O Lado Bom da Vida: Loucura e Amor em Família’s

Uma tragicomédia sobre Saúde Mental, Loucura e Amor, que ultrapassa os clichês moderninhos e ignora as baboseiras ideológicas 

Indivíduos que chegam ao extremo de seus limites por tragédias pessoais podem cometer uma loucura. Aliás, é corriqueiro na literatura. Como o Hércules que assassinou a família, ou Medeia, ou Lady MacBeth, ou Romeu e Julieta, ou Madame Bovary, ou o Superman de Injustice. Mas e nas obras que os autores envolvem a família ou mais de uma na trama? Seja a nova que Jasão intentava construir, ou a que abandonava. Ou que estão em guerra, como os Montéquio e os Capuleto.

A loucura em família é sempre mais visível, e costuma nos brindar com boas obras. Explorar os conflitos e tragédias familiares é perceptível, mas as manias e problemas de saúde mental divididos… Pois quantos percebem em Hamlet, ou Édipo, ou Antígona? Em O Morro dos Ventos Uivantes?

Da Dor à Loucura

Da tragédia grega, ao teatro shakespeariano, do realismo francês aos quadrinhos da DC. Levar um indivíduo ao seu limite pode causar a mais drástica ação de loucura, ou muitas ações. 

Ademais, perder os irmãos numa luta fratricida e ser impedida de realizar o funeral d’um deles, levou Antígona a desrespeitar a lei. Não só! A clamar seu dever sagrado como acima de qualquer lei. Assim como seu pai, Édipo, ao descobrir-se incestuoso, arranca os próprios olhos. Não à toa questiona-se se a loucura na trilogia de Sófocles tem algum elemento ‘genético’. Saberia o maior dramaturgo grego sobre essa possível consequência da reprodução incestuosa?

Ainda assim, Antígona reafirma a superioridade a Lei Moral sobre a Lei Terrena, do Dever Divino sobre a ordem d’um Rei. Ou seja, não num ato de loucura, mas de amor. Sim, amor ao irmão, aos deuses, à sua missão sagrada… Mas, perder o amor do homem pelo qual sacrificou tudo, por causa d’uma ganância egoísta. A dor da suprema ingratidão, levou Medeia à loucura máxima para uma mãe. 

Da Loucura ao Amor

Porém, nem todo ato de loucura precisa ser tão trágico, mesmo na literatura. Tampouco precisa obedecer a clichês moderninhos, ou teorias absurdas de mentes perturbadas como Freud e Foucault… Menos ainda pagar pedágios ideológicos numa produção cultural, seja uma obra prima das letras ou da Sétima Arte. 

Às vezes, a superação da loucura pode levar ao encontro com o amor. Contudo, não como aquele sentimento banalizado; uma chama de paixão que arde sem ser, mas se apaga num gemido infernal. Não! Mas como escolha! A escolha certa, que une coração e razão. 

Eis que me surpreendo com um clássico contemporâneo. Aliás, existe esse termo tão paradoxal? O Lado Bom da Vida traz Bradley Cooper na pele de Pat Solitano Jr., e Jennifer Lawrence como Tiffany Maxwell.

Pat Solitano Jr.

Pat é professor de história de 31 anos, bipolar não diagnosticado, acima do peso e estressado, mas apaixonado pela esposa, Nick. Um belo dia, chega em casa mais cedo, vê roupas espalhadas, ouve a música que tocou em seu casamento e… pega a esposa com um colega de trabalho no chuveiro. O amante ainda lhe diz: é melhor você ir embora. Em sua própria casa, enquanto faz sexo com sua esposa. Sendo assim, enfurece e espanca o talarico quase até a morte.

Essa ação gera uma reação em cadeia. Logo, Nick e o amante conseguem uma ordem de restrição. Pat é internado por 8 meses num hospício em Baltimore. Enquanto seus pais e irmão se atordoam. Mas passados esses meses, e por acordo com o Tribunal, sua mãe o leva para casa. Sim! Traído, humilhado, ridicularizado, punido e ainda perdeu casa e emprego, voltando a morar com os pais. 

Não contarei muito, para evitar spoilers. No entanto, adianto que ocorrem dois ou três episódios de explosão de Pat. Porém, não são fundamentais para a trama. Ah! O personagem perde muito peso e adota o lema “Excelsior”. 

Tiffany Maxwell 

Todavia, a personagem de Jennifer Lawrence não é menos ‘perturbada’. Até Pat a acha mais doida do que ele. Bem; Tiffany Maxwell tem 26 anos e perdeu o marido Tommy num acidente. Ele era policial e parou para ajudar um rapaz a trocar um pneu, sendo atropelado por um carro.

Entretanto, Tommy só passou por ali porque voltava da Victoria’s Secret. Percebendo que a esposa estava insatisfeita sexualmente, comprou uma lingerie diferente para alimentar a relação. Por isso, ela se culpa, e essa culpa a leva ao limite e acaba canalizada numa reação de loucura. Tiffany começa a fazer sexo com todos do escritório. Confessou até que fez com outra mulher. Em sua dor, culpa e sofrimento, busca no sexo algum prazer momentâneo que ajude a escapar daquela realidade. 

Mas a personagem não acha ser “a vadia da Tiffany” algo bonito. A comemorar e usar numa passeata de histéricas queimadoras de sutiãs. Tampouco tenta justificar seu comportamento – só explicar ao personagem de Cooper. Conquanto tenta se livrar dessa loucura, através da dança. Inclusive, o policial queria filhos, mas Tiffany demonstra medo por “mal conseguir cuidar de si mesma”. Ou seja, sem discursinho empoderado, “child free“, bestial e pró-aborto. Mas a consciência da responsabilidade de gerar e criar outro ser humano. Isso a assusta, porém, não adota sete gatos, nem defende a superioridade de bichos sobre seres humanos, tampouco a rejeição a filhos em-si.

Aulas de Dança 

Após um entrevero com o pai, Patrick Solitano Sr. (Robert De Niro), por causa d’uma crise, e dos conselhos do psiquiatra, Pat sai com Tiffany. Aliás, a conheceu duas noites antes, num jantar na casa d’um amigo, casado com a irmã dela, Verônica (Julia Stiles).

Trocam palavras duras e sinceras. Mas se acertam e Pat aceita treinar e participar d’um torneio de dança com Tiffany. Em troca, ela entregará uma carta dele à Nick, pois não pode se aproximar da esposa (a ordem de restrição). Pat quer reconquistar Nick e mantêm ilusões d’uma paixão duvidosa. 

As aulas transcorrem bem. No entanto, seu supersticioso pai o convence a ir ao jogo de futebol americano. Par entra numa briga para ajudar o irmão, e o time perde, gerando prejuízos ao seu pai. Pat Sr. culpa o filho, até que Tiffany aparece para tirar satisfação pelo não comparecimento ao treino. Enfim, há nova aposta: o dobro ou nada. Envolvendo o jogo e a competição de dança. 

Drama e Humor 

No hospício, Pat ficou amigo de Danny, interpretado por Chris Tucker. É o núcleo de humor, junto ao outro amigo do protagonista. Não é uma comédia pastelão, não arranca risadas de doer o estômago. Mas um excelente equilíbrio entre drama e alívio cômico. 

A tagarelice do protagonista, sua ausência de ‘filtro’, seus devaneios e ilusões, aliviam um pouco a obra. Mas cada aparição de Tucker é um show à parte. Sem discursinhos raciais, ou piadinhas, ou alusões, reclamações etc. Ou seja, sem um pingo de vitimismo. Só dois melhores amigos, que se ajudam desde o período mais sombrio de cada. 

Tiffany não é propriamente engraçada. Só sarcástica. Seu tipo de loucura aumenta a carga dramática da personagem. Assim como o ‘gatilho’ que acionou tal loucura. Cada personagem tem seus dramas e isso é maravilhoso. Até a conversa ‘pervertida’ entre ela e Pat, durante o ‘jantar’ na lanchonete, é engraçada, sem forçar ideologias. Nada que choque numa conversa de bar, mesmo com a participação d’uma mulher. É um alívio cômico, que mexe com a perspectiva sobre fantasias sexuais do ‘homem comum’. Chega a ser ‘bobo’.

Loucura, Manias e Saúde Mental

De Niro dá vida ao pai supersticioso de Pat. Cheio de manias, inclusive, de obsessão com sua organização. Ora reclama de um único envelope vazio, entre quase 300. D’outra vez, por procurarem uma fita cassete em seu estúdio. Mas a crença na Fortuna, aquela deusa que pode ajudar na presença, ou prejudicar por omissão, se manifesta. Não diretamente, mas através d’um TPC de Sorte. 

Patrick Sr. acredita que certas ações determinam a sorte (vitória) ou azar (derrota). Afinal, quem trabalha com apostas precisa d’um caminhão de sorte, não? Mas, também d’uma carreta de Fé. Outro paradoxo, se lembrarmos que ‘beijar a mão da Fortuna”, uma deusa pagã, não é lá muito cristão. Enfim… 

O TOC de Pat Sr., a bipolaridade de Pat Jr., a compulsão sexual de Tiffany, o problema de Danny (pequenas obsessões e vício – agora controlado – em remédios), o vício dos apostadores, o perfeccionismo da controladora Verônica, a crise de meia idade de seu marido Ronnie (John Ortiz)… Todas essas questões de ‘saúde mental’ são exploradas com alívio cômico, mas equilíbrio. 

Por que é um Clássico?

As consequências estão ali. Para os não-cegos. Porém, não há discursos ideológicos. Tampouco tentativa de promover um ou outra linha da psicologia, ou os interesses da indústria farmacêutica (ao contrário). Também não há vitimismo, ninguém culpa o outro por seus problemas, nem exigem d’outrem tratamento diferenciado, ou pagamento de ‘dívida histórica’, ou ‘justiça social’. 

São personagens complexos, em suas vidas simples, interações dramáticas, cômicas, amorosas, problemáticas etc., e buscando a felicidade por meios justos. Bem, talvez não na parte de apostas… Mas isso ‘participa’ sem prejudicar a obra. 

Apoio da família, dos amigos, da comunidade e do terapeuta que não é um Simão Bacamarte, nem algum pervertido ou ideólogo. Ao contrário, é grande fã dos Eagles, que vai aos jogos com metade do rosto pintado de verde, bebe e arruma briga. Ademais, não encontramos um sacerdote, mas quem disse que é necessário um padre, ou pastor, para personificar o elemento religioso cristão? Na mãe, Dolores (Jacki Weaver), são óbvios os valores e princípios cristãos. 

Um casamento ruiu? Infelizmente, sim. Talvez fosse caso de anulação por fraude, ou não. Mas se preocupar com ‘discurso pró-divórcio’, num filme que valoriza a família, o casamento, as verdadeiras amizades, o Amor… Que mostra a capacidade de superação e denuncia inimigos silenciosos mas mentes e lares? Seria muita impiedade e afetação… até mania?

Se com todos esses elementos, não entendeu porque é um clássico. Assista! Aliás, chame a família e os amigos para uma sessão pipoca. Fortaleça vínculos com quem realmente importa. Você não se arrependerá.

Nota

O filme é baseado no livro homônimo de Matthew Quick. Mas não o li e esta é uma crítica apenas ao filme. Porém, se alguém que leu quiser escrever uma crítica à obra, pode remeter a robertolbarricelli@ivcairu.org. Também não comentei sobre o irmão do protagonista, Jake, pois não achei relevante para esta crítica.



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