governo nacional ou Comissão Europeia, eliminá-las todas. Mas a confiança nas instituições governamentais será mais corroída a cada tentativa de violação, à medida que a experiência de compartilhamento de informações online, tão vital para os humanos do século XXI, torna-se cada vez mais tensa.
No fim, tentar reprimir a tecnologia e regular a internet, gerará busca incessante ao governo, para repensar e reparar constantemente as restrições implementadas. Devido à natureza dinâmica inerente de tudo isso. Se realmente almeja-se proteger as crianças de influências nocivas, melhor não regulamentar o software, mas sim o hardware. Ou seja, uma proposta séria para reduzir hábitos de tela prejudiciais à saúde e improdutivos: impor restrições de idade para a compra de smartphones. Isso tornaria o acesso de menores à internet menos espontâneo e, potencialmente, o limitaria a ambientes mais controláveis, como o lar ou a escola.
A incidência de jovens potencialmente prejudicados por conteúdo impróprio nas mídias sociais, que explodiu mais ou menos simultaneamente com o surgimento dos smartphones, certamente diminuirá. Preservando a santidade da internet como um lugar onde cidadãos livres e responsáveis ainda podem compartilhar e discutir todas as ideias que desejarem, sem censura ou comprometimento do anonimato.
Mas talvez nenhuma lei elaborada pelo governo deva substituir a maior ferramenta para impedir que conteúdo prejudicial chegue às crianças: a responsabilidade parental.
Artigo publicado originalmente em The Conservative, sob o título “Governments Should not Be Entrusted to Regulate the Internet“. Traduzido por Roberto Lacerda Barricelli. Título adaptado.