Apesar de tanta censura, grave e generalizada, o documentário do Sacré-Cœur, sobre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, ainda conquista o coração do público francês
A iniciativa é bastante incomum: o ex-vocalista d’uma boy band de sucesso dos anos 90 converteu-se ao catolicismo. Agora, acaba de lançar um documentário, glorificando o Sagrado Coração. O filme, que acaba de estrear nos cinemas franceses, tornou-se alvo de censura nacional. Com agências de publicidade e autoridades locais recusando-se a exibi-lo sob a alegação de “violações do laicismo”. Apesar disso — ou talvez por causa disso —, Sacré-Cœur virou um sucesso de público.
Steven Gunnell: Da Queda ao Catolicismo
A carreira de Steven Gunnell, filho d’um roqueiro britânico radicado na França, teve muitas reviravoltas. Nos anos 90, dividiu o palco com outros três jovens na banda de rock Alliage. Ademais, bastante conhecida entre as adolescentes, alcançando certo sucesso na cena pop francesa.
Após a separação da banda no início dos anos 2000, Steven Gunnell passou por um período difícil e mergulhou no alcoolismo. Sua conversão ao catolicismo o ajudou a recuperar-se, e decidiu colocar sua carreira artística a serviço de sua fé. Sendo assim, depois de compor e interpretar músicas inspiradas no catolicismo, voltou a atenção à produção do documentário intitulado Sacré-Cœur: son règne n’aura pas de fin. (Sagrado Coração: Seu Reinado Não Terá Fim).
No documentário, explora a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Porém, devoção em particular com uma história muito francesa.
Devoção ao Sagrado Coração de Jesus em França
Há trezentos e cinquenta anos, em 1675, uma freira da Congregação da Visitação, da Borgonha, Marguerite-Marie Alacoque, teve visões do Sagrado Coração de Jesus. Mas que também pediu-lhe para trabalhar pela difusão da devoção a Ele.
Em 1689, Ele pediu a Marguerite-Marie que fosse até o rei Luís XIV e solicitasse a consagração da França ao Sagrado Coração. Assim como a inclusão da imagem nos estandartes do reino. O rei ignorou o pedido, mas pouco mais de um século depois, o Sagrado Coração acabou adotado como um emblema pelos contrarrevolucionários. Isto é, por aqueles comprometidos com a defesa de seu rei e de sua fé durante o Reinado do Terror, em 1793.
Outro pedido semelhante ocorreu ao presidente Raymond Poincaré durante a Primeira Guerra Mundial, feito por outra freira, Claire Ferchaud — novamente sem sucesso. A basílica dedicada ao Sagrado Coração domina Paris há 150 anos e é um dos lugares mais visitados da capital.
O filme de Gunnell, feito com sua esposa Sabrina, conta a história dessa devoção ao Sagrado Coração. Mas desde as aparições de Santa Margarida Maria até os dias atuais. Conquanto alterna entre narrativa histórica, reflexões espirituais sobre o amor de Cristo e testemunhos de pessoas convertidas por seu Sagrado Coração.
Censura contra o Sacré-Cœur disfarçada de Neutralidade
Após seu lançamento, receberam o documentário com uma forte onda de hostilidade. A Mediatransports, agência de publicidade da RATP (autoridade de transportes de Paris) e SNCF (companhia ferroviária nacional), recusou-se a veicular cartazes promocionais do filme. Pois considerou-o demasiado “confessional e proselitista”. Portanto, “incompatível com o princípio da neutralidade do serviço público”.
Não é a primeira vez que a Mediatransports censura temas da identidade cristã. Em 2015, a agência recusou uma campanha publicitária para um concerto, alegando que este era organizado “em benefício dos cristãos orientais”, pelas mesmas razões.
A neutralidade do serviço público é uma desculpa conveniente. Pois todos os anos os corredores do metrô de Paris são cobertos por campanhas de instituições de caridade islâmicas. Assim como anúncios de alimentos direcionados a muçulmanos durante o Ramadã.
Denúncia de Perseguição
Hubert de Torcy, diretor do grupo SAJE Distribution, responsável pela distribuição de Sacré-Cœur, acredita que a decisão da Mediatransports é injusta: “O tema do filme faz parte da história e da cultura francesa”, explicou ao Le Figaro.
Em entrevista à Europe 1, o diretor Steven Gunnell destacou o absurdo de tolerar cartazes de filmes ostensivamente anticristãos em espaços públicos. Por exemplo, A Freira, O Exorcista e Invocação do Mal. Mas rejeitar Sacré-Cœur.
Campanha contra Sacré-Cœur
Sacré-Cœur tem muitos detratores. O jornal progressista La Croix, embora oficialmente católico e distribuído em muitas paróquias e comunidades religiosas, publicou um artigo condenando o filme. Mas também o acusabdo de “reforçar os laços entre o catolicismo e a extrema-direita”. Uma acusação dirigida ao bilionário católico conservador Vincent Bolloré, dono do canal CNews, que ajudou a financiar o filme.
“Não trata-se de criticar um filme, mas mostrar o que seus apoiadores dizem sobre ele”, diz o artigo coletivo publicado por La Croix. Aliás, que aprecia esse tipo de estigmatização. O filme estreou em 1º de outubro em 150 cinemas por toda a França — pouco mais de um por departamento. Mas sem qualquer divulgação publicitária nacional.
A ofensiva também espalhou-se aos próprios locais onde o filme estava sendo exibido, com alguns municípios simplesmente se recusando a permitir que ele fosse exibido em seus cinemas.
Tentativa de Censura em Marselha
Um caso em particular ganhou as manchetes: o de Marselha. Exibiriam o filme no Château de la Buzine — um local icônico. Pois imortalizou-se o castelo pelo escritor e cineasta provençal Marcel Pagnol em sua obra Le Château de ma mère (O Castelo da Minha Mãe). Desde então, tornou-se um centro cultural. Porém, acabou retirado da programação pelo prefeito socialista Benoît Payan, somente uma hora antes da exibição. Sob a alegação de que tratava-se de “um ataque ao laicismo”, após denúncia d’um funcionário da prefeitura.
“A decisão de não realizar esta exibição num espaço municipal está em estrita conformidade com a lei. Um espaço público não pode sediar exibições que, por sua natureza e conteúdo, sejam de caráter religioso”. Explicou a prefeitura num comunicado à imprensa.
Reação Política e Judicial
Diversos políticos de centro e de direita protestaram contra a decisão. “Depois de colocar os judeus na lista negra, agora são os católicos!”, exclamou indignado o presidente da região, Renaud Muselier. Franck Allisio, candidato da Reunião Nacional às próximas eleições municipais em Marselha, denunciou a “cristianofobia” que assola a cidade.
Juntamente com o diretor, o senador conservador Stéphane Ravier, aliado próximo de Marion Maréchal, entrou com recurso administrativo urgente para suspender a proibição de exibição, denunciando “a falsa pretensão de laicidade seletiva”. O tribunal decidiu a favor deles, considerando que a decisão do prefeito “constituiu violação grave e manifestamente ilegal da liberdade de expressão, da liberdade de criação artística e da liberdade de distribuição artística”. A distribuição d’um filme de temática cristã não constitui violação da laicidade.
Num gesto de reconciliação, o prefeito socialista finalmente atendeu o telefone para ligar ao diretor, chegando a prometer comparecer a uma exibição do filme. Como sempre acontece nesses casos, a censura só serviu para fortalecer a motivação do público. O filme entra em sua quinta semana em cartaz, prestes a ultrapassar a marca de 300 mil espectadores.
Publicado originalmente em The European Conservative, intitulado “

 
                                     
                                     
                                     
                                     
                
 
                                 
                                 
                                 
                             
                             
                             
                                            