A Argentina registrou seu melhor mês em termos de crescimento econômico sob o governo de Javier Milei. Muitos previram que isso não aconteceria
Durante seu primeiro ano como presidente, Javier Milei trava uma campanha amarga, mas amplamente bem-sucedida, contra a inflação. Agora, os argentinos receberam uma notícia mais bem-vinda: sua economia cresce novamente. “A atividade econômica cresceu 1,3% em relação a abril, acima da mediana de 0,1% estimada por analistas numa pesquisa da Bloomberg. Sendo o primeiro mês de crescimento desde o início do mandato de Milei em dezembro”, informou a Bloomberg em 18 de julho. “Em relação ao ano anterior, o indicador do Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 2,3%.”.
O relatório econômico positivo, baseado em dados do governo argentino, surprendeu a muitos. Pois o aumento de 2,3% em relação ao ano anterior desafiou as expectativas d’um declínio de magnitude semelhante, informou a Bloomberg. Como observa a Semafor, porjetava-se à economia argentina o menor crescimento econômico entre os países do mundo em 2024, segundo o Fundo Monetário Internacional.
Uma ‘bola de demolição’?
Economistas argentinos com quem conversei disseram que os números são animadores, mas a economia do país está longe de estar fora de perigo.
Como a maioria das pessoas sabe, Milei herdou uma crise econômica que vinha se formando há décadas. Quando o autodenominado anarcocapitalista assumiu o poder em dezembro, a Argentina sofria com a terceira maior taxa de inflação do mundo. Conquanto era 211% em relação ao ano anterior. Porém, a taxa de pobreza ultrapassava 40% e a economia argentina declinava .
Com a economia argentina em plena decadência devido a décadas de peronismo, Milei propôs uma série de reformas econômicas apelidadas de “terapia de choque”. Por conseguinte, consistiam principalmente em três componentes: corte de gastos do governo, corte de burocracia e desvalorização do peso.
Os críticos alertaram que essas medidas seriam desastrosas, e muitos presumiram que as soluções aprofundariam a recessão na Argentina. O ex-chefe do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional, Alejandro Werner, declarou que a estratégia de Milei talvez controlasse a inflação. Contudo, o custo seria grante.
“Uma recessão profunda também ocorrerá”, escreveu Werner. “À medida que a consolidação fiscal intensifica-se e o declínio da renda familiar deprime o consumo e a incerteza pesa sobre investimento”. Felix Salmon, correspondente financeiro chefe da Axios, concordou, comparando as políticas de Milei a “uma bola de demolição”. “Os cortes orçamentários de Milei causarão queda na renda familiar, bem como profunda recessão”, escreveu Salmon.
Javier Milei e sua Terapia de Choque
Apesar desses alertas, Milei apresentou seu plano de “terapia de choque” nos primeiros meses de sua presidência, demitindo dezenas de milhares de funcionários públicos. Aassim como mais da metade dos ministérios, incluindo o Ministério da Cultura, além dos Ministérios do Trabalho, Desenvolvimento Social, Saúde e Educação. Aliás, o último Milei apelidou de “Ministério da Doutrinação”). Mas também eliminou inúmeros subsídios governamentais e o valor do peso reduziu-se pela metade.
Mesmo antes que as políticas de Milei tivessem a chance de dar certo, muitos continuaram a atacá-las. “A terapia de choque leva mais pessoas à pobreza”, escreveu o jornalista Lautaro Grinspan na Foreign Policy no início de março. “Os preços dos alimentos subiram cerca de 50%, segundo dados oficiais do governo”.
No entanto, os dados oficiais do governo citados por Grinspan eram um relatório de dezembro de 2023, antes mesmo de Milei assumir a presidência. Ao contrário das previsões sombrias, os resultados das políticas de Milei foram melhores do que muitos de seus apoiadores ousaram esperar.
Durante o primeiro semestre de 2024, a inflação desacelerou por cinco meses consecutivos na Argentina, informou a Associated Press em julho. Os preços ao consumidor subiram 4,6% em junho em relação a maio. Entretanto, representou queda em relação ao aumento mensal de 25% registrado em dezembro, quando a inflação mensal atingiu o pico na Argentina. Enquanto isso, em fevereiro, o governo registrou o primeiro superávit orçamentário em mais d’uma década. E há poucos tempo, publicou um relatório econômico mostrando queda expressiva da pobreza na Argentina.
Muitos duvidavam da possibilidade desses sucesso, pois a ‘sabedoria popular’ afirmava que eliminar inflação da economia e cortar gastos do governo custaria alto. Ou seja, uma recessão cada vez mais profunda.
Escapando da recessão?
Os dados sugerem que, ao contrário das muitas previsões, a Argentina não parece afundar numa recessão. Tampouco mais profunda após a terapia de choque de Milei. Em vez disso, sua economia mostra recuperação.
“A Argentina saiu oficialmente da recessão após 7 meses de reformas econômicas de Javier Milei”, tuitou Daniel Di Martino, aluno de doutorado da Universidade de Columbia. “Lembrem-se de que a economia estava em recessão desde meados de 2023, meio ano antes de ele assumir o cargo”. No entanto, outros alertam que é prematuro dizer que a Argentina saiu da recessão.
“Terei cuidado ao afirmar que estamos saindo da recessão”, disse-me Nicolás Cachanosky, argentino e professor associado de Economia na Universidade do Texas em El Paso. “Talvez a economia argentina saia da recessão. Talvez não. Só digo que, considerando os números, continua muito cedo para confirmar.”
Cachanosky observa que os números interanuais podem enganar e os dados em questão são valores relativos e não, tecnicamente, taxas de crescimento. Embora ainda não esclareça para onde a economia argentina partirá daqui, vale a pena explorar por que tantas pessoas, incluindo economistas, duvidavam da sua possibilidade de crescimento econômico. Pois há duas razões principais, uma das quais é legítima.
Motivos de Desconfiança
O primeiro motivo é preocupação legítima de que reduções drásticas nos gastos do governo resultarão em problemas no curto prazo. Embora seja passo necessário para a recuperação econômica. “O governo gasta muito dinheiro e mantém as pessoas empregadas”, disse-me um economista com quem conversei. “Quando isso desacelerar, você vai conseguir mensurar o impacto.”
É por isso que alguns economistas de livre mercado com quem conversei expressaram dúvidas de que a Argentina já tivesse escapado da recessão. Cortar dezenas de milhares de empregos, mesmo os improdutivos, e cortar centenas de milhões em subsídios certamente terá um impacto na atividade econômica. A longo prazo, esse impacto será positivo, pois resultará numa alocação mais eficiente de recursos. Mas não é absurdo supor que resultará primeiro em dificuldades econômicas. Uma segunda razão é uma compreensão deficiente da economia.
Na escola keynesiana de economia, tem-se como verdade absoluta que os gastos do governo alimentam o crescimento econômico. Sendo assim, encontramos tantos keynesianos argumentando que mesmo fenômenos destrutivos como guerras e furacões são, na verdade, bons para a economia. Porque estimulam os gastos do governo.
Um argumento do economista Paul Krugman há alguns anos. Pois afirmou que uma invasão alienígena, real ou falsa, seria boa para a economia, conquanto mobilizaria quantidade enorme de gastos militares. Algo semelhante à Segunda Guerra Mundial.
A ideia é simples: gastos do governo são bons mesmo produzindo bens desnecessários, como armas criadas para uma invasão alienígena irreal.
A ideia de que a Argentina cortaria gastos do governo durante uma recessão contrariou a ortodoxia keynesiana. Pois ensina que recessões ocorrem precisamente quando há mais necessidade de “estímulo fiscal”, afinal, condições econômicas negativas geralmente resultariamm d’uma falha previsível do mercado: declínio nos gastos.
Janelas quebradas e Crescimento Econômico
N’outras palavras, a Argentina inverte o roteiro macroeconômico. Num mundo no qual considera-se os aumentos nos gastos do governo “uma solução perfeita para combater recessões”. Milei oferece o oposto: cortar gastos do governo.
No entanto, estudo do Mercatus Center conduzido por Tony Caporale e Marc Poitras, intitulado “O problema com os gastos de estímulo keynesianos”, aponta o problema óbvio e inerente a tais esquemas de estímulo:
A abordagem [keynesiana] não leva em conta diversas fontes significativas de custo. Além do custo do desperdício inerente aos gastos governamentais, o financiamento desses gastos exige tributação, o que acarreta um ônus excessivo, a redução da produção resultante da redução do incentivo dos trabalhadores para trabalhar. Além disso, o emprego de recursos até mesmo antes ociosos envolve a perda de oportunidades de investimento em usos alternativos desses recursos.
Caporale e Poitras discutem um conceito econômico elementar: custos de oportunidade. Esses custos referem-se àquilo que alguém abre mão ou desiste para adquirir um bem ou serviço. Ou sej, ideia explorada pelo economista Frédéric Bastiat em sua famosa parábola da “janela quebrada”. O economista Jonathan Newman oferece resumo conciso da história, inserida no ensaio de Bastiat “O que se vê e o que não se vê (1850)”.
É assim: um menino joga um tijolo na vitrine de um padeiro e uma multidão se reúne para discutir as consequências econômicas. Eles consolam o padeiro, lembrando que as empresas de conserto de vidros também precisam de negócios, então nem tudo são más notícias. Após uma reflexão mais aprofundada, concluem que o emprego total e os gastos na comunidade aumentaram por causa da vitrine quebrada, e que essa pequena faísca de gasto do padeiro para consertar a vitrine desencadeia uma reação em cadeia de gastos. Agora o vidraceiro tem dinheiro extra para gastar em vários itens, e as pessoas que lhe venderam essas coisas agora têm renda extra, e assim por diante.
A multidão chega à conclusão de que a destruição é benéfica para a economia porque estimula os gastos e o emprego.
Parece absurdo e bom demais para ser verdade? Pois é. A parábola de Bastiat revelou o absurdo da economia keynesiana antes mesmo que existisse.
Milei aprendeu com Bastiat?
Bastiat desafiava os leitores a enxergar o invisível. Os economistas não devem concentrar-se somente nos lucros do vidraceiro resultantes da pedra atirada na vitrine do padeiro. Assim como não devem concentrar-se sós nos empregos criados pelos gastos militares. Mas também nos custos dessas ações.
Uma falha que há muito tempo atormenta keynesianos e explica por que tantos acreditavam que cortar gastos do governo na Argentina aprofundaria sua recessão.
Em relação às reformas de Milei, críticos e prognosticadores concentravam-se no visível. Ou seja, dezenas de milhares de empregos perdidos e bilhões em cortes de gastos. Por um lado, algo perfeitamente racional. Esses cortes terão custos facilmente mensuráveis e provavelmente reduzirão a atividade econômica no curto prazo. D’outro lado, imediatamente visíveis ou não, as reformas de Milei criam inúmeras oportunidades. Ademais, desmantelam o setor menos produtivo da economia argentina: sua burocracia.
Só o tempo dirá se o aumento repentino da atividade econômica argentina (maio) representou contratempo ou início d’uma tendência de recuperação econômica a longo prazo. Mas os dados indicam para aumento acentuado na produção agrícola, o que talvez explique-se por condições sazonais favoráveis ou algum outro fator.
Muito além do Governo Milei
É certamente possível que, após décadas de sofrimento econômico causado pelo peronismo e pela impressão em massa de dinheiro, a Argentina tenha ainda mais trabalho a realizar antes da recuperação econômica. No entanto, Adam Smith observou que a fórmula da prosperidade é surpreendentemente simples, não incluindo “estímulos” governamentais. Mas apenas “paz, impostos fáceis e administração de justiça tolerável”.
Milei sabe disso, felizmente. E não dá sinais de que cederá em sua campanha para acabar com a inflação e os gastos públicos e devolver a Argentina à prosperidade. “Qual é a alternativa?”, disse à BBC. “Continuar a imprimir dinheiro como o governo anterior, que gera inflação e afeta os mais vulneráveis?”
Este artigo foi publicado originalmente no Daily Economy da AIER. Traduzido a partir da publicação na FEE, por João Pedro Moscati.