Com “Antes do Adeus”, Chris Evans comprova que é possível entregar ao público um romance realista que aborda problemas ‘modernos’ sem abdicar da verdadeira Arte; capaz de fazer-nos contemplar a beleza na complexidade das relações humanas e exercitar a piedade e torcer pela salvação de pecadores arrependidos
Não sei se Chris Evans, ou seus roteiristas, tiveram a intenção proposital de entregar um romance realista de tamanha beleza e complexidade. Tampouco discutir princípios e valores numa perspectiva do bom senso, da piedade e sa salvação. Ao invés das correntes pós-modernas que dominam Hollywood. Mas o fato é que o eterno Capitão América, e um bom Tocha Humana apenas no filme do Deadpool, nos entregou com “Antes do Adeus”.
O Trompetista
Em “Antes do Adeus” (2014), o trompetista Nick (Chris Evans) toca seu instrumento numa Estação de Trem de Nova York, literalmente gastando o tempo. Pois tem um casamento para comparecer uma noite antes da audiência que pode mudar sua vida profissional, para a bande d’um gran músico de Jazz. Num romance água-com-açúcar e clichê, tão comum da Hollywood desprovida de força criativa e original, seria o casamento de sua ex. Todavia, é o casamento d’um conhecido em comum. Sim, ela estará lá, mas não trata-se d’um encontro depois do desencontro, com os personagens redescobrindo sentimentos mútuos e ‘o amor vencendo’… Seja lá o que isso signifique.
Nick cursava medicina, mas trocou por sua vocação: a música. Isso em suas próprias palavras, e sim, emprega o termo “vocação”, ao invés de “perseguir um sonho”. Pois quem persegue um ‘sonho’ também têm pesadelos, ou acaba numa frustração quase impossível de superar. Uma coisa é perseguir objetivos, buscar um real sentido para a própria vida, outra é ‘ser um sonhador’. Algo que os artistazinhos com problemas com os pais demonizam há tempos, inserindo personagens cruéis e ‘esmagadores de sonhos’ como vilões em romances fracos e de exageros emocionais. Geralmente, sendo o pai ou a mãe do mocinho ou mocinha.
Mas Nick tem uma vocação, e seu erro de sonhador consiste em imaginar e idealizar uma conversa com a ex cujo término lhe deixou arrasado. Uma conversa que revela a brutalidade que podemos encontrar nas relações amorosas. Assim como o alívio do ‘fechamento’, isto é, de resolver aquilo que jazia aberto e maltratava o coração. Não trata-se d’um reencontro de reconciliação, mas de encerramento.
A Alma Perdida
Nesse contexto que encontra com Brooke (Alice Eve), que perde o último trem para Boston, após furtarem sua bolsa num bar de Nova York. Contudo, cuidado, o personagem de Chris Evans não é o que pejorativamente chama-se nas redes sociais de “cavaleiro branco”. Aquele cidadão que endeusa a figura feminina e acha-se numa cruzada para salvar a donzela, ainda que Nick de fato ajude-a nesse processo. Tampouco a personagem de Alice Eve é a princesa ou donzela a ser salva, mas uma mulher de seu tempo, mesmo que não demonstre-se afetada por mentalidades dominantes.
Brooke é uma especialista em artes, vindo a Nova York para adquirir uma obra. Casada com Michael, o qual conheceu durante uma incursão a trabalho em Boston, quando funcionária d’uma empresa de Londres. E afirma ter “se jogado” quando encontrou e reconheceu o amor, mostrando valorizar mais sua relação com Michael ao próprio trabalho – algo cada dia mais raro na mulher carreirista do século XXI. Ademais, têm dois enteados, apesar de ainda não ter filhos de sangue com o marido, e demonstra carinho por eles. Pois quando reclama de terem furtado sua bolsa a Prada, não menciona o valor material, mas o sentimental, no máximo queixando-se de perder documento e cartões, porque poderia agora voltar para casa. E qual o valor sentimental? Uma inscrição na bolsa, feita pelo seu enteado – o moleque escreveu numa Prada, e isso fez Brooke valorizar mais o objeto.
Mas sendo moradora de Boston, sem documentos, cartões ou dinheiro, em plena noite de Nova York… Brooke fica desamparada. Porém, o mocinho não corre atrás da donzela para salvá-la, ainda que perceba não estar bem. Primeiro, termina sua apresentação solitária na estação de trem e, quando a encontra na saída, pergunta-lhe o que de fato aconteceu.
A Dinâmica em “Antes do Adeus”
Quando Nick tenta ajudá-la e Brooke mostra-se ingrata, ele não afaga e beija sua ingratidão, como o tal “cavaleiro branco”. Mas dá-lhe uma resposta realista, sem perder a educação. Isso acontecerá entre os personagens por várias vezes, ora d’um lado, ora d’outro, numa dinâmica que mistura momentos de alívio cômico, dramáticos e realistas.
A relação de confiança e amizade constrói-se ao longo d’uma noite na qual precisam ouvir, compreender e perdoar a si mesmos e um ao outro. Não entregarei o que aflige a personagem, fazendo-a desesperar com a possibilidade de não retornar à sua casa antes do marido. Entretanto (outro spoiler) liga-se à infidelidade descoberta num caso de Michael. Então, enquanto Nick precisa perdoar a ex, que o trocou por uma oportunidade de trabalho, num término realmente cruel, Brooke tenta encontrar forças para salvar seu casamento e perdoar Michael.
No entanto, enquanto é fácil ao cristão dizer “deve-se perdoar o pecado do outro”, pois a impiedade paga-se com o Inferno. É muito difícil mesmo aos cristãos exercer esse perdão, assim como olhar com piedade e exercer a caridade para pecadores como Michael, Nick, Brooke e Hannah (Emma Fitzpatrick), a ex do ‘mocinho’. Mas nada disso é negligenciado ou relativizado em “Antes do Adeus”, como a dinâmica dos personagens principais demonstra a cada nova cena.
A Esposa Fiel e o Homem Cristão
Em momento algum fala-se em Deus, ou no nome de Deus. Brooke diz que o encontro com Nick era algo que precisava acontecer, tinham esse destino. Mas se Destino pode ser um Deus pagão, não emprega-se o termo assim no filme. Conquanto lembremo-nos que em “As Crônicas de Nárnia” não fala-se no nome de Jesus Cristo, tampouco de Deus. C. S. Lewis não necessitou disso para entregar-nos uma das maravilhas da literatura cristã – mesmo que encontremos um ou outro ‘problema teológico’, a depender de quem assiste… Um Católico, um Protestante d’outra denominação, Anglicano etc.
Porém, a escolha de Brooke em não pagar a Michael na mesma moeda, havendo forte tensão amorosa entre ela e Nick… Reforça-se na escolha de Nick em respeitar tal posição, sem tentar convencê-la do contrário. Trazem à mesa a tentação em conflito com a verdade, o pecado apresentando-se para ser rechaçado por ambos. Que, sim, trocam dois beijos – e não relativizo o erro pela quantidade -, mas mantém-se firmes na escolha de aguardar a resolução entre Brooke e Michael, e respeitar isso. O arrependimento seguido da resolução presenteiam-nos com uma nova parte da dinâmica, quando os personagens apoiam-se mutuamente, conversam e chegam no ápice durante dois falsos telefonemas no retorno à Estação de Trem.
A Resistência ao Pecado em “Antes do Adeus”
Nick e Brooke não caem nas tenações perceptíveis, mas nem por isso mostram-se inabaláveis, não afetado, imunes. Não! Eles escolhem não permitir que o abalo, a afetação, a vulnerabilidade faça-os cair nessas tentações. É a vitória da Vontade! O que não significa que não posam ficar juntos num outro momento, com ambos solteiros.
Aparentemente Brooke e Michael não receberam o sacramento do matrimônio (até porque ele fora casado e a esposa o abandonou). Como também não explica-se se Michael recebera esse sacramento com a ex-esposa, ou eram “casados só no civil”, não podemos versar sobre adultério no segundo casamento. Essas questões não aparecem em “Antes do Adeus”. Não é um filme teológico, ou religioso em si, mas um romance realista, de costumes e princípios, de conflitos e resoluções. Uma obra que coloca a vontade frente ao pecado, e a dor da traição frente à decisão de amar ao próximo.
Os impiedosos exigem a perfeição dos demais pecadores, sendo incapazes de exercer a caridade e torcer ou rezar pela sua salvação. Idealizam o Homem Cristão e a Esposa Fiel como imunes às tentações, num nível que sequer escolhem não abraçá-las, mas não são afetados em nível algum. Mas deixar de pecar por impotência não é virtude, enquanto quem se arrepende, muda e pede sinceramente o perdão de Deus, pode realmente alcançá-lo. Ou seja, Deus perdoa os pecadores infiéis, promíscuos, homicidas, ladrões etc., mas não perdoa quem não perdoa.
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