O regime de vigilância digital em massa de Bruxelas está prestes a piorar muito, com o avanço sobre as mensagens privadas dos cidadãos
Há anos, a União Europeia luta para acessar as mensagens privadas dos cidadãos. Bruxelas quer desesperadamente ter a capacidade de ler todas as comunicações digitais enviadas por um cidadão da UE. Inclusive, mensagens de texto, e-mails, mensagens diretas em aplicativos de mídia social como X, TikTok ou Instagram, e até mesmo mensagens enviadas por serviços criptografados de ponta a ponta, como Telegram e WhatsApp. Ou seja, nenhuma de suas conversas privadas será mais privada.
Escanear Mensagens Privadas
Apresentaram essa ideia em 2022, como parte do Regulamento de Abuso Sexual Infantil (CSAR), e o objetivo dessa medida, chamada de Controle de Chat, era detectar conteúdo ilegal. Porém, especificamente material pornográfico infantil — e encaminhá-lo às autoridades. Em teoria, usariam a tecnologia de IA para escanear o conteúdo de cada mensagem antes de criptografa-la. Ou seja, antes que a embaralharar num código ilegível que somente o destinatário pode decifrar. Esse aspecto da legislação se mostrou muito controverso para muitos Estados-membros e o Parlamento Europeu o rejeitou.
Porém, a UE quer tentar novamente. Ao assumir a presidência do conselho da UE no mês passado, a Dinamarca fez do Chat Control uma prioridade. Conquanto atas vazadas de uma reunião do Grupo de Trabalho de Aplicação da Lei do Conselho da UE revelam que a vigilância em massa está firmemente de volta à agenda, com os estados tentando amenizar desacordos anteriores. Atualmente, 15 de 27 nações apoiam os planos, com alguns países, como a Espanha, pressionando por uma proibição total de serviços de mensagens criptografadas de ponta a ponta.
Todavia, os Países Baixos e a Áustria estão vinculados a votos parlamentares antes de poderem apoiar a varredura obrigatória, e Luxemburgo e Eslovênia dizem que “ainda não estão convencidos”. Ademais, Bélgica, Polônia e Estônia mantêm cautela, enquanto a Polônia sugere atingir somente mensagens não criptografadas e aqueles indivíduos que já estavam sob suspeita. Mas os demais rejeitaram, esclarecendo que qualquer legislação que materialize-se a partir disso, provavelmente aplicar-se-á a todos, em todos os lugares.
Governo Vigilante e Lei de Serviços Digitais da UE
É impossível exagerar o quão devastador seria para a privacidade, e a UE tentou tranquilizar as pessoas de que as mensagens privadas continuariam criptografadas. Porém, somente após serem escaneadas, tornando efetivamente a criptografia inútil. Pois equivale aos correios abrindo e lendo sua correspondência antes de enviá-la. Até mesmo o próprio serviço jurídico do Conselho Europeu considerou um desastre, observando que “o escaneamento do lado do cliente viola os direitos humanos, independente do tipo de tecnologia”. A Reclaim the Net acerta ao chamá-lo de “o maior experimento de vigilância em tempos de paz da história [europeia]”.
O problema é que enquadram esse mandato orwelliano — como na censura online tantas vezes acontece — como uma proteção vital para as crianças. Conquanto é difícil argumentar contra uma legislação que promete impedir que pedófilos espalhem conteúdo online e entre si. Essa ideia milenar de que “se você não tem nada a esconder, não tem nada a temer” tornou muitas pessoas complacentes quando trata-se de vigilância governamental. Mas há pouquíssimas evidências de que o Controle de Chats seja uma forma eficaz de impedir a disseminação de imagens que retratam abuso sexual infantil, sendo em parte, resultado de lobby. No entanto, e sem dúvida, atingirá cidadãos cumpridores da lei.
A Lei de Serviços Digitais (LSD) da UE exemplifica isso com excelência. Pois, introduzida em 2022 com o objetivo de combater conteúdo ilegal, bem como “desinformação e desinformação”, efetivamente deu a Bruxelas o poder de censurar o que considerar problemático. Ou seja, qualquer plataforma que não policie os usuários com rigor suficiente receberá multas pesadas ou banimento do bloco. Como resultado, as redes sociais aplicam filtros excessivamente sensíveis para evitar penalidades; a esmagadora maioria das postagens sinalizadas e removidas pela LSD equer são ilegais.
Lei de Segurança Online do Reino Unido
A história é semelhante no Reino Unido, atualmente em processo de implementação da Lei de Segurança Online (2023). Como CSAR e DSA, defenderam-na e introduziram com propósito de proteger crianças — especificamente, bloquear acesso a conteúdo potencialmente prejudicial ou restrito a menores, como pornografia. No entanto, mês passado um deputado trabalhista admitiu que usam a lei para monitorar “sentimentos contrários à imigração” online. Sendo assim, as punições severas da Lei de Segurança Online (multas de até £18 milhões ou 10% da receita global, a fatia maior) incentivam as empresas de mídia social a aplicar as regras o mais rigorosamente possível. Portanto, restringir idade num discurso de deputado conservador sobre escândalo das gangues de aliciamento ou bloquear vídeo d’outro sobre políticas pró-parentalidade, porque apresentava um bebê.
Todavia, policiamento de conteúdo ilegal e prejudicial raramente para aí, em primeira instância, pode-se usar o Chat Control para perseguir material de abuso infantil. Mas provavelmente se expandirá em breve para atingir críticas à imigração, oposição à ideologia woke e desafios à hegemonia da UE. Mesmo aqueles que não se consideram como tendo opiniões particularmente controversas devem se preocupar com isso.
O que é considerado o dogma “aceitável” do dia muda tão rapidamente agora que você pode logo se encontrar do lado errado da ortodoxia dominante. Mas mesmo quando suas opiniões eram compartilhadas pela vasta maioria das pessoas há apenas alguns anos. Pois, não muito tempo atrás, era completamente normal e esperado dizer que homens não podem se tornar mulheres ou criticar políticos publicamente. Contudo, hoje, expressar isso online potencialmente causa problemas com a lei.
Privacidade das Mensagens Privadas e Segurança
De qualquer forma, todos nós devemos nos opor veementemente a qualquer pessoa bisbilhotando nossas mensagens privadas. Quão segura será essa tecnologia de escaneamento? Onde coletarão e armazenarão as informações e quem terá acesso? Qual será sua precisão? Gerará inúmeros falsos positivos e desperdiçará o tempo e os recursos já limitados das forças policiais? Dado o péssimo histórico da UE em tecnologia (sistemas frequentemente não funcionam como deveriam ou demonstram vulnerabilidade a violações de segurança ). Ademais, há poucos motivos para acreditar que algo tão sensível e complexo como escaneamento em massa de mensagen tratar-se-á com competência ou segurança.
Mesmo que fosse, os europeus ainda merecem o direito à privacidade. Não querer que a UE leia suas mensagens privadas e e-mails não deveria ser uma preocupação marginal ou domínio de teóricos da conspiração. Mas uma exigência básica que todos tenham o direito de guardar segredos, por mais banais que sejam. Afinal, isso permite-nos falar livremente e pensar criticamente. Pois se escanearem e monitorarem todas as reflexões online, não há como a liberdade de expressão sobreviver. Com o Controle de Chats, Bruxelas corre o risco de agravar a já sufocante cultura de autocensura na Europa.
Uma vez que a infraestrutura para censura estabeleça-se, a tentação de expandi-la será grande demais para a UE resistir. Pois vimos como ferramentas projetadas para combater “conteúdo nocivo” transformam-se em instrumentos para policiar a dissidência política e suprimir opiniões controversas. Logo, o Controle de Chats não será diferente, enquanto a vigilância em massa raramente é revertida, mas quase sempre é ampliada.
Artigo publicado originalmente em European Conservative, sob o título “The EU’s Plan To Kill Private Messaging”. Traduzido por Samara Oliveira Barricelli.