Defensores da MMT (Modern Money Theory | Teoria Monetária Moderna) se regozijam quando governo queimam dinheiro dos impostos ao longo da história. Porém, temos motivos reais para tal?
O título deste artigo pode soar como uma provocação à confiança da MMT na falta de restrição fiscal dos governos monetariamente soberanos — e é. Mas o foco real está numa afirmação histórica estimada da MMT: os governos queimam dinheiro de papel arrecadado por meio de impostos, e queimaram ao longo da história.
MMT, História e Queima de Dinheiro
Os defensores da MMT acertam ao afirmar que, historicamente, vários governos queimaram papel-moeda arrecadado em impostos. De fato, há vários casos nos quais governos queimaram papel-moeda ou talheres. Aliás, ainda trituram, desfiam ou incineram grande parte da moeda moderna. Deliberadamente queimaram o papel-moeda colonial americano em várias colônias antes da Revolução. Ademais, destruições semelhantes de papel-moeda depreciado continuaram em níveis estadual e nacional após a Revolução
Todavia, a queima ocorreu particularmente durante a retirada da moeda continental. Pois o governo britânico destruiu talheres medievais, tidos como instrumentos financeiros obsoletos, causando um incêndio (1834, veja a imagem destacada). Inclusive, eventualmente resgataram as notas Greenback em ouro. Contudo, destruíram algumas após a Guerra Civil.
O Prazer quando Governos Queimam Dinheiro
Os adeptos da MMT adoram apontar que os governos queimam dinheiro historicamente. Randall Wray, em seu livro “Teoria Monetária Moderna para Iniciantes“, discute a queima de dinheiro pelos governos. Escrevendo no contexto da moeda colonial americana, disse:
O que o Tesouro fez com as notas recebidas em pagamento de impostos? Grubb relata que as “notas foram removidas e queimadas”. Sim. Queimadas:
Randall Wray
“A maioria dos impostos de resgate foi coletada no outono, e assim as notas relatadas nos Diários da Casa dos Burgueses como queimadas provavelmente foram removidas por meio de pagamentos de impostos no ano anterior [Grubb].”…
O governo reconheceu que gastou o papel-moeda para que ele existisse. Reconheceu que o objetivo dos impostos impostos (pelas mesmas Leis que autorizaram a emissão de notas de papel) era resgatar o maior número possível de notas. Os impostos não visavam “arrecadar receita”; na verdade, quando as notas de papel eram recebidas em pagamentos de impostos, elas eram queimadas, não gastas.
N’outro lugar, escreve:
Farley Grubb — a maior autoridade em moeda colonial — provou que os colonos americanos entendiam perfeitamente que os impostos impulsionavam o dinheiro. Cada lei que autorizava a emissão de papel-moeda impunha um Imposto de Resgate.
Randall Wray
As colônias queimavam toda a sua receita tributária . Mais uma vez, a história mostra que isso sempre foi verdade. Todo dinheiro deve ser resgatado — isto é, aceito pelo seu emissor como pagamento. Como disse Innes, essa é a natureza fundamental do crédito. Está escrito logo nos primeiros atos das colônias americanas. Até mesmo uma moeda de ouro é a nota promissória do emissor, resgatada como pagamento de impostos. Uma vez que você entenda isso, você entende a natureza do dinheiro. (grifo nosso)
Mais uma vez, Wray argumenta:
O governo impôs impostos pagáveis em suas próprias notas de papel (seus passivos) ou em moeda “espécie” (passivos da coroa da Inglaterra). Emitia suas notas de papel em pagamentos pelo tesouro. Quando recebia sua receita tributária na forma de suas próprias notas de papel, as queimava. Quando recebia moedas em pagamentos de impostos, as guardava até um dia de resgate anunciado, para trocá-las por notas de papel. (grifo nosso)
Randall Wray
Farley Grubb — referenciado por Wray — cita uma passagem de The Statutes at Large; sendo uma coleção de todas as leis da Virgínia da primeira sessão da legislatura, no ano de 1619. Pois a respeito da lei do papel-moeda da Virgínia de 1760, diz:
E considerando que é da maior importância preservar o crédito do papel-moeda desta colônia, e nada pode contribuir mais para esse fim do que o devido cuidado para satisfazer o público de que as letras de crédito em papel, ou notas do tesouro, são devidamente emitidas, de acordo com a verdadeira intenção e significado dos vários atos de assembleia aprovados para emiti-las ; e o estabelecimento de um método regular para esse propósito pode evitar dificuldades e confusões na liquidação das contas públicas,…
Seja, portanto, promulgado, pela autoridade supracitada , que… todas essas letras de crédito, ou notas do tesouro, resgatáveis no primeiro dia de março de mil setecentos e sessenta e cinco, que foram ou serão pagas ao tesouro, em cumprimento aos direitos e impostos impostos por qualquer ato anterior de assembleia; e após o recebimento das referidas contas ou notas, o referido comitê entregará ao tesoureiro, para o momento, um certificado do valor delas, que será útil ao referido tesoureiro na liquidação de suas contas…: E o referido comitê é aqui obrigado e orientado, tão logo tenha dado tal certificado,
a fazer com que todas essas contas ou notas sejam queimadas e destruídas . (ênfase adicionada)
O que a MMT acerta parcialmente
Os governos certamente reorganizaram recursos reais emitindo papel-moeda. Pois a receita do governo nem sempre precisava ser coletada primeiro por meio de impostos antes de ser gasta. Conquanto a aceitabilidade de impostos, as leis de curso legal e as leis de paridade obrigatória apoiaram e sustentaram alguma demanda por uma moeda de papel em desvalorização. Ou seja, a lei de Gresham.
Todavia, as estruturas legais e os cronogramas de resgate ajudaram o papel a circular, mesmo quando as pessoas não o teriam aceitado voluntariamente. Portanto, os governos aceitaram de volta seu papel-moeda para liquidar obrigações fiscais e às vezes queimaram o dinheiro.
Afirmamos tudo isso sem constrangimento. Entretanto, não confirma a MMT. A MMT erra nessa argumentação em pressupostos cartalistas equivocados. Mas também na inversão histórica, desanalogias entre teoria e história, definições equivocadas… Por exemplo, cartalismo, redenção etc. E na reinterpretação da destruição como ontologia. Porém, o espaço permite somente abordar alguns desses elementos.
O que a MMT erra: Suposições Cartalistas quando Governos Queimam Dinheiro
O motivo pelo qual governos queimam dinheiro e entusiasmam os adeptos da MMT se deve a pressupostos cartalistas equivocados. A saber, que a tributação confere valor aos tokens fiduciários e a arrecadação de impostos não se refere à receita. Mas, sim, à remoção do excesso de moeda de circulação. No entanto, é um erro de categoria. Pois reinterpreta o fim d’um processo de tributação inflacionária como demonstrativo da essência da natureza do dinheiro.
O cartalismo propriamente dito, como o chamo, argumenta que um governo origina dinheiro criando um token fiduciário sem valor. Logo, exigirá que os cidadãos troquem recursos reais pelos tokens fiduciários. Para isso, aceitará somente o token como pagamento de impostos, enquanto o privilegia legalmente. Por exemplo, moeda corrente, etc. Em seguida, o token torna-se um meio de troca geralmente aceito devido a essas ações estatais. Assim, por causa do Estado, o dinheiro se torna dinheiro. Em resumo:
- O dinheiro vem do Estado, não do mercado;
- O estado determina o que é dinheiro criando e/ou nomeando um token fiduciário sem valor como uma unidade de conta;
- Um token fiduciário sem lastro (ou seja, como pontos em um placar) se torna um meio de troca e recebe seu valor (demanda. Porque é necessário pagar impostos e outros requisitos legais. Por exemplo, leis de moeda corrente.
Governo Queimam Dinheiro para manter sua Aceitação?
Pressupor o cartalismo é aceitar que o governo pode criar dinheiro para reorganizar recursos. Mas também tributá-lo para garantir valor. Por fim, destruí-lo para administrar a inflação de preços. Os governos queimam dinheiro. Mas, supostamente, evidenciam a verdadeira natureza do dinheiro. Ou seja, um símbolo fiduciário criado pelo Estado e sua inerente inutilidade fora do sistema governamental de gastos e impostos. Sendo assim, confirmam a MMT, pois há sentido em sua lógica interna. Mas somente se você já aceitar o cartalismo.
Dito isso, os exemplos históricos selecionados por Wray nem sequer correspondem à definição. Moedas escolhidas pelo mercado existiam. Portanto, a necessidade do token fiduciário ultrapassava a exclusividade para pagamento de impostos. Pois outras formas de pagamento eram aceitas. Logo, aceitavam o papel-moeda devido à sua suposta ligação com o dinheiro real. Ou seja, a espécie. Em todos os pontos, o exemplo falha em atender à definição.
Além disso, tenha em mente que os proponentes da MMT oscilam entre as definições de cartalismo e a questão de se o cartalismo. Algo essencial, fundamental e desnecessário para a Teoria Monetária Moderna. Tal posição os permite recorrer a afirmações históricas ousadas somente para recuar d’uma história inconveniente e desanalógica quando lhes convém. Essa equivocação é necessária porque o cartalismo propriamente dito — que atende estritamente a cada requisito da teoria — nunca existiu historicamente.
O que a MTM erra: sequência histórica invertida
A sequência (descrita acima) importa no cartalismo. No entanto, espero que o leitor informado perceba que — ao menos no caso dos EUA — o cartalismo é teórica e historicamente incorreto em todos os pontos. Assim como a sequência é quase inteiramente invertida.
- Várias moedas escolhidas pelo mercado já circularam;
- Os governos aceitaram impostos de várias formas, incluindo o dinheiro escolhido pelo mercado;
- Com base nos dois pontos anteriores, os governos reconheceram a oportunidade de expropriar poder de compra para si mesmos, inflacionando o papel-moeda;
- Os governos prometiam conversibilidade e/ou resgate futuro em dinheiro verdadeiro. Ou seja, espécie, ouro, prata. Bem como liquidação de impostos, facilitando a aceitação condicional e temporária do dinheiro de papel do governo;
- Mais tarde, os governos impuseram intervenções coercitivas para obrigar a aceitação contínua do dinheiro em pagamento de dívidas públicas e privadas. Por exemplo, leis de curso legal, leis de paridade obrigatória, etc.. Isso à medida que a inflação aumentava e a confiança do público vacilava;
- Os governos aceitavam tanto papel quanto espécie como impostos;
- Às vezes, os governos destruíam (queimavam) o papel recebido em pagamentos de impostos em vez de resgatá-lo em espécie ou gastá-lo novamente.
Moedas precederam os Governos
Em todos os casos da história monetária americana, as moedas escolhidas pelo mercado precederam o Estado. Além disso, a aceitação frágil e condicional, pelo público, do papel-moeda inflacionado do governo dependia da confiança (muitas vezes equivocada) nas promessas (geralmente falsas) de conversibilidade e/ou resgate futuro. Portanto. não em impostos, mas em dinheiro propriamente dito. Ou seja, dinheiro real, espécie, etc.. A intervenção estatista ocorreu posteriormente e dependeu desse processo para realizar a expansão artificial do dinheiro. A sequência cartalista não é somente incorreta, é quase o inverso da história.
Ironicamente, o governo dependia da preexistência de dinheiro (imperfeitamente) sólido para ter a chance de inflacionar em vez de tributar. Sendo assim sem essa característica, seria duvidoso alguém aceitar e continuar a usar o que sabia ser papel-moeda fiduciário estatal puro. Mas exceto por força legal. Isso só pode acontecer num contexto no qual existem meios de troca circulando. Governos — com escassez de receita e querendo evitar impostos impopulares — imprimem papel-moeda e levam as pessoas a acreditar que será resgatável em dinheiro real. O mercado não criou o dinheiro pela primeira vez por esse processo de gastar e tributar.
Por que queimar?
Por que às vezes os governos queimam dinheiro, as notas que receberam em impostos, em vez de usá-las para gerar receita?
Há várias respostas para essa pergunta. Mas a primeira e principal: o verdadeiro propósito tributário do papel-moeda já servira ao governo. Ou seja, expropriar o poder de compra sem custos e sem a aparência de tributação direta. Os governos frequentemente escolhem o caminho do dinheiro fácil, o imposto oculto da inflação. Pois traz muitos benefícios aos impressores-gastadores e aos primeiros usuários, em detrimento de outros.
No entanto, há uma compensação! Ao escolher tal método de tributação, deve convencer as pessoas de que o dinheiro será resgatável e não imprimirão infinitamente. Reduzirão gradualmente o valor da moeda, a inflação de preços ocorrerá, distorcerá o cálculo econômico e arriscar-se-á a hiperinflação e colapso monetário. Alguns afirmam que as elites políticas não se importariam com essas consequências,. Todavia, até elas reconhecem que a inflação desenfreada prejudica sua capacidade de manter o poder e continuar tributando.
Os governos que queimam dinheiro destroem tanto a utilidade condicional do papel-moeda pela inflação, bem como a confiança do público. A ponto de não ser mais útil, nem mesmo para eles. Na verdade, era um passivo. O papel-moeda, massivamente depreciado e desacreditado, tornou-se quase inútil. Além disso, queimar a receita tributária poupou aos governos de resgatarem em dinheiro real. Ou seja, com espécie que não possuíam. Mas também de tributar a população novamente para resgatar as notas de papel (arriscando-se à agitação popular) e/ou um colapso monetário.
Artigo publicado originalmente em Mises Wire, no Mises Institute, sob o título “MMTers Love When Governments Burn Money“. Traduzido por Roberto Lacerda Barricelli