Como transformaram um mito de justiça, lealdade e fortaleza, num símbolo revolucionário, e porque você deve assistir ao desenho da Disney com seus filhos
Ao longo dos últimos 200 anos o simbolismo de Robin Hood passou d’um indivíduo de princípios, leal ao bom Rei e lutando por justiça, para um revolucionário rasteiro. Ou seja, um ‘fora da lei’ que luta contra a ‘desigualdade; a boa e velha banalização da imagem do criminoso. Mas, pior, d’alguém que promove a ‘justiça social’ através do roubo. O lema é “roubar dos ricos para dar aos pobres”. Com certeza, uma ideia que dá arrepios de prazer nos pseudointelectuais e filhinhos(as) de papai que brincam de cuidadores dos pobres, de “guerreiros da ‘justiça social'”. Mas desejam a guilhotina para crianças e odeiam pobre que não se dobra às suas birras.
Essa simplificação do personagem é absurda e causa interpretações equivocadas, ou reinterpretações ideológicas para promoção de agendas destrutivas à sociedade. Porém, infelizmente, é provável o mau caratismo dos ‘intérpretes’. Pois os anacronismos, o descarte do contexto, a ignorância das origens etc., são indignos d’um pesquisador e analisa sério. Quiçá d’um acadêmico, um professor, um ‘especialista’ e tutti quanti se consideram integrantes da intelligentsia nacional.
As Origens de Robin Hood
Robin Hood surge primeiro como lenda em canções na Inglaterra do século XIII, sobre um indivíduo que teria vivido neste ou no XII. Mas há a possibilidade de o personagem ser a junção de diversos outros indivíduos, que viveram em ambos os séculos. Como essa tradição medieval é quase toda oral, os primeiros escritos que chegaram à posteridade datam do século XIV. Estes, baseados nas baladas sobre o herói e seu grupo.
N’algumas das composições, o herói teria vivido sobre o reinado de Edward II. Todavia, as origens de Robin Hood eram similares na maioria das vezes. Um indivíduo que lutou ao lado do Rei Ricardo Coração de Leão, na Terceira Cruzada, e se visto pilhado de suas terras e direitos sanguíneos no retorno, pelo Rei João Sem Terra. Por causa de tamanha injustiça sentida na pele, após seus melhores anos à serviço da Coroa, mas do que da Igreja, e lealdade à figura do antigo Rei, Robin Hood rebela-se.
Com seu grupo de “homens alegres”, combate a tirania do Xerife de Nottingham, d’um sacerdote corrompida (às vezes Bispo, outras Arcebispo, raríssimas vezes um monge) e do Rei João. É aqui que a lenda torna-se um mito, que a leitura ideológica deturpará. Afinal, num contexto em que a própria nobreza é destratada pelo Rei, que o Xerife abusa da exploração do povo através de impostos tirânicos, e um sacerdote importante acoberta e lucra… Como simplificar para “roubar dos ricos e dar aos pobres”, tampouco em nome d’uma ‘justiça social’, cujo conceito é pós-moderno?
A Disney Preservou o Mito
Numa época sem a famigerada ‘lacração’, os Estúdios Disney souberam preservar com alto grau de fidelidade o mito de Robin Hood. Ademais, recomendo que assistam com seus filhos! É a animação de 1973, roteirizada por Ken Anderson e Larry Clemmons, e dirigida por Wolfgang Reitherman. Você encontra no Disney+, ou por download na internet (contato@ivcairu.org para mais informações).
Essa animação utiliza animais antropomórficos para dar vida aos personagens. Aliás, ferramenta literária usada por grandes fabulistas como Esopo e La Fontaine, ou intelectuais do nível de Raimundo Lúlio (Ramon Llul). Portanto, afetações são desnecessárias e mesquinhas. A Disney escolheu a raposa para Robin Hood; que é símbolo de sabedoria e lealdade, não de ‘esperteza’ e ‘engano’ (reinterpretação pós-moderna). Quem deseja entender melhor esse símbolo, pode ler “O Pequeno Príncipe“, de Saint-Exupéry.
Outra escolha interessante e respeitosa às origens de Robin Hood: o galo como canto-narrador. Conquanto, as histórias começam com as canções medievais e o galo é o animal que com seu canto nos desperta. Também simboliza a vigilância, a coragem e a renovação! Bem, não à toa o sacerdote corrupto é representando por uma serpente venenosa e hipnótica, Chio (conselheiro do Rei João). Já o Xerife é um Lobo e o Rei João um Leão franzino e covarde. Para João Pequeno, escolheram o Urso, e ao Frei Tuck, uma Toupeira.
Aliás, a Toupeira é também reinterpretada como um animal cego e na ignorância da escuridão. Entretanto, ser capaz de guiar no escuro, encontrando a Luz, usando outros sentidos que não a visão, faz da Toupeira um símbolo de “percepção metafísica”, capaz de nos guiar das Trevas à Luz. O par romântico de Robin Hood, sua Lady Marian, é uma raposa fêmea.
Tradição e Lealdade em Robin Hood da Disney
Não há ‘casais’ formados por espécies diferentes. Raposa com Raposa, Coelho com Coelha, Cachorro com Cadela etc. etc. Ademais, a interação entre João Pequeno (Urso) e a dama de companhia (Galinha) de Lady Marian, não passa de amizade. Aliás, Donzela Marian, na versão em português. Ou seja, reafirmando as virtudes da personagem: fidelidade, castidade, amabilidade etc.
Os casais têm filhos, alguns em quantidade, como a Sra. Coelha, e os Guaxinins. Porém, a Donzela Marian quer um “time inteirinho”. Não há qualquer agenda anti-família e anti-filhos, ao contrário. As boas amizades e os bons conselheiros são valorizados, enquanto as más companhias e os maus conselheiros são expostos. Quando Frei Tuck enfrenta o Xerife (vias de fato) em defesa dos pobres, e vai à masmorra, com o boato de sua condenação à execução espalhado por João… Robin Hood e seu grupo não pensam duas vezes, e correm par acudir ao amigo, mesmo sabendo que é uma armadilha.
A sagacidade de raposa do personagem é primordial nesse momento, contudo, usada ao bem, objetivamente à correção d’uma injustiça. Onde está o “fora da lei” e revolucionário? Título que Robin Hood despreza nas primeiras cenas, ironizando o lema deturpado com a frase “tomamos emprestado dos mais afortunados”.
Roubar dos Ricos e Dar ao Pobres?
Para um ideólogo com necessidade de autoafirmação das próprias ideias, deve ser lindo enxergar Robin Hood como um bandido que corrige ‘injustiças sociais’. No entanto, o contexto é outro e afasta essa hipótese. Trata-se d’um Cruzado, pilhado por um mau Rei e autoridades (civis e eclesiástica) corruptas. Não um plebeu qualquer ou nobre vaidoso em busca d’um golpe de Estado.
Robin Hood retoma o dinheiro roubado por impostos abusivos e devolve aos cidadãos tiranizados, enquanto combate autoridades corruptas. Também mantêm-se leal ao verdadeiro Rei: Ricardo Coração de Leão, que na história da Disney ainda está na Cruzada. Portanto, vivo e governante legítimo. Que um dia há de voltar e restaurar a justiça no Reino.
Os ‘ricos’ não são roubados, tampouco o personagem age contra eles motivado pela inveja, chamada hoje de ‘justiça social’, por serem ricos. Não! São os governantes e autoridades corruptos, ladrões, tiranos. E cuja riqueza não é causa de tais comportamentos, mas a cobiça, a vaidade, o orgulho exacerbado, a maldade. Justamente o querer aquilo que pertence ao outro, mesmo sentimento encontrado nos ‘justiceiros sociais’ que apelam ao anacronismo para falar besteira desse mito.
Na animação da Disney, retratam Robin Hood conforme o mito. Respeitando a simbologia e quase todo contexto histórico. Sendo que mesmo os erros históricos são irrelevantes e abrem espaço aos pais para incluir material suplementar na educação dos filhos.
Erros Históricos e Oportunidade da Educação
Ricardo I, o Coração de Leão, é personagem na animação e seu retorno aguardado. Porém, apesar de historicamente incorreto, pois João Sem Terra assume após a morte do Irmão, em 1199, não prejudica a obra. A lealdade à pessoa do Rei em vida, ou à sua memória, não alteram a simbologia intrínseca dessa virtude em Robin Hood.
A própria Marian não existe nas primeiras canções, sendo introduzida apenas nem peças de teatro no século XVII. Mas sua introdução reforça a nobreza de coração do personagem principal, sua capacidade de sacrifício (ver cena de sua captura durante o torneio de Arco e Flecha) e de amar à Marian. Aliás, sendo um Cristão, cumpre seu dever de amar à mulher (se casaram em segredo na Floresta de Sherwood). Enquanto a Donzela Marian detém as virtudes da Mulher Cristã, exigidas por Deus.
Na maioria das estórias clássicas de Robin Hood, o personagem encontra a morte. Seja pelas mãos d’uma parente, ou em combate. Mas numa versão feita para crianças… Teria que incluir a decapitação do Xerife? Ao invés dessa preocupação, questionemos ‘d’onde vêm as habilidades de Arco e Flecha e luta de Robin Hood’? Pois não pode ser um mero plebeu… Eis a oportunidade de ensino aos filhos. Primeiro, ensinando a questionar, em seguida, a pesquisar, raciocinar e conhecer a verdade.
Portanto, compete aos pais aproveitarem a oportunidade para explicar o contexto histórico aos filhos. Não sejamos impiedosos com uma obra animada de 1973, que para a época já era muito longa (quase 1h e meia). Ao contrário, aproveitemo-la na educação do imaginário moral de nossos filhos.
Referências Complementares a Robin Hood
- LANGLAND, William; Piers Plowman, The Vision of a Peoples Christ; A Modern Reader by Arthur Burrell MA, published by J. M. Dent & Sons Ltd., London, and by E. P. Dutton & CO, New York, 1982;
- CLAWSON, William Hall; The Gest of Robin Hood, Leopold Classic Library, 2015;
- CHILD, Francis James; English and Scottish Popular Ballads, The University Press Cambridge, Houghton Mifflin Company, Boston, New York, Chicago, edited by Helen Child Sargent and George Lyman Kittredge, 1904, Part V, 115, 117 – 154.