Um Clássico de Horror: “Drácula, A História Nunca Contada”

Incrivelmente uma leitura de ‘redenção’ do maior dos monstros soube explorar lendas de sua origem sem dobrar-se às agendas ideológicas, produzindo um novo Clássico do Horror

“Dracula, A História Nunca Contada” (2014) é um filme americano dirigido por Gary Shore, produzir por Michael de Lucca e distribuído pela Universal Pictures. Geralmente, classificado como Ação e Terror, ou Drama e Ficção, ou uma mistura desses todos. Porém, devemos considerar como um Clássico de Horror.

Um Clássico de Horror no Século XXI

O leitor de críticas cinematográficas acostumou-se à postura empolada dos sabichões de suspensórios e voz arrastada. Aliás, por mais moderninhas que as redações declarem-se, são repletas desses seres enfadonhos. Ademais, não intento opinar sobre a atuação de Luke Evans (Vlad, O Empalador | Drácula), ou Dominic Cooper (Mehmmed II), ou Sara Gadon (Milena).

Tampouco opinarei sobre a precisão histórica acerca das lendas romenas, ou da Transilvânia. Bastará ao leitor conhecê-las, para julgar por si mesmo. Porém, é necessário diferenciar os gêneros “terror” e “horror”. Sendo assim, como classificar corretamente?

Recorro ao exemplo mais conhecido e simples: Edgar Allan Poe, é o Pai do Terror, enquanto H. P. Lovecraft, é o Pai do Horror. Mas o que isso significa? Terror mexe com nossos medos mais profundos e pode ter um fundo sobrenatural. Todavia, o horror trata de monstros, de criaturas monstruosas. O Corvo do poema de Poe é representante d’uma determinada simbologia, de certos medos, de terrores nas profundezas de nossas mentes. Mas o Cthulhu de Lovecraft é uma criatura gigantesca, parte humanoide, polvo e dragão, uma figura horrenda, evocando o pavor imediato.

Veja! Temer um maníaco mascarado com uma força maior do que a maioria, ou um psicopata com uma Serra Elétrica… Ou canibais deformados e enlouquecidos no meio da floresta. Ou até um fantasma, ou demônios. Tudo isso é palpável de ser temido, ou melhor, de aterrorizar nosso imaginário, criar medos tidos por irracionais, nossos piores pesadelos etc.

Mas, é razoável temer dar de cara com um Vampiro, Lobisomem, Polvo-Dragão gigante etc? Quem tem isso no fundo da alma? Portanto, nos causa horror a visão desse seres. Por isso, classificamos como horror qualquer filme sério sobre Drácula. Mas raríssimos como um Clássico de Horror.

Por que um Clássico?

Ainda que o termo Clássico refira-se originalmente aos períodos de melhor produção em determinada arte, ele adotou mais um significado nesta Era.

Por exemplo, a Grécia Antiga é o período universal dos Clássicos Gregos da dramaturgia, filosofia e mitologia. Mas a Era de Shakespeare é o período clássico da mais elevada dramaturgia inglesa, como a de Gil Vicente o é para a dramaturgia portuguesa. Portanto, podemos definir uma Era a partir de seus autores, ou um autor de tal monta que superar os anteriores e posteriores.

Entretanto, há autores que produzem certas obras de tamanha qualidade literária, artística, musical etc., que as chamamos “obras clássicas”. Ou seja, que são dignas dos elevados padrões do período clássico. Ora, isso significa que um clássico é também uma referência da expressão de determinada arte ou gênero. Sendo digno dos gênios que estabeleceram os períodos.

Como Dostoiévski não é Cervantes, ou Dickens não é Shakespeare, ou nenhum desses são Eurípedes. Mas, são referências máximas em seus gêneros literários dentro de suas culturas ‘nacionais’, e expressões artísticas dignas dos clássicos universais.

Assim, o Drácula, de Bram Stoker, é um clássico da literatura de horror, como o Frankenstein, de Mary Shelley, e o Cthulhu, de Lovecraft. E o “Drácula de Bram Stoker” é um Clássico de Horror no cinema, assim como o Drácula (1931) de Bela Lugosi e a leitura criativa-histórica do “Drácula, A História Nunca Contada”. Ou seja, referências dignas da alta literatura em seus gêneros dentro da Sétima Arte.

Demonstrando

Qualquer besta que se debruce sobre os estudos básicos da obra de Bram Stoker, descobrirá a lenda de Vlad, O Empalador. Aliás, o autor soube extrair d’uma lenda de terror, sobre um nobre da Transilvânia cuja memória é capaz de aterrorizar os mais supersticiosos e crédulos, um Clássico do Horror ‘gótico’. A verdadeira (e única possível) transição de gênero.

Vlad II era da Ordem do Dragão, fundada para defender sua região da invasão do Império Otomano. Portanto, recebeu o apelido Dracul (Dragão), e seu herdeiro o de Draculea (Filho do Dragão). No entanto, também pode significar “diabo” numa variação. E os inimigos de Vlad III souberam usar dessa artimanha.

Aliás, o Conde Empalador colaborou através da fama de cruel. Pois espalharam-se notícias de suas barbaridades, principalmente das refeições diante dos inimigos empalados, enquanto estes gritavam até a morte. Draculea virou “Filho do Diabo”, e o conde, Vlad, O Empalador.

Todas essas informações da lenda são brilhantemente exploradas na obra de 2014. Até a transição de gênero ocorre no filme, que começa com um homem cujas ações legaram um apelido que aterroriza o imaginário dos inimigos. Com a questão: quando um homem se transforma num monstro? Para a criatura capaz de nós horrorizar, mas não gerar temores imaginários (só em pessoas de saúde mental muito duvidosa).

Drama, Ação e Ficção

Há cenas de ação, conteúdo dramático e, claro, muita ficção envolvida na construção do Vampiro. Todavia, não são gêneros dentro do gênero, ou subgêneros. Mas elementos constituintes da obra em colaboração com seu gênero. N’outras palavras, participam do enredo ativamente, mas não alteram o ‘espírito’ da obra.

Há discussões filosóficas e sociais, por exemplo, do que um pai é capaz por um filho? Um marido por sua esposa? O príncipe por seu povo e seu reino? Submeter-se à injustiça e à escravidão, em troca d’uma sensação de segurança e falsa paz fabricada? O que somos capazes de nos tornar para cumprir com nossos mais sagrados deveres?

Contudo, não há promoção de agendas ideológicas ou políticas,, ou nada perceptível. Há valores, instituições e o próprio Deus acima da falsa paz e da submissão. Das virtudes acima da torpeza moral e da fortaleza sobre a covardia. Pois vemos um homem arrependido dos crimes d’outra época, em busca da redenção pelo sacrifício em nome de seu povo e sua família. Apoiado por uma mulher temente a Deus.

Tudo isso dentro d’uma Clássico do Horror!

Clássico de Horror sem Sequência?

A cena final deixa a desejar e aponta para uma sequência que jamais veio. Portanto, não faz jus ao restante da obra. Ainda assim, recomendo o filme para todas as famílias

Quem não tem suas próprias trevas? Não luta contra maus pensamentos, ou desejos infames, ou ‘demônios internos’? Mas quantos abraçam essas trevas para salvarem o que mais amam, e aceitam o sacrifício como consequência? Afinal, o salário do pecado é a morte…

“Drácula, a História Nunca Contada” é referência, modelo, obra clássica do gênero. Mas sem perder a única qualidade admirável possível de encontrar numa produção moderna: a sua capacidade de chocar sem ser rasa – só o choque pelo choque -, ou melhor, de horrorizar com classe.



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