Um empreendimento destacou-se usando técnicas conhecidas há milhares de anos. Sem inovar, mas inovando?
Estudiosos de mitologia afirmam, com maior ou menor possibilidade, que alguns dos deuses de certas mitologias seriam figuras reais cujos méritos seriam lembrados como pertencendo a divindades. E, por mais que essa ideia pareça estranha a alguns neste século, está presente como premissa em séries de ficção. Por exemplo, Duna e A Fundação. Para os fãs de anime, há Diários de Uma Apotecária, onde a família Imperial é vista como divina.
Sobre os estudos; por exemplo, levaram a vários questionamentos sobre a veracidade do Cristianismo. E há quem diga que o Cristianismo seria uma versão do mitraísmo. Franz Cumont contribuiu para divulgar essa ideia, mas questionaram sua ideia sobre o tauricídio e puseram outras em cheque, com ou sem dependência. E até a IA Bard consegue levantar uma lista de críticas a Cumont desde que se pesquise pelo assunto. Ou seja, trata-se de algo bem documentado.
Para os que querem ter uma ideia do quão profunda dessa tese, leiam a História Universal de H. G. Wells. Perceberão como o culto ao sol é retratado no primeiro livro. O culto do sol não seria só a base do mitraísmo, como a base “antropológica” do Cristianismo.
Adaptação para o Marketing para o Empreendimento
Em escolas de marketing, algo que é ensinado são as chamadas técnicas de “storytelling”, onde, entre outras coisas, ensina-se a “enfeitar” as histórias e omitir certos relatos da narrativa. O resultado prático é a criação de uma narrativa mítica. É evidente que nem todos os professores deixam claro que se trata de construir um mito nos termos supracitados. Porém, a base é a mesma. Quem nunca ouviu falar de Campbell e Jung é feliz e não sabe. Ou é enganado e não sabe as raízes do engano.
Não há porque se deixar enganar. Pois mesmo biografias que falam dos defeitos de um personagem tendem a ter um pensamento de marketing em mente para falar do assunto. Para os que gostam de obras mais antigas, pode-se adicionar que se trata de um fenômeno Moderno em diante. E a Era Moderna começa em 1453. A Revolução Francesa data de 1789.
Fica mais fácil de entender o assunto quando se recorda que muitas obras de ficção (não necessariamente científica ou espacial) surgem com a perspectiva de divulgar algo. Alguns exemplos:
- Cidade do Sol, de Tommaso Campanella, onde defende a ideia de um rei sol, que é base para o absolutismo;
- A Fundação, de Isaac Asimov, advoga pela possibilidade de a matemática prever o futuro;
- Sherlock Holmes, de Sir Arthur Conan Doyle, propõe que a ciência pode resolver qualquer caso que pareça fantástico;
- Eu, Robô, por exemplo, discute as três leis da robótica, que Asimov criou como parte das discussões sobre a robótica.
Em suma, os sociólogos aprenderam que a melhor forma de propagar uma ideia era criar um mito. E a melhor forma de criar um mito era pegar uma pessoa real, com sucesso e fama, e fazer dela a encarnação dessa ideia. E, se não fosse possível encontrar essa pessoa, seria necessário fabricá-la.
Casos concretos deste Século
Por mais correta que seja a teoria dos seis graus de separação, as pessoas que estão no primeiro grau de separação de gente mais importante têm vantagens sobre as que estão na sexta. Ou seja, ainda que o leitor esteja a três ou quatro pessoas de Trump, ele pode estar mais distante de outra pessoa que está mais próximo de Trump considerando as cinco pessoas corretas.
A distância quantitativa cria uma falsa ilusão de proximidade. E a distância qualitativa pode ser insuperável em vida. Logo, não é preciso um esforço muito grande para procurar casos concretos. Que tal falar de um favorito recente? Sam Altman, tido como um dos “porta-vozes” do mundo da IA. Ele só pediu US$ 7 trilhões para um projeto e vale conferir o link de Gary Marcus para entender o que isso significa.
Para contexto, Altam é CEO da Open IA, uma fundação de pesquisa sem fins lucrativos e, hoje, é uma empresa que almeja lucro. Mas como Altman, que não é um programador, alcançou a posição? Participava do grupo de networking da Y Combinator. Ou seja, d’uma aceleradora fundada por Paul Graham e responsável por empresas como Airbnb, Scribd, Reddit, Coinbase e Dropbox.
Quem tem bom networking, facilmente consegue um mais networking. Por isso o cara conseguiu contato com a galera da chamada máfia do Paypal. E é importante perceber que bom networking é mais que dinheiro. Pois e acesso a fama, recursos e gente capaz de oferecer as soluções aos problemas. Talvez as pessoas envolvidas cobrem valores simbólicos de 1% dos lucros. Porém, pagar 1% dos lucros é melhor que não ter lucros. E esse é o ponto.
Inclusive, boa parte das falas de Altman é defender que alcançará a AGI (inteligência artificial geral). E ele faz isso por questões econômicas. Porém, é razoável supor que as IAs chegaram a um platô e não haverá um grande salto qualitativo nos próximos anos. O que não significa que não gerarão desemprego.
O Grande Empreendimento do Século XXI
Até o momento, as loot boxes são o grande empreendimento econômico do século XXI de videogames. Só adaptaram elas para serem aplicadas a conhecimento e imagens, criando-se o ChatGPT e outras IAs Generativas. Quem usa as versões gratuitas não entenderá tão bem o negócio. Porém, quem usa as versões pagas é capaz.
Ao pagar por uma resposta do ChatGPT, paga-se pela resposta sendo ela certa ou errada. No caso dos jogos digitais, pagar para ter a chance de receber um item (loot boxes) é pagar para receber um item que vale mais ou menos o valor pago. E um detalhe importante: as chances de receber os itens de maior valor são menores que as chances de receber os itens de menor valor. E não há memória.
Ou seja, em loot boxes, as muitas vezes que se consegue um item ruim não aumentam as chances de conseguir um item bom. Inclusive, é possível fazer uma programação em contrário a ponto de anular as chances de conseguir os melhores itens sem pagar. Do mesmo modo, alguns jogos usam dificuldade adaptativa, “lembrando” os erros e acertos do jogador e facilitando ou dificultando para o jogador. A falta de memória, porém, significa que, na prática, paga-se para a empresa sair lucrando com as várias tentativas que darão prêmios inúteis (ou pouco úteis).
No caso das IA generativas, as empresas saem no lucro na medida em que adquirem mais informação com gente pagando para inserir a informação quando corrige a saída da IA. E muitas das IAs não devem ser usadas sem um humano fazendo a validação das respostas.
Ou seja, paga-se para obter algo que não é confiável porque há uma chance (ainda que remota) de conseguir algo confiável. E “não confiável” pode significar que “contém desinformação”.
E isso só foi possível com o marketing mitológico.