A dissociação das ciências naturais da teologia abriu espaço para o esoterismo. E é por isso que ninguém entende de economia… Afinal, tradicionalmente, a economia subordinava-se à moral (onde estavam os estudos de psicologia)
Hoje, muitos querem entender a economia, mas sem entender de seres humanos. Por isso, na prática, perdem-se em matemática. Mas o aviso de Sabine Hossenfelder em Lost in Math também serve para os economistas. Tanto a teoria do valor trabalho possui seu mérito como a ideia do valor subjetivo. Afinal, se não vende-se um produto por um valor acima do que ele custa para produzir, não há economia para fazê-lo.
Ao mesmo tempo, a escassez influencia no preço. Ou seja, há que haver um equilíbrio entre produção e consumo. Ademais, afirmar que os custos influenciam no preço de um produto é diferente de
- 1) dizer que o melhor meio de garantir o equilíbrio de preços é um controle central e
- 2) que o preço só é resultado de um trabalho + o lucro.
Mercado não é Ente, Pessoas fazem a Economia
O ponto é que não se trata de simplesmente “deixar o mercado se regular” como se ele tivesse vida própria. Pois o mercado não tem vida, mas pessoas possuem vida e tomam decisões. Enquanto o mercado reflete a soma dessas decisões. Logo, “Mercado” enquanto entidade não existe, mas enquanto figura de linguagem, sim. E o problema de muitos economistas é serem esotéricos e entenderem o “Mercado” como entidade.
Essa reflexão inicial leva ao corolário mais importante: o mercado depende das pessoas perceberem ou não o valor. Porém, o valor está associado com a percepção de custo, não só com o benefício. Por isso a ideia do “valor-trabalho” não pode ser descartada, mas mais disso para frente.
O Valor da Água
Preço e valor não são necessariamente intercambiáveis, muitas vezes, até são, mas nem sempre. Ppr exemplo, o preço do ouro no deserto perde valor porque a água é mais escassa. Porém, não é como se a areia tivesse muito mais valor num lugar de maior escassez. E, sobre a escassez, ela é parte da equação do “valor-trabalho”. Afinal, o trabalho para levar a areia para um lugar é parte do custo de produção.
Outro caso é “água potável”, que é diferente de “água”. A Amazônia tem muita “água”, mas não significa ter muita “água potável”. Assim como o custo de produzir “água potável” é parte da percepção do valor associado.
Inclusive, muitos economistas que gostam de falar de escassez pensam na abundância de chuvas como sintoma de abundância de água. Provando que não sabem nem aplicar os próprios conhecimentos à realidade. É como dar um mapa do oceano para alguém perdido no meio do Pacífico: sem ponto de referência, é inútil.
O exemplo é tão prático que se alguém conseguir oferecer a mesma “água potável” por um preço menor, porque tem “valor trabalho” menor, consegue ter uma vantagem competitiva. Porque tem uma tecnologia mais avançada, ou paga menos impostos para o governo.
Outro caso da percepção de valor e preço é com uma caravana cheia de suprimentos que decide cruzar um deserto. Pois talvez não compre suprimentos de outra caravana, mas isso não significa que ela não veja valor nos próprios suprimentos. Tanto que, provavelmente, eles estarão bem protegidos. Logo, não percebe valor na troca com a outra caravana. E isso é outra discussão.
Manipulação de Preços
Outro caso é sobre manipulações. Nem sempre a manipulação é maliciosa, mas é preciso destacar o fenômeno. Há coisas que só têm valor porque as pessoas percebem valor. Ou seja, há coisas que só são caras porque muitas pessoas pensam que ganharão muito dinheiro com ela. É o caso das IAs, hoje.
Acontece que a percepção de valor, não raro, é o único valor que há. Por conseguinte, isso que gera bolhas econômicas.
Porém, se um influencer do reddit aconselhar a comprar ação de empresa X, muitas pessoas talvez comprem ações e elas valorizarem. Isto é, a análise é uma profecia autorrealizável. O problema maior? Na sequência, muitos podem vender para garantir o lucro e as ações da empresa desvalorizarem abaixo do valor inicial. Mas tudo isso sem a empresa sofrer qualquer alteração significativa. Pois tratou-se de puro comportamento e, apesar de não acontecer muito, é um dos fatores que atrapalha o desenvolvimento de criptos.
Mudando de exemplo, pela própria dinâmica das criptos, tendem a começar com baixo valor. Ou seja, qualquer magnata pode comprar muitas, fazê-las valorizar, vender, fazê-las desvalorizar e gerar a percepção de que tudo foi um golpe. E, ao criar essa percepção, arruína toda percepção de valor associada ao projeto.
Poré, a longo prazo, o que mantém as criptos é
- 1) Capacidade de servirem como alternativa a sistemas de troca (como bancos ou o SWIFT) e
- 2) Reserva de valor (porque desvalorizam menos que outra moeda).
Criptos que não possuem uma dessas duas características não são bons investimentos. O problema é que ambos os usos dependem de questões sociais. Portanto, não basta ter a cripto, mas precisa convencer outras pessoas a usá-las.
Percepção de Justiça em Economia
Após isso, compreendemos facilmente porque a economia, de uma perspectiva escolástica, subordina-se à moral. E o problema fundamental encontrado na contemporaneidade é que as ciências secundárias tendem a querer se separar da primária. Ademais, separar a economia da moral é não entender como a economia funciona.
Porque quando as pessoas pensam que o preço que pagam não se correlaciona com o “valor trabalho”, não compram. Por isso muitas pessoas não compram ouro. Mas também por isso algumas pessoas compram jóias só para se exibirem e geram a percepção de que são escrotas. O melhor caso é o diamante da Apple Store.
Esse problema piora quando as pessoas que compram jóias preocupam-se em comprar jóias. Mas, para isso, demitem outros funcionários que precisam sustentar as próprias famílias, sendo as jóias mais caras que os salários não pagos.
Ou seja, a economia é alocação de recursos materiais. E separar essa alocação da justiça é criar um espaço para abusos à direita e à esquerda. Porém, mais importante, é abrir espaço para uma empresa falir por falta de confiança das pessoas ou porque alguém matará o tal chefe.
Abusos geram Tirania
Reforce-se: são os abusos capitalistas que geram espaço para o discurso socialista. Assim como os abusos socialistas que geram espaço para o discurso capitalista. E os abusos de ambos geram espaço para a retórica das ideologias de terceira posição. E por isso a direita se fortalece quando há uma esquerda forte e vice-versa. Quando o centro é forte, na prática, nenhum dos dois lados se fortalece muito porque não há lucro em incentivar um lado.
Não sem razão, a receita do empreendedorismo político é descobrir um grupo não representado, dar holofote para a plataforma deles, fazer votos e dizer a todos que, se não te votarem, virão nazistas para acabar com os ganhos sociais.
E até liberais falam que mais liberdade de mercado é ganho social. Todavia, a ironia, para alguns, é que nisso mostram que entendem de economia.