A nomeação d’uma juiza do Tribunal Constitucional que declarou que criança não tem dignidade humana antes do nascimento reacendeu o debate sobre o aborto
Em 11 de julho, o debate sobre o aborto na Alemanha explodiu repentina e inesperadamente. Era o último dia antes do recesso parlamentar de verão do Bundestag, e ocorreria a votação da nomeação de três novos juízes para o Tribunal Constitucional Federal. Ademais, os partidos políticos indicam os candidatos a juízes e devem obter maioria de dois terços. Mas o processo é rotineiro e geralmente transcorre sem incidentes. Contudo, uma das candidatas, Frauke Brosius-Gersdorf, professora de direito público na Universidade de Potsdam, defendeu a liberalização das leis de aborto na Alemanha.
Negação da Dignidade da Vida Humana
Como noticiou o First Things, Brosius-Gersdorf escreveu em 2024: “A suposição de que a dignidade humana aplica-se onde quer que exista vida humana é uma falácia biológico-naturalista. Pois a dignidade humana e a proteção da vida estão juridicamente dissociadas.”
O aborto é ilegal na Alemanha. Mas, desde 1995, permitido até a 12ª semana de gestação, e cerca de 100.000 abortos ocorrem todos os anos. O movimento pró-vida alemão fortaleceu-se nos últimos anos, e diversas organizações pressionaram parlamentares com suas preocupações sobre Brosius-Gersdorf. A União Democrata Cristã (CDU), defendendo a “dignidade inviolável do ser humano em todas fases de seu desenvolvimento” como um dos valores do partido, retirou apoio à nomeação.
“Ela quer implementar um direito à vida gradual para os nascituros de acordo com a idade — até 12 semanas, sem direito à vida se a mãe decidir fazer um aborto”, disse-me Alexandra Linder Conquanto, líder da principal federação pró-vida da Alemanha, a Bundesverband Lebensrecht (BVL). “Informamos os parlamentares democratas-cristãos, e eles votaram contra ela”.
Merz apoia o Aborto
No acirrado debate de 11 de julho, o chanceler Friedrich Merz cometeu um erro grave. Pois Beatrix von Storch, do partido conservador AfD (Alternativa para a Alemanha), perguntou ao chanceler se apoiaria candidato a juiz que disse “que criança de nove meses não tem dignidade humana antes de nascer”. E Merz respondeu: “Sim”.
“Um grande erro cometido pelo chanceler”, disse Linder. “Seus próprios parlamentares na CDU e na CSU chocaram-se; dava para ver isso na tela. Acho que simplesmente subestimou a reação a essa resposta equivocada e lacônica. Ademais, nesse ponto que a maioria de sua facção disse ‘não’ àquele candidato. A posição dos parlamentares da CDU/CSU é eticamente muito melhor do que a da esquerda.”
Brosius-Gersdorf retirou sua candidatura em 7 de agosto, afirmando que o SPD e outros partidos de esquerda a apoiaram “até o fim”. Mas que sua nomeação tornava-se uma perigosa fonte de divisão dentro da coalizão governista. Portanto, perirgosa a algo que considera essencial para impedir a ascensão da AfD. Brosius-Gersdorf, aliás, também apoia a proibição da AfD.
Movimento Pró-Vida fortalecido
O fato de o debate sobre o aborto ter sabotado uma importante nomeação judicial e dividido a coalizão governante da Alemanha indica a crescente força do movimento pró-vida. “Cada vez mais pessoas fazem as perguntas certas e interessam-se pela discussão. Porque aborto, suicídio assistido, doação de órgãos e barriga de aluguel são debates muito atuais. Mas também graças às nossas décadas de trabalho”, disse-me Linder.
As organizações pró-vida da BVL “trabalham em todos os níveis, fazendo lobby, fornecendo informações e pesquisas sérias, administrando centros de gravidez, aulas em escolas, realizando palestras. Assim como organizando o único congresso pró-vida alemão (outubro de 2022, maio de 2025, outubro de 2027). E orquestrando as duas maiores Marchas pela Vida todo setembro (Berlim e Colônia, 20 de setembro de 2025)”, disse Linder.
A principal oposição vem dos partidos e da mídia de esquerda e do lobby pró-aborto (Pro Família, Médicos pela Escolha). Eles organizam muitas campanhas difamatórias contra nós: somos “extremistas de direita”, “fundamentalistas”, “homofóbicos” e “antifeministas”. Mas também acusados de ligações a partidos de extrema direita, e assim por diante. Simplesmente mentiras. E quanto mais agressivas essas mídias e organizações são conosco, mais atentas as pessoas tornam-se. No momento, temos uma nova campanha antiaborto a cada 2 ou 3 meses, também em nível europeu.
Esquerda Luta para Liberalizar o Aborto
O debate sobre o aborto continua sendo uma questão atual na Alemanha, apesar dessas táticas do establishment. “Durante o último governo, houve maioria a favor do aborto e de questões semelhantes”, disse Linder. “Eles permitiram anúncios de aborto e proibiram ajuda ou orações em frente a clínicas de aborto. A eleição anterior, em fevereiro (em vez de setembro), impediu mudança drástica na lei do aborto alemã, que preparavam. Mas pudemos ajudar a evitar essa mudança, embora tentaram implementá-la até o último minuto antes das eleições”.
No entanto, os partidos de esquerda (SPD, Linke, Bündnis90/Die Grünen) querem legalizar o aborto e afirmam que não há clínicas de aborto suficientes. Eles não desistem e estão se mostrando muito agressivos, pois já perderam duas batalhas este ano. Nosso foco político é provar que o aborto não é solução para os problemas das mulheres e não é uma decisão autodeterminada, mas sim uma questão de extrema pressão de terceiros e das circunstâncias.
Em última análise, Linder está otimista. “Nosso trabalho se baseia em nossa Constituição, na ciência e na dignidade humana. Se continuarmos trabalhando com base nisso, com calma e respeito por cada pessoa, finalmente venceremos.” O fato de Frauke Brosius-Gersdorf não ser juíza federal é uma evidência de que ela pode estar certa sobre isso.
Publicado originalmente no The European Conservative, sob o título “The German Abortion Wars”. Traduzido por Samara O. Barricelli