Imortalidade: Quem Deseja Viver para Sempre?

Vladimir Putin e Xi Jinping não são os únicos com a obsessão de alcançar a imortalidade, como revelou conversa transmitida pela TV Estatal Chinesa

Como numa cena d’um filme de James Bond, flagraram Vladimir Putin e Xi Jinping tramando como alcançar a imortalidade. Durante a cerimônia para marcar o 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, em Pequim, ontem, os líderes russo e chinês — ambos com 72 anos — conversaram entre si. Porém, consideravam uma conversa privada, mesmo conduzida por intérpretes e transmitida pela televisão estatal chinesa. “A biotecnologia está em constante desenvolvimento”, disse Putin a Xi. “Órgãos humanos podem ser transplantados continuamente. Quanto mais você vive, mais jovem se torna, e [você pode] até mesmo alcançar a imortalidade.” Xi pareceu demonstrar interesse nisso, afirmando que “alguns preveem que neste século os humanos poderão viver até 150 anos”.

Imortalidade: Ciência e Mitos

A ciência por trás dessas afirmações é, no mínimo, duvidosa. Mas isso não impediu Putin de se obcecar com sua saúde e expectativa de vida. Uma investigação descobriu que Mikhail Kovalchuk, próximo de Putin, lidera programa de pesquisa sobre imortalidade. Ademais, relatos sugerem financiamento d’uma tecnologia de extração de órgãos utilizando células cultivadas em laboratório para produzir órgãos de substituição. A filha mais velha de Putin, endocrinologista, também recebeu milhões de dólares em bolsas do Kremlin para estudar a renovação celular e como prolongar a vida humana. 

Faz todo o sentido que pessoas como Xi e Putin se interessem em prolongar as próprias vidas — e, presumivelmente, seus reinados. Mas também reflete o desejo muito humano de viver para sempre. Talvez, uma das mais antigas obsessões humanas. Mitologias, contos populares e literatura ocidentais estão repletos de histórias fantásticas sobre pessoas que alcançam a imortalidade. Assim como de objetos sagrados que podem concedê-la — a Pedra Filosofal, a Fonte da Juventude, o Santo Graal. Desde que contamos histórias uns aos outros, temos nos preocupado com contos de imortalidade. 

É claro que a capacidade de viver para sempre nem sempre viu-se como algo positivo. Por exemplo, o Judeu Errante, amaldiçoado a vagar pela Terra para sempre até a Segunda Vinda. Ou Sísifo, rolando uma enorme pedra acima da montanha, para apenas vê-la descer de novo, para sempre. Mas ainda Prometeu, recebendo fígado regenerador, somente para ser eternamente devorado pela águia, por roubar o fogo dos deuses e dar aos humanos. Zumbis, vampiros e fantasmas sofrem com uma espécie de imortalidade, da qual muitas vezes não há libertação. 

Crenças no Pós-Vida e Ateísmo

Para quem acredita na vida após a morte, a perspectiva de passar a eternidade na Terra provavelmente não parece tão atraente. Como cristão, você acredita na vida eterna no Céu. Assim como muçulmanos olham ao Paraíso após o Dia do Juízo Final; Hindus e budistas buscam a libertação do ciclo de morte e renascimento. Mas mesmo os antigos gregos e nórdicos acreditavam que a vida continuava no Elísio e no Valhalla após este mundo. O corpo físico definha, enquanto a alma continua viva. 

Em nossos tempos ateístas, deixou de ser o caso. Muitas pessoas têm vaga sensação de que existe algo após a morte, mas não há garantias. Conquanto vemos cada vez mais pessoas obcecadas em manter seus corpos físicos vivos — ou pelo menos com aparência jovem — pelo maior tempo possível. Arualmente, ser saudável e manter-se em forma não é somente questão de comer bem e exercitar-se. Mas uma ciência confusa, se não um pouco falsa. “Biohacking”, “ajustes” de cirurgia plástica, tratamentos faciais de vampiro e suplementos infinitos; características padrão do discurso moderno sobre autocuidado. 

Bryan Johnson

Por mais extremo que isso já seja, alguns vão mais longe. Se você gasta uma quantidade razoável de tempo no X, provavelmente já conheceu um homem chamado Bryan Johnson. Ele é um bilionário da tecnologia que fez fortuna desenvolvendo dispositivos que monitoram a atividade cerebral. Mas mais famoso por sua preocupação em não morrer, a todo custo. Johnson tem 47 anos e dedica o que parece ser praticamente todo o seu tempo a monitorar todas as suas funções corporais. Inclusive, tem uma equipe de 30 cientistas medindo seu peso, frequência cardíaca, pressão arterial, velocidade de micção e até quanto tempo duram suas ereções noturnas.

Ele exercita-se por uma hora ao dia, todos os dias, toma 50 suplementos e precisa comer precisamente oito horas antes de dormir. Tudo para manter sua frequência cardíaca constante de 44 batimentos por minuto. Não come produtos de origem animal e vive com medo constante de “metais pesados” entrarem em seu corpo através de sua comida. Um café da manhã padrão é brócolis, couve-flor, lentilhas pretas e sementes de cânhamo. Não surpreende que ele viva num “estado constante de fome leve”. 

Há uma ironia extrema no fato de que, em sua busca por níveis sobre-humanos de saúde, Johnson tenha que viver como doente. Afinal, passa grande parte do dia conectado a várias máquinas. Mas também recebe transfusões regulares de plasma, inclusive de seu filho de 19 anos, para livrar-se de quaisquer “toxinas” no corpo. Contudo, apesar desse esforço, aparenta ter a idade que tem. 

Obssessão com a Saúde

Johnson é obviamente um exemplo extremo do que as pessoas fazem para conquistar a imortalidade. E certamente não é historicamente incomum que bilionários, líderes e outros tipos de excêntricos sejam obcecados por essas coisas. Mas esse tipo de mentalidade também chegou até nós, pessoas normais. Para onde quer que olhe, as pessoas — especialmente jovens — prometem seus esforços a viver para sempre. Os jovens cada vez mais renunciam ao álcool, alegando preocupações com a saúde. Também possuem muito mais propensão do que os pais a serem veganos, ou pelo menos vegetarianos, por razões ambientais e de saúde. Obcecados por cuidados com a pele, que não trata-se mais só de lavar o rosto. Mas envolve toda uma série de engenhocas de aparência maluca que fariam um torturador da Inquisição corar.

“Jejum intermitente”, “ceto” e Ozempic são frases que não limitam-se mais a blogs esotéricos de saúde. Mas coisas que seus colegas discutindo durante o almoço. Praticamente todo mundo vai à academia ou exercita-se regularmente agora, seja Pilates, HIIT, Peloton ou qualquer outra tendência da semana. Apple Watches e Oura Rings nos dão registro constante de nossas estatísticas diárias. Por exemplo, frequência cardíaca, passos, calorias queimadas etc., como se fôssemos cards de Pokémon humanos.

O Estresse na Busca pela Imortalidade prejudica a Saúde

Cuidar de si mesmo obviamente não é algo ruim. A maioria de nós almeja e espera viver vidas longas e saudáveis, sempre que possível. Mas tal nível de obsessão com nossos corpos é, em si, profundamente prejudicial à saúde, e uma vez que começa, é difícil parar. Nas palavras de Patrick Bateman, “Você sempre pode ser mais magro, ter uma aparência melhor”. O estresse por si só de monitorar cada aspecto da vida provavelmente desfaz qualquer bem que gerar em primeiro lugar. Ou seja, transformar-se num rato de laboratório é viver em isolamento quase total do resto do mundo. Portanto, nada de comer comida normal, sair com amigos, desfrutar de viagens espontâneas ou tirar férias. Você torna-se um monge sem nenhum dos confortos espirituais que isso traz. Logo, qual o sentido de viver alguns anos a mais se nem consegue aproveitá-los? 

Xi e Putin, como tantos governantes antes deles, buscam o impossível. É improvável que algum deles consiga isso em vida. Nem, suspeito eu, Bryan Johnson ou os outros caras da tecnologia que seguem religiosamente seu regime masoquista. Até que os cientistas decifrem o código da regeneração de órgãos, da criogenia ou do upload da consciência humana para a Nuvem, a morte continuará sendo um fato da vida. O melhor que qualquer um de nós pode fazer é viver bem com o tempo que nos é dado — e não desperdiçá-lo tentando não morrer.  

Publicado originalmente em European Conservative, sob o título “Who Wants to Live Forever?“. Traduzido por Roberto Lacerda Barricelli.



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