Os livros de Alexandr Solzhenitsyn iniciaram uma lenta recuperação na Rússia que acabaria por levar a União Soviética ao lixo da história
Em 1929, o Politburo do Partido Comunista da União Soviética aprovou uma resolução que selou o destino econômico e a função do sistema de campos de concentração do país, o Gulag. A redação do documento dizia “Sobre a Utilização do Trabalho de Prisioneiros Criminosos”. Contanto, ela autorizava o Estado soviético a explorar a mão de obra gratuita de todos os prisioneiros na prisão da Ilha Solovetsky. Sendo assim, efetivamente transformaram a ilha numa plantação, e seus prisioneiros tornaram-se escravos nas mãos do próprio governo. Enviariam mais de 50.000 prisioneiros para a ilha muitos não retornariam. Mas Alexandr Solzhenitsyn teve a sorte de não estar entre estes últimos.
A Importância de Solzhenitsyn
Muitas histórias de prisão, interrogatório e tortura poderiam ter se perdido na lata de lixo da história se não fosse por Solzhenitsyn.
Dentro dos limites dos arquivos soviéticos abertos e dos relatórios desclassificados da CIA, agora conhecemos a plena participação dos prisioneiros do Gulag na economia russa. Por exemplo, indústria pesada, mineração e construção, somente algumas das áreas da economia russa dependentes do trabalho escravo dos prisioneiros do Gulag. Embora a motivação para o Gulag fosse tanto ideológica como econômica, acreditando no aperfeiçoamento do homem pelo trabalho, as consequências econômicas do sistema são inegáveis.
Presos conforme cotas, e não condenação probatória, a NKVD com frequência retirava os prisioneiros das casas, locais de trabalho ou diretamente das ruas. Aliás, muitas histórias de prisão, interrogatório, tortura e viagem ao campo perder-se-iam na lata de lixo da história sem Alexander Solzhenitsyn.
O Gulag como um Recurso Econômico
Desde o seu início, o Gulag pretendia ter um impacto significativo na vida da economia soviética. O sistema prisional stalinista do Gulag da década de 1930 auxiliou na construção do malfadado Canal do Mar Branco. Mas estreito e raso demais para o tráfego marítimo ou comercial. Iniciado na segunda metade de 1930, construíram o canal em dois anos, absorvendo cerca de 100.000 prisioneiros do Gulag. Sob o controle da NKVD, apressaram a construção do canal, utilizando muito pouca engenharia em seu planejamento ou construção.
Tirar tantos engenheiros e cientistas da população e colocá-los para trabalhar nos campos como inimigos de classe atrapalhou o crescimento da indústria soviética.
Parte integrante dos Planos Quinquenais de Stalin dizia respeito à indústria pesada, à mineração de minerais e às matérias-primas. Portanto, enviavam prisioneiros políticos com longas penas de prisão às minas de ouro de Kolyma, no extremo leste da URSS. Ou para as minas de carvão da Bacia de Karaganda. Na maioria dos casos, administravam tão mal os campos que a análise de custo-benefício colocava a operação no vermelho, resultando em prejuízo líquido.
Houve enorme custo de oportunidade em retirar tantos engenheiros e cientistas da população soviética, acusá-los de inimigos de classe e operá-los em campos de concentração. Assim como prejudicou o crescimento da indústria soviética. Conquanto usaram esse método na deskulakização da nação por Stalin. Pois os kulaks contrariavam a economia cuidadosamente planejada. E Anne Applebaum teorizou ser essa uma das principais razões pelas quais a União Soviética encontrou dificuldade para alcançar o Ocidente.
A extensão do Arquipélago Gulag
Desde suas origens nas Ilhas Solovetsky, no Mar Branco, até as infames minas de ouro de Kolyma, no extremo leste do Império Soviético. O Gulag estendia-se d’uma ponta a outra do país. A polícia secreta soviética e as políticas de terror “integravam do sistema soviético“. Por conseguinte, uma parte metabólica do DNA estatal ali inserida pelo próprio Lênin. Um aparato de esteira rolante, destinado a penetrar profundamente nas cidades soviéticas, extraindo o minério de pessoas inocentes depositadas na experiência dos campos de concentração. Além disso, alimentava um sistema de campos em todas as principais cidades russas, em seus doze fusos horários.
Muitos historiadores ocidentais insistem que nos campos de trabalho corretivo dos socialistas russos como simplesmente herança dos tempos czaristas. Isto é, que Lenin e Stalin não os inventaram, mas simplesmente os complementaram a um sistema já existente. No entanto, quando comparados ao número real de prisioneiros nos campos e aos tipos de prisioneiros sob o czar russo em 1917 (somente 28.600, a maioria criminosos), os milhões nos campos da era Lenin — e Stalin — destacam-se como o afloramento do DNA do sistema.
A extensão econômica do Gulag e seus efeitos devastadores sobre o povo russo seriam totalmente visíveis no mundo todo nos anos seguintes.
Não há como confundir a extensão do Gulag. Pois em seu auge, 15% de toda a população soviética envolvia-se no sistema de campos n’algum nível como “inimigos de classe”. Acusados e condenados por cotas e não por provas criminais. Os kulaks — assim chamados por Stalin e os Jovens Pioneiros —, prisioneiros de guerra e qualquer um pego na rede do Artigo 58 do Código Penal Soviético. Todos jogados no lamaçal do campo ou forçados a confissões e vidas desperdiçadas.
Arquipélago Gulag, de Aleksandr Solzhenitsyn
Toda a extensão do Gulag e suas pretensões socialistas de proteção estatal e perfectibilidade humana acabaram expostas ao mundo pelo autor Alexandr Solzhenitsyn. Libertado da prisão, tanto como trabalhador do campo quanto durante o exílio, em 1956. Solzhenitsyn escreveu “Um Dia na Vida de Ivan Denisovich”, um relato fictício de um prisioneiro do Gulag. Outros livros sobre a opressão soviética seguiriam. Incluindo sua obra-prima “O Arquipélago Gulag“, que, em três volumes, narrava a história e o funcionamento interno do sistema de campos de prisioneiros do Gulag.
Os leitores soviéticos receberam Solzhenitsyn com alívio e curiosidade. Ademais, a ponto de o próprio premiê soviético Nikita Kruschev autorizar a publicação de “Um Dia na Vida de Ivan Denisovich” em 1962. Assim como leram muitos membros do Politburo leram a obra. Logo após seu lançamento, descontinuaram a obra na União Soviética, retirando cópias de bibliotecas e livrarias. Mas não importou. A extensão econômica do Gulag e seus efeitos devastadores sobre o povo russo seriam amplamente divulgados globalmente nos anos seguintes.
Reação a Alexander Solzhenitsyn
Quando libertado da prisão em 1956, Solzhenitsyn vivia num mundo livre de Josef Stalin. Imediatamente, Solzhenitsyn começou a escrever. Porém, houve recepção soviética a “Um Dia na Vida de Ivan Denisovich“ tão dramática e abrangente que a maioria dos que viviam na URSS pensou que a censura governamental acabara. O livro tornou-se um best-seller instantâneo na União Soviética e no cenário internacional.
Alguém finalmente expôs a carnificina do sistema socialista russo e motivou outros dissidentes soviéticos a juntarem-se ao movimento dissidente russo na década de 1960. Por exemplo, o renomado físico russo Andrei Sakharov. Solzhenitsyn tornou-se uma figura tão galvanizadora que o expulsaram da União Soviética em 1974. Mas após escrever e enviar manuscritos de “O Arquipélago Gulag” para publicação internacional. Seus livros iniciaram uma lenta combustão na Rússia que acabaria por lançar a União Soviética no monte de cinzas da história.
Aqueles que leram a obra de Solzhenitsyn foram alertados pela história e receberam um modelo para uma resistência ponderada à tirania.
Retornando para Casa
Alexander Solzhenitsyn escreveu constantemente durante seu exílio em Vermont e sonhava em um dia retornar ao seu país natal. O impossível concretizou-se quando Solzhenitsyn retornou à Rússia logo após o colapso da URSS em 1991. O impacto de seus escritos durante sua ausência silenciosamente instigou a opinião pública a reconhecer a verdade do sistema socialista decadente. Mas pouco fizeram para estabilizar a estrutura política da Rússia.
Portanto, ocorreu a queda em dominó de todas as nações do Bloco Oriental na esfera soviética. Sendo rápida e definitiva, com ditadores comunistas como o romeno Nicolae Ceausescu depostos por seu próprio povo. O Arquipélago Gulag é agora leitura obrigatória no ensino médio na Rússia e conhecido em todo o mundo. Aqueles que leram a obra de Solzhenitsyn veem-se alertados pela história. Assim como presenteados com um modelo para resistência ponderada à tirania. Que nunca mais a usemos como tal.
Publicado originalmente na FEE, intitulado “Solzhenitsyn and the Economic Lesson of Soviet Gulags“. Traduzido por Roberto Lacerda Barricelli.
Acho que o Gulag soviético era uma forma muito eficiente de reciclagem de engenheiros e cientistas para trabalhos desembaraçados. Acho que Solzhenitsyn merece um Oscar pela narrativa, e Kruschev pela publicação incentivada. Acho que a União Soviética encontrou dificuldade para alcançar o Ocidente, mas talvez fosse por não ter um canal marítimo tão construído como o Canal do Mar Branco – só que com menos engenheiros e mais prisioneiros. Uma lição econômica bem aprenderizada, não é?vòng quay ngẫu nhiên