A comparação com o Wrestling Profissional demonstra que tentar dominar o mercado não é um comportamento anticompetitivo
O documentário de 2024 “Mr. McMahon“, dirigido por Chris Smith e atualmente disponível na Netflix, narra a ascensão e queda de Vince McMahon Jr.. O cofundador da moderna WWE (World Wrestling Entertainment, anteriormente conhecida como World Wrestling Federation – WWF). McMahon comprou a empresa de seu pai, Vince McMahon Sr., em 1982 e revolucionou a indústria do wrestling com sua visão empreendedora e perspicácia empresarial. A série documental, em seis partes, apresenta opiniões divergentes sobre o que é a verdadeira competição. Todavia, a visão do livre mercado puro é que a verdadeira competição ocorre quando uma empresa tenta “destruir” ou “matar” seus concorrentes.
Wrestling Profissional e a Reforma de McMahon
No início da década de 1980, o cenário do Wrestling profissional nos Estados Unidos (nota do editor: luta livre, no Brasil) era composto por três grandes organizações. A World Wrestling Federation (WWF), no Nordeste, American Wrestling Association (AWA), no Centro-Oeste, e a National Wrestling Alliance (NWA), em vários territórios regionais do país. Com o tempo, duas empresas começaram a dominar a indústria: a WWF e a World Championship Wrestling (WCW). Mas esta de propriedade do magnata da mídia e criador da CNN, Ted Turner, que surgiu da NWA.
O documentário retrata McMahon como empresário astuto que, ao comprar a WWF, perturbou a ordem estabelecida que vigorava há décadas. Pois quebrou uma regra não escrita ao selecionar os melhores talentos de outros territórios, irritando os proprietários dos territórios no processo. No documentário, Vince McMahon justifica argumentando: “Estou no negócio. Você não possui nada. Estou competindo com você”.
Eric Bischoff, ex-executivo de alto escalão da WCW, explica que McMahon “quebrava o molde de territórios”. Logo, levou muitos lutadores de outras organizações a juntarem-se à WWF, atraídos por melhores oportunidades profissionais e financeiras. O ex-astro da WWF e da WCW, Bret Hart, recrutado por McMahon da Stampede Wrestling do pai de Hart, em 1984, acrescenta.”Ele era bastante implacável. Pois basicamente entrava em quase todos os territórios e comprava seus melhores lutadores”.
McMahon responde a essas críticas argumentando: “Não tiro nada de ninguém… Estou construindo. Então, se você não pode competir comigo, é a América — difícil.” Hulk Hogan, a principal atração da WWF durante seu auge na década de 1980, acrescenta: “Ele [McMahon] quer destruir [a concorrência] e depois devorá-la”.
Paralelo com Competição de Mercado
Com isso, o documentário começa a explorar o significado da competição. Nos livros didáticos de economia, retratam a competição como uma situação estática com suposições irrealistas. No entanto, no mundo real, a competição é dinâmica — um processo, não um estado fixo. A visão dominante da economia frequentemente condena táticas “cruéis”, “preços predatórios” e CEOs trabalhando para “eliminar” seus concorrentes. Ademais, erroneamente rotula essas práticas como anticompetitivas. Entretanto, lutar pelo domínio total do mercado e almejar ser o “único sobrevivente” é, na verdade, comportamento competitivo. Tentar minar a concorrência por meio de preços mais baixos, publicidade superior, melhores ofertas de contrato e a maioria das outras táticas (exceto pela violação de seus direitos de propriedade) exemplifica o comportamento competitivo.
A concorrência é um processo no qual as empresas competem para tornarem-se as principais produtoras de bens ou serviços. Esse esforço contínuo pode resultar num mercado com muitas empresas ou apenas um player dominante. Nenhum dos resultados é inerentemente bom ou ruim. Pois ambos são impulsionados pela concorrência e pela dinâmica do mercado. Portanto, não pode haver uma referência externa para o número “ideal” de empresas que deveria existir em qualquer mercado. Além disso, em última análise, é inútil analisar o mercado num único momento. Pois as condições mudam constantemente: uma empresa pode transformar-se em muitas, somente para que um único produtor posteriormente volte a dominar.
A Guerra de Mercado no Wrestling dos Anos 90
Em 1994, Ted Turner e Eric Bischoff contrataram Hulk Hogan e “Macho Man” Randy Savage, duas das maiores estrelas da WWF na década de 1980, para desafiar a WWF e tornar-se a principal empresa de wrestling do país. Então, em 1996, contrataram Scott Hall e Kevin Nash (conhecidos como “Razor Ramon” e “Diesel” na WWF e duas das maiores estrelas da empresa no início da década de 1990). Sendo assim, os fizeram aparecer no principal programa da WCW, Monday Nitro, apresentando-os como invasores da WCW. Em resposta, McMahon processou a WCW, acusando-os de roubar seu talento. McMahon explicou: “Quando você tem os recursos de um Ted Turner e usa esses recursos de forma predatória para tentar colocar um negócio familiar fora de ação… Houve uma tentativa sistemática de roubar o talento da World Wrestling Federation.” Em resposta, Bischoff sugeriu:
Roubar está nos olhos de quem vê, não é? É engraçado porque, imediatamente, o Vince entrou no modo de cara de bebê simpático. Começou a choramingar como uma garotinha com aquele “O bilionário malvado Ted tenta nos tirar do negócio”. Vince fez exatamente a mesma coisa com Verne Gagne, a AWA e outros territórios. Pois literalmente entrou nesses territórios e ofereceu melhores acordos aos seus talentos… Exatamente o modus operandi de Vince McMahon em 1984 e 1985. Pois pegou estrelas que outras pessoas criaram em certas partes do país e contratou-as por dinheiro, e Deus o abençoe. Afinal, ele tinha o direito de fazer isso. É livre iniciativa. Mas eles [WCW] tinham esse direito também, porque é livre iniciativa.
De uma perspectiva verdadeiramente de livre mercado, Bischoff acerta. No processo competitivo, o objetivo é eliminar a concorrência. Aliás, pode-se argumentar que não tentar superar seus rivais é anticompetitivo.
Desfecho da Competição entre WCW e WWF
Percebendo a visão alterada de McMahon sobre competição, o entrevistador da Netflix perguntou a ele: “Você não viu nenhuma semelhança com o que estava fazendo nos territórios?” McMahon respondeu: “Não. Novamente, a filosofia de Ted era: ‘Vamos machucar… Vou machucar meu concorrente’. E isso não é meu. Eu quero competir”. Com essa resposta, McMahon tentava jogar dos dois lados.
Em meados da década de 1990, McMahon era ultrapassado por um concorrente mais forte, e não gostou disso. Além disso, sua terminologia é incorreta e enganosa. Machucar outra pessoa significa violar seus direitos de propriedade ou negar-lhe algo que lhe é devido. No entanto, Ted Turner não violou nenhum direito de propriedade nem negou a McMahon nada devido. Turner simplesmente envolveu-se em comportamento competitivo, pois percebeu uma fraqueza na WWF e atacou enquanto o ferro estava quente. Na verdade, a WCW teve classificações mais altas que a WWF de 1996 a 1998, sendo a maior empresa de luta livre do país.
Embora a WCW obtivesse sucesso por alguns anos, começou a perder força no final da década de 1990. Problemas como dificuldades de gestão interna, escolhas criativas ruins e a incapacidade de desenvolver novas estrelas contribuíram para seu declínio. No início do milênio, a programação da WCW perdia para a WWF, que apresentava novas estrelas como Dwayne “The Rock” Johnson e “Stone Cold” Steve Austin. Mas també a empresa perdia muito dinheiro. Por fim, em março de 2001, a WWF comprou sua concorrente, sinalizando o fim da WCW.
Concorrência Real
A lição é simples: tentar dominar ou conquistar uma fatia completa do mercado não trata-se d’um comportamento anticompetitivo. Mas ao contrário, é a concorrência real representa. Qualquer empresa pode conquistar uma posição dominante ou única em seu mercado, oferecendo valor superior aos consumidores. Isso deve-se a uma característica positiva da concorrência, não como uma “ineficiência”. Um monopólio real só obtêm-se pelo governo ou por uma empresa que receba um privilégio do governo.
A verdadeira competição baseia-se na liberdade de associação, nos direitos de propriedade e na ambição de ser o melhor. Quando um executivo de empresa reclama que seus rivais são “predadores” ou tentam “monopolizar o mercado”, geralmente é sinal d’um concorrente fraco tentando convencer o governo a intervir em seu nome. Se uma empresa chega ao topo num ambiente de livre mercado, os consumidores a empurraram para o topo. Portanto, se outras empresas querem chegar ao topo, devem ser melhores, mais inteligentes e mais rápidas que suas rivais. Mas se não conseguem, merecem ser “esmagadas e eliminadas”. Essa é a questão fundamental porque Stone Cold — bem, o processo de mercado — assim o diz.
Publicado originalmente na FEE, sob o título “The Professional Wrestling Industry and Market Competition“. Traduzido por Roberto Lacerda Barricelli.