“Bailarina” surpreende em tantos sentidos, que gostamos até da frase “Lute como uma mulher”.
“Bailarina” prova que é possível inserir personagens femininas em filmes de ação no universo de protagonistas masculinos, sem desvalorizar o personagem da franquia original. Mas mais do que isso! Também demonstra como criar uma “mulher forte” que não precisa se masculinizar. Que não precisa de validação e reafirmação constantes.
Bailarina de fato quebrou ‘padrões’
Depois de filmes irritantes focados na lacração sem sentido, ao invés da mensagem moral, do desenvolvimento da trama… Surpreendi-me com “Bailarina”, inserida no ‘universo’ de John Wick. Em geral, receio assistir filmes atuais com ‘personagens femininas fortes’. Mas principalmente quando inserem essas personagens nos ‘universos’ de protagonistas masculinos que ‘exalam virilidade’. No caso, d’um lado a confusão entre violência e virilidade, mas d’outro lado… O reconhecimento de certos princípios, d’uma mensagem superior.
Lembro do Indiana Jones! Um personagem forte, conquistador, desbravador, com testosterona, ao invés de soja no sangue. Conquanto, entristeço ao verificar a humilhação do último filme “Indiana Jones e o Chamado do Destino”. Inseriram uma personagem amargurada, emocionalmente fraca e grosseira. Preferiram uma mulher masculinizada – com o pior lado do homem – ao invés d’uma ao estilo Tomb Raider: feminina e fatal. Uma chata sem sal.
Paradoxalmente, Bailarina quebra os padrões ao não ser uma lacração sem fim. Pois apresenta uma personagem complexa, mas não complexada. Uma personagem que não aceita o papel de vítima, de oprimida, mas busca o controle do próprio destino. Apesar de deixar-se dominar guiar pelo sentimento de vingança, não resume-se ao mesmo. O que começa como a simples ânsia em assassinar os assassinos do pai, se transforma em proteção, em salvar uma alma pura.
Quando o ‘padrão’ é a lacração, entregar qualidade é quebrar padrões.
Lute como uma Mulher (Spoiler)
Em dado momento de seu treinamento, a personagem principal Eve Macarro (Ana de Armas) responde à treinadora que não conseguia vencer o colega de treinamento… Porque ele era muito mais forte. Qual a resposta da treinadora? Chorar? Amaldiçoar o patriarcado? Obrigar o outro a tomar doses de soja na veia? Não! Ela responde: “Lute como uma mulher”. Ou seja, não queira medir forças com um homem, principalmente um grandalhão. “Use seus pontos fortes, bata onde dói, controle as regras da luta, trapaceie se necessário”.
Só esse conselho da treinadora seria suficiente para um elogio ao filme. Porém, a frase vai além. Sim, não são palavras ao vento num momento ‘épico’ forçado. Mas, sim, uma regra no cerne da obra. Afinal, Eve Macarro não tenta enfrentar homens na porrada e sai vitoriosa, ou seja, não parte ao ‘x-1’. Não! Ela usa armas de fogo, barras de ferro, golpes de limitação que limitam a vantagem da força física, arremesso de armas brancas etc. Ela mantém a luta dentro das próprias regras… Luta como uma mulher!
Aliás, tirando o treino, com direito a chute no saco, nas únicas duas outras vezes que tenta o X-1, ela perde! Inclusive, sobrevivendo na segunda vez porque teve a ajuda d’um homem. Mas sem que essa cena a diminua. Vocês acham que ela pára, reclama da ajuda, faz um ‘discursão’? Ao contrário, continua sua missão. A missão d’uma mulher que quer vingar a morte do pai e salvar uma criança. Lacração?
Sem agenda LGTBHYVPO etc… (Spoiler?)
A única relação entre pessoas do mesmo sexo que em dado momento ocorre no filme, é entre irmãs. Sem qualquer questão de sexualidade, mas de reencontro. Pode assistir sem medo de encontrar uma relação LGBT forçada e sem qualquer contexto. Ademais, valorizam a masculinidade e a feminilidade, sem sequer tocar em questões sexuais. É um filme de ação, não de ‘pegação‘. O maior exemplo da personagem principal, sua inspiração, é o pai. A segunda (profissional) é John Wick.
Macarro não tenta provar que é uma mulher forte, ela simplesmente o é. Não é um projeto de homem mal-acabado. Mas d’uma mulher decidida, aplicada e objetiva. Todavia, feminina… Mulher! Não usa vestidos, mas terninhos. Veja, não usa terno e gravata, ou roupas sociais masculinas, mas roupas sociais femininas. Pois há certa estética das assassinas no universo de John Wick, e Bailarina soube honrar.
Inclusive, Macarro usa roupas de Bailarina, dança balé e ama fazê-lo. Não vemos um barbudão sarado e peludo, em vestido rosa, interpretando “O Lago dos Cisnes”, de Tchaikovski. Ou qualquer preconceito estereotipado, disfarçado de ‘mensagem de tolerância’. Homens são homens e mulheres são mulheres , fim!
Bailarina e John Wick
A interação entre Macarro e Wick é pouca, rápida, com uma boa cena de luta. Entretanto, não espera algo como “mentor e discípula”, tampouco “personagem feminina esfregando na cara da sociedade que não precisa do homem”. Precisa e precisou! Mas não entregarei este spoiler. Porém, a admiração de Bailarina por Baba Yaga evidencia-se na primeira cena juntos.
O personagem de Keanu Reeves demonstra simpatia pela de Ana de Armas. Porém, não há uma construção baseada na arrogância, vaidade ou qualquer tentativa de forçar uma imagem ‘tóxica’ no homem. Assim como não há submissão à mulher. Talvez, uma admiração mútua, que é maior do lado de Bailarina.
Importante! O enredo é ambientado durante os acontecimentos de “John Wick 3: Parabellum”. Não fica claro em qual momento Baba Yaga teve tempo de participar dos eventos. Porém, participou. No entanto, há sentido nessa escolha. Pois “parabellum” é uma ‘transliteração’ de para bellum, do ditado ‘Ci vis pacem, para bellum‘. Ou seja, ‘Se quer paz, se prepare para a guerra”. Que combina perfeitamente.
Conclusão
Assistam “Bailarina – Do Universo de John Wick”. Sem medo, sem receios, sem procurar desesperada e freneticamente por indícios de lacração, de propaganda woke. Há fundo moral, há desenvolvimento, redenção, complexidade, pecados… Mas não há propaganda relativista.