Voegelin: A Sociedade Aberta de Popper e seus Inimigos

Inigualável em termos de crítica severa: Voegelin opina sobre o trabalho de Karl Popper, em correspondência com Leo Strauss

A teoria social de Karl Popper tornou-se a base dos cursos universitários de ciência política e sociologia há muito tempo. Para alguns, considerado “campeão do racionalismo crítico” e um dos “filósofos mais importantes do século XX”.

Uma das aplicações mais impactantes de sua teoria social, especificamente, pensamentos sobre a “sociedade aberta”, obteve validação pela Open Society Foundations, fundada por George Soros. Conquanto Soros tem conceito aparentemente despretensioso: aplicar “trabalho filantrópico” para “abrir sociedades fechadas”. Logo, a Open Society Foundations orgulha-se de investir dinheiro para acabar com o Apartheid Sul-Africano, alcançar “igualdade no casamento” nos EUA. Ou seja, lutar pelos direitos LGBT, além de envolver-se no “cultivo da democracia” pelo mundo.

As Fundações consideram-se um “motor para a mudança social”, onde considerarem adequado. Sendo assim, tem por objetivo desses esforços: criar um “mundo mais aberto”, de acordo com sua estrutura ideológica.

Popper contra Platão

Quando publicaram o livro de Popper, em 1945, não houve aclamação unânime, enquanto examinava o pensamento de Platão, Hegel, Marx e outros. Na obra, afirma que as filosofias sociais e políticas desses pensadores demonstram todas as qualidades essenciais que sustentam os sistemas totalitários. Popper denuncia Platão como propagandista que acreditava que quanto mais uma sociedade afastasse do estado de natureza à liberalização e emancipação das tradições, mais decairia. Platão via esses desenvolvimentos como sinais de decadência, degeneração e deterioração. Ou seja, o pensamento de Platão leva a “sociedades fechadas”.

A proposta antitética de Popper era uma “sociedade aberta”, caracterizada não pela abordagem sistemática pré-planejada (que supostamente detectou em Platão). Mas, sim, por abordagem pluralista, baseada na evolução contínua, na capacidade de melhorar e administrar a autocorreção quando e onde necessário. Por conseguinte, gerou a famosa ideia de que a sociedade deve ser tolerante, mas somente com aqueles que considera “tolerantes”.

“Se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então destruirão os tolerantes, e a tolerância, com eles”. (Karl Popper)

Essa ideia transformar-se-á na “tolerância repressiva”, elaborada por Marcuse, da Escola de Frankfurt.

Eric Voegelin sobre a obra de Karl Popper

A intensa crítica de Popper a Platão é evocada por ninguém menos que o proeminente pensador platônico e prodígio político Eric Voegelin. Conquanto apresenta o resultado de seus estudos platônicos dentro do contexto mais amplo da ciência política e sua obra-prima, “Ordem e História”.

A opinião de Voegelin sobre Popper é tão revigorante quanto condenatória. Ademais, é oportuno citar sua correspondência com Leo Strauss de 1950. “Posso pedir que me diga, algum dia, o que você pensa do Sr. Popper?”, pergunta Strauss, sem esconder sua própria impressão negativa:

“Ele palestrou aqui, sobre a tarefa da filosofia social. Mas que palestra desprezível, positivismo mais desbotado e sem vida tentando assobiar no escuro, ligado a uma incapacidade completa de pensar “racionalmente”. Embora se passasse por “racionalismo” — era muito ruim”. (Leo Strauss, 1950).

Voegelin, que aparentemente só esperava por uma oportunidade para expressar sua frustração, não conteve-se:

Caro Sr. Strauss,
A oportunidade de dizer algumas palavras profundamente sentidas sobre Karl Popper a uma alma gêmea é preciosa demais para suportar uma longa espera. Este Popper tornou-se, há anos, não exatamente pedra na qual tropeça-se, mas pedra incômoda, que preciso continuamente tirar do caminho. Visto que constantemente empurrado para mim por pessoas insistindo que seu trabalho sobre a Sociedade Aberta e seus Inimigos está nas obras-primas das ciências sociais de nossos tempos.

Após confirmar sua impressão negativa do livro Open Society que acabara de ler, Voegelin elabora:

Sinto-me completamente justificado em dizer, sem reservas, que este livro é uma porcaria atrevida e diletante. Cada frase, um escândalo. Mas ainda é possível destacar algumas das principais irritações.

Voegelin prosseguiu explicando que Popper retirou as expressões “sociedade fechada” e “sociedade aberta” das Duas Fontes de Bergson. Popper as adotou, segundo Voegelin, “porque lhe soam bem”. No entanto, omitiu o “significado religioso” que Bergson tanto preocupou-se em criar com elas. Voegelin acrescentou: 

Talvez eu seja sensível demais a essas coisas. Mas não acredito que filósofos respeitáveis como Bergson desenvolvam seus conceitos com o único propósito de que a escória dos cafés tenha algo a estragar.

Falsificação de Popper

Segundo Voegelin, o conceito bergsoniano original de “sociedade aberta” era “filosófica e historicamente sustentável”, enquanto a falsificação insustentável de Popper”: um lixo ideológico”. Além disso, Voegelin detectou o completo desconhecimento de Popper da literatura sobre Hegel e Platão, especificamente. Sua conclusão não poderia ser mais severa:

Popper é filosoficamente tão inculto, tão primitivo e briguento ideológico, que não consegue reproduzir corretamente, nem de perto, o conteúdo de uma página de Platão. Ler não lhe serve; é demasiado desprovido de conhecimento para compreender o que os autores dizem. Em resumo: o livro de Popper é um escândalo sem atenuantes; em sua atitude intelectual, é o produto típico de um intelectual fracassado; espiritualmente, seria preciso usar expressões como “malandro”, “impertinente”, “bruto”; em termos de competência técnica, como peça na história do pensamento, é diletante e, por conseguinte, inútil.

Esta crítica mordaz não conseguiria ser mais apropriada, considerando os muitos efeitos negativos da teoria social e filosófica de Popper. Pois, a suposta abertura e tolerância irrestritas de Popper ignoram necessidade de limitações e limites na sociedade, necessários à estabilidade e a segurança sustentáveis. Os defensores dessa teoria defendem uma sociedade inteiramente “aberta”, sem restrições razoáveis. Mas ignoram a erosão da coesão social e a proliferação de ideologias nocivas que ela efetivamente possibilita. Os efeitos disso evidenciam-se hoje; os projetos de George Soros servem de exemplo.

Além disso, a teoria de Popper carece de soluções adequadas aos desafios práticos que sua implementação, para o bem ou mal, exige. Pois sua visão idealista ignora seu potencial de exploração por grupos de interesse pequenos e mal-intencionados. Ademais, apaga a crítica construtiva pela raiz, visto que a tolerância só exerce-se por aqueles que já compartilham a mesma mentalidade. Uma tolerância “aberta” não consegue garantir salvaguardas contra o sequestro pela ideologia. Na verdade, levará à radicalização daqueles que a abraçam, a ponto de aliarem-se às mesmas forças que afirmam superar.

Originalmente publicado em European Conservative, sob o título “Voegelin on Popper’s Open Society and Its Enemies“. Traduzido por Roberto Lacerda Barricelli.



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