“A única proteção que, como indivíduos, temos para todos os tipos de coisas a fazer na vida repousa na moralidade judaico-cristã”, Lord Frost sobre suicídio assistido (eutanásia)
Em 12 de setembro houve o debate sobre o projeto de lei sobre suicídio assistido “Adultos em Doença Terminal (Fim da Vida)”. Proposto pela deputada trabalhista Kim Leadbeater, a Câmara dos Lordes do Reino Unido o debateu por quase sete horas. O historiador e colega conservador Lord Andrew Roberts discursou em apoio ao suicídio assistido, constituindo, como observou o deputado Danny Kruger, “repúdio explícito aos ensinamentos cristãos em favor da ética eugenista da Roma pagã”. Porém, a ex-primeira-ministra Theresa May discursou curta e contundente em oposição ao projeto.
Condução Inescrupulosa do Projeto de Lei
Mais de 90 pares discursaram ao longo do dia. Mas quase dois terços opuseram-se ao projeto de lei sobre suicídio assistido. Conquanto o projeto perdeu apoio em todas as etapas da Câmara dos Comuns, e aprovado por maioria reduzida e apertada de 23 votos, em 20 de junho. O segundo dia de debate na Câmara dos Lordes está marcado para 19 de setembro, e muitos já manifestaram a intenção de discursar. Entre deles, Lord Baron David Frost, um ex-diplomata, funcionário público e ministro de Estado.
Em 13 de agosto, Frost observou no X sobre o projeto de lei: “[…] aprovado por uma maioria muito menor do que a nominal do governo, e menor após o debate do que antes. Este é, sem dúvida, um caso em que a Câmara dos Lordes tem o direito de se manifestar. Ela não precisa se intimidar”. O projeto de lei, escreveu, não constava do manifesto trabalhista, não é uma legislação governamental e é questão fundamental de consciência. Os defensores do projeto de lei atualmente tentamcoagir a Câmara dos Lordes a aprovar a legislação revolucionária.
“Me mantenho consistentemente contra isso”, Frost disse-me numa entrevista. “Na verdade, tornei-me católico na Páscoa, depois d’uma longa jornada. Então, é um compromisso lógico. Mas oporia-me de qualquer maneira. Tudo o que vi da forma como conduziram o projeto de lei nos últimos seis meses reforça em mim que, mesmo que estivesse disposto a ter visão pragmática das questões, o que não estou, conduziram-no pelo processo parlamentar de forma bastante inescrupulosa.”
Suicídio Assistido: Uma ameaça às Pessoas com Deficiência
Mais notavelmente, ignoraram quase totalmente os ativistas dos direitos das pessoas com deficiência durante a discussão. Ademais, após a aprovação do projeto em segunda leitura, pessoas em cadeiras de rodas choraram abertamente do lado de fora de Westminster. “Está claro que os proponentes queriam excluir completamente os porta-vozes das pessoas com deficiência. Certamente não houve uma grande voz para as pessoas com deficiência no processo”, disse Frost.
“Acho que a verdadeira questão, a verdadeira questão de princípio, surgirá quando o Lorde tiver que decidir se está realmente disposto a barrar este projeto de lei. Se há maioria para isso ou se estamos apenas debatendo sobre como melhorar as salvaguardas”, disse-me ele. “Elas são limitadas. Mas há precedentes de Lordes rejeitando um projeto de lei de iniciativa privada. Recusaram-se a dar-lhe mais tempo e, numa ou duas ocasiões, até votaram contra”.
Os precedentes definitivamente existem. Pessoalmente, espero que seja isso que aconteça. Acho que é um projeto de lei seriamente falho. Acho difícil imaginar como vamos colocar mais barreiras nele, dado o estado atual das coisas. Acho que seria melhor rejeitá-lo.
Frost diz que muitos colegas opõem-se ao projeto de lei, e outros que não opõem-se ao suicídio assistido em princípio “mostram-se perturbados com a forma como conduziu-se até agora, com a falta de salvaguardas”. Ele observou que o Partido Trabalhista também está dividido sobre este projeto de lei — vários ministros proeminentes do governo votaram contra ele na Câmara dos Comuns, incluindo o Secretário de Saúde Wes Streeting.
Reforma da Câmara dos Lordes é chantagem política?
“Há uma questão mais ampla no momento, os esforços do Partido Trabalhista para a chamada ‘reforma’ da Câmara dos Lordes; eliminar os pares hereditários”, disse Frost. “Portanto, debate-se todo o status da Câmara dos Lordes neste momento, d’uma forma que não acontecia há 25, 30 anos.”
Qualquer exercício de poderes teóricos tradicionais por parte dos Lordes, que não são usados com muita frequência, contribui para esse debate. Quais são os verdadeiros poderes da Câmara dos Lordes? Contribui ao debate mais amplo, provavelmente de maneiras imprevisíveis. Ou seja, é uma das razões pelas quais alguns na Câmara dos Lordes podem relutar em começar a bater os pés em assuntos como esse. Porque nunca se sabe aonde isso pode nos levar.
O Times apelou à Câmara dos Lordes para rejeitar o projeto de lei do suicídio assistido (eutanásia) num editorial de 12 de setembro, afirmando:
Os Lordes estariam mais do que justificados em concluir que este projeto de lei, que é ao mesmo tempo mal elaborado e que avança desajeitadamente pelo terreno mais sensível da vida e da morte, é irredimível.
Mas também o ‘Times View’ continuou, já observando que, conforme o projeto de lei de Leadbeater, pode-se imaginar um cenário no qual alguém com deficiência intelectual recebesse a oferta de suicídio assistido.
Todavia, Frost suspeita que o governo ficaria aliviado se rejeitarem o projeto de lei. “O governo realmente tem uma série de problemas práticos sobre como implementar isso de forma sensata, significativa e não perigosa”, disse. “Há uma questão de recursos num momento no qual os recursos estão muito limitados. Não acho que o governo ficará tão descontente se rejeitarmos o projeto de lei, mesmo que eles digam isso. Pois os livra d’uma série de problemas e podem voltar à retórica, sem realmente fazer nada.”
Defensores Ferrenhos do Suicídio Assistido
Alguns defensores do suicídio assistido falam abertamente sobre a trajetória que o suicídio assistido legal iniciaria. Como Matthew Parris, colunista e um ex-deputado conservador, no Times no ano passado, numa coluna intitulada “Não podemos dar-nos ao luxo d’um tabu sobre a morte assistida“. Parris escreve que “O argumento contra [a eutanásia] é que a pressão sobre os doentes terminais aumentará para que apressem suas próprias mortes. Contudo, não é algo ruim.” Numa coluna anterior no Spectator, ainda mais direto: “Em breve, aceitaremos que vidas inúteis devem acabar.” Mas Frost me disse:
Alguém como Matthew Parris é honesto sobre as forças motrizes por trás de grande parte do pensamento sobre isso. Muitas pessoas não são honestas, nem consigo mesmas, sobre o que está por trás disso. Pois vivemos em uma sociedade muito secular e muito utilitarista na forma como faz seus cálculos. Onde você para? Se o governo desconectou-se da moralidade judaico-cristã, por que não pode fazer nada? Onde esse argumento utilitarista para? A única proteção que você, como indivíduo, tem para todo tipo de coisa que você queira fazer na vida, repousa na moralidade judaico-cristã.
Quando começa a distanciar-se disso, sua autonomia restringi-se de diversas maneiras. Ademais, você não tem ponto de referência para defendê-la, porque varrerram o padrão com “casos difíceis”. Trata-se da maneira como nós administramos nossas sociedades. O que nos faz pensar que somos tão sábios a ponto de, de repente, descartar 1.600 anos de história civilizacional e substituí-los? Ou será que nos achamos tão inteligentes assim?
O que os impede de vir atrás de Matthew Parris quando ele tiver 75 anos, mesmo que seja perfeitamente capaz de correr oito quilômetros por dia? Pois uma vez que a barreira [da santidade da vida] rompe-se, não há mais princípio ao qual referir-se.
Defesa da Vida e Valores Cristãos
Dame Esther Rantzen, a mais proeminente defensora do suicídio assistido, acusou aqueles que opuseram-se ao projeto de lei Leadbeater no início deste ano de abrigarem “crenças religiosas não declaradas”. Mas Frost certamente é aberto sobre as suas, e não é o único.
“Acho que nos últimos anos as pessoas têm mostrado-se mais dispostas a reconhecer suas crenças religiosas em público”, disse Frost. “Não sei bem porquê; talvez seja um pouco o renascimento do cristianismo. Assim como a gradual proeminência de parlamentares muçulmanos que levaram as pessoas a pensar: Bem, por que não deveria dizer o que realmente penso também? Vinte anos atrás, parlamentares trabalhistas que declarassem-se cristãos encerrariam suas carreiras, a menos que tivessem muita sorte. Agora, ministros podem dizer isso. Acho que há mais espaço para isso.”
“Digo que, em cem anos, se os conhecerem os Cristãos como um grupo estranho de pessoas que não matam seus filhos e não matam idosos, teremos feito algo de grandioso”, escreveu o teólogo Stanley Hauerwas, em 2012. Não demorou tanto. Em junho, o Reino Unido descriminalizou o aborto até o nascimento. Por conseguinte, Lord David Alton chamou-o de “o dia em que a Grã-Bretanha perdeu sua pretensão de ser civilizada”. Mas também Lord Daniel Moylan lamentou, e declarou que “matar bebês” não deva ser considerado assistência médica. Agora, a Câmara dos Lordes deliberará sobre o futuro dos vulneráveis no outrora cristão Reino Unido.
Para pessoas com deficiência e outras pessoas vulneráveis, a convicção religiosa declarada de homens como Lord David Frost de que a santidade da vida é fundamental para nossa civilização, talvez seja um dos poucos baluartes restantes, que garantem a sua segurança.
Publicado originalmente em The European Conservative, sob o título “In Defense of Life: Lord Frost’s Stand Against the Assisted Suicide Bill“. Traduzido por Samara Barricelli.