“A Ilha Amity tinha tudo. Céu limpo. Ondas calmas. Água morna. As pessoas se aglomeravam lá todo verão. Era o local perfeito para alimentação.”
Em 20 de junho de 1975, os espectadores formaram fila para assistir a um novo filme, um filme de terror sobre um tubarão. E ele atendeu às expectativas, oferecendo sustos de tirar o fôlego enquanto o tubarão saltava na tela. A trilha sonora vibrante, de John Williams, tocava os centros de medo do espectador, sugerindo ameaça melhor do que qualquer tema de filme desde Psicose .
Premissa de Tubarão
A premissa de Tubarão se encaixa facilmente no gênero de um local de férias arruinado por uma ameaça repentina. Seja com pássaros pousando em Bodega Bay, ou Jason Voorhees aparecendo no Acampamento Crystal Lake. E, como esses filmes, há diversas interpretações possíveis.
Alguns a veem como uma parábola de fracasso governamental: o vilão não é o tubarão. Mas, sim, o prefeito estúpido e venal que recusa-se a fechar a praia. Porém, seria um alerta contra a promiscuidade litorânea? Ou uma punição pela depredação ambiental? Porém, seja qual for a interpretação, o tubarão em si não tem agência moral. Portanto, torna-se a ausência de significado, em torno da qual os personagens humanos movem-se.
Em outubro de 2021, visitei Londres para assistir a uma nova peça: The Shark Is Broken, de Ian Shaw, filho do ator de Tubarão, Robert Shaw. O jovem Shaw interpretou seu pai e, acompanhado por dois colegas de elenco como Roy Scheider e Richard Dreyfuss, retratou a ociosidade nos bastidores do set. Logo, os atrasos com o tubarão animatrônico significaram que eles tiveram bastante tempo para conversar sobre o barco modelo. Pois, a produção se estendeu por semanas além do cronograma.
Drama no Set
Shaw agoniza com sua situação fiscal. Mas Dreyfuss é ora arrogante, ora neurótico. Afinal, era um de seus primeiros filmes. Scheider, um talentoso ator de televisão e teatro, aparece como o mediador entre as duas personalidades. Depois de muitos falsos começos, brigas, reconciliações e ajustes de roteiro, nós os vemos encenar a cena crucial, na qual Shaw recita o discurso sobre o USS Indianapolis .
Para quem nunca viu o filme (ou esqueceu), o personagem de Shaw, Quint é um sobrevivente daquele navio, afundado pelos japoneses em 1945. Acabara de entregar à base americana de Tinian os componentes da bomba que lançarão sobre Hiroshima. Conquanto o naufrágio jogou mais de 800 homens no Pacífico. Nos três dias seguintes, os tubarões mataram dezenas.
Essa é a dor pessoal de Quint, sua culpa de sobrevivente, sua vingança contra os tubarões. Também era apropriado para um filme feito no momento cultural pós-Watergate. Ou seja, relembrar uma tragédia de guerra. Pois os personagens refletiam diferentes versões de desilusão com o Estado.
O amargurado Quint removeu sua tatuagem naval. O chefe de polícia Brody mudou-se para Amity para fugir do que ele via como um colapso urbano na cidade de Nova York. Matt Hooper, o biólogo marinho, descobre o quão recalcitrantes as autoridades locais podem ser, mesmo com vidas ameaçadas.
Tubarão na Cultura
A ressonância cultural do filme é tamanha que uma peça ambientada durante as filmagens seria exibida nos dois lados do Atlântico mais de 40 anos depois. Ultrapassou um mero filme sobre criaturas, sendo assim, tornou-se um thriller. O drama é a reação humana à pressão, ao perigo. Três homens: um policial local, um pescador e um biólogo marinho. Todos trabalhando juntos para derrotar o tubarão.
Peter Benchley escreveu o romanc; um best-seller antes de adaptarem para o cinema. Benchley, jornalista e descendente d’uma família de escritores, escreveu um livro sobre suas viagens pela Europa e uma matéria sobre Nantucket para a National Geographic. Nesta, descreve os ritmos da comunidade e seu fluxo anual de turistas. Voltando-se para a ficção, inspirou-se para Tubarão, pelo menos em parte, numa série de ataques de tubarão em Nova Jersey em 1916. Mas, ainda, num grande tubarão capturado por um pescador na costa de Long Island em 1965. Ademais, percebe-se facilmente que Amity é baseado em Nantucket.
O romance contém subtramas e personagens adicionais, e foram necessários vários roteiristas, incluindo o próprio Benchley e Shaw, para transformá-lo num roteiro conciso. Como muitos bons filmes, Tubarão gerou uma série de sequências mais fracas. Mas foi Spielberg quem realmente teve sua chance. Ele teve outros sucessos de bilheteria, antecipando o público e retornando à ameaça animal com filmes como Jurassic Park. A tecnologia das criaturas melhorou. Poém, os temas são os mesmos: autoridades imbecis e gananciosas e heróis improváveis.
Mas Tubarão foi mais do que um filme de sucesso. Foi algo novo: o primeiro sucesso de bilheteria do verão
O filme mudou a fórmula de sucesso das bilheterias. O verão tornou-se o auge da temporada cinematográfica. Principalmente, à medida que os espectadores descobriam o conforto do ar-condicionado dos cinemas multiplex. Pois construíram dezenas nos EUA no início da década de 1970. Junto com a expansão do shopping, o multiplex transferiu o entretenimento para os subúrbios. Ademais, os estúdios passaram a lançar seus grandes filmes em junho, em vez do outono. Tubarão se tornou o filme de maior bilheteria. Todavia, apenas para ser ultrapassado alguns anos depois por Star Wars .
O filme deu um grande impulso à carreira de Benchley, que vendeu outros romances e se envolveu com a conservação marinha. Fez dos thrillers oceânicos sua especialidade, com “A Profundeza”, “A Ilha” e “A Fera” . Mas nenhum deles chegaria ao nível cultural de “Tubarão“.
Também criou uma indústria de tubarões. A Semana do Tubarão na televisão, com “Grande Branco” sendo um termo familia. Contudo, na verdade, é difícil imaginar o golfista Greg Norman recebendo esse apelido no início dos anos 80, se não fosse por causa de Tubarão .
Os tubarões não eram desconhecidos antes. Entretanto, Tubarão colocou-os no panteão dos horrores cinematográficos, além de escalá-los como vilões do mundo real. Isso incentivou a caça aos tubarões e também aumentou o interesse dos cientistas por eles.
Conclusão
No final, o tubarão mecânico pouco confiável provavelmente ajudou o filme. Pois para contornar sua ausência, Spielberg teve que inventar outras maneiras de retratar os ataques. Portanto, optou por cenas mais sugestivas do que gráficas: a perna de um nadador, uma nuvem vermelha na água, um grito.
O público conseguia imaginar o tubarão, mas muito pior do que a versão emborrachada na tela. Escondido na escuridão, justamente quando o espectador pensava estar seguro.
Tradução por Roberto Lacerda Barricelli do artigo “JAWS“, publicado original na Foundation for Economic Education (FEE).