Como as ideologias autoritárias infiltraram-se no imaginário de gerações através da insinuação estatista e a romantização do estatismo na Mídia Popular, e por que ameaça as nossas liberdades
Um subconjunto sutil do non sequitur estatista é o que chamaremos de insinuação estatista ou implicação estatista. Conquanto ocorre comumente em conversas ou na mídia. Mas envolve a suposição inquestionável de que o Estado é o agente natural ou necessário da ordem moral, da segurança ou do progresso. Tipicamente, reconhece-se algum “problema social” e o intervencionismo estatal é sutilmente (ou não tão sutilmente) insinuado, implícito ou sugerido como solução evidente. A forma negativa envolve a implicação de que, na ausência de ações específicas do Estado, o desastre torna-se inevitável.
A Importância da Mídia
A insinuação estatista parece ocorrer em sociedades tão acostumadas ao Estado-nação moderno, que não somente assumem a necessidade e a obviedade do Estado político como solução. Ms o conceito de Estado arraiga-se tanto que com frequência é insinuado ou implícito na própria formulação d’uma questão. Sempre que declara-se um problema por certas pessoas ou pela mídia mais popular, pode-se quase garantir que a insinuação inevitavelmente envolverá maior poder ao Estado. Além disso, como envolve pouco custo pessoal ou pensamento e com frequência envolve aumento no status social percebido, as insinuações estatistas ou a defesa direta de maior ação estatal incentivam a sinalização de virtude.
Dada a natureza da mídia popular fictícia — diferente da mídia que busca comunicar diretamente informações factuais — e a influência cultural do romantismo. Não deveria nos surpreender que a insinuação estatista seja abundante na mídia fictícia.
A maioria das impressões é moldada pela mídia, mesmo a mídia popular. De fato, todas as impressões que formam nosso modelo interno de realidade. Mas que não advêm diretamente de uma lógica corretamente aplicada e/ou da experiência sensorial. Pois provêm d’alguma forma de mídia. N’outras palavras, todas as nossas informações indiretas sobre o mundo são mediadas. Todavia, não significa que o conteúdo mediado seja falso. Mas a mídia é crucial e —desempenhandoesse papel na sociedade — suscetível à manipulação e campo de batalha potencial irresistível à comunicação de valores.
Rothbard discute a natureza da arte como “necessariamente comunicação”. Mas também aponta que a arte é uma comunicação seletiva de valores e visão da realidade,
Arte não é apenas comunicação; é necessariamente também seleção. Ninguém… pode apresentar toda a realidade como ela realmente é. Ele deve selecionar algum aspecto da realidade para comunicar. Mas, no momento em que isso é admitido, também deve ser admitido que o artista ou o historiador só podem selecionar de acordo com algum padrão de seleção. (ênfase no original)
O Papel da Arte para a Insinuação Estatista
A arte ficcional é mais flexível do que a comunicação direta de informações porque “o artista cria seus próprios eventos”. Em seguida, Rothbard define de arte: “a remodelação da realidade de acordo com os valores do artista e comunicação desses valores ao leitor ou observador” (ênfase adicionada). Portanto, arte sempre tem um objetivo normativo em vez de um empírico: “Uma vez que o artista deve escolher e, portanto, escolherá conforme seus valores, todos os artistas apresentam a realidade não como ela é. Mas como eles acreditam que deveria ser”. Isto é, a arte é mais sobre comunicar valores do que fatos. Além disso: “Todo romancista, quer saiba disso ou não, é um filósofo moral e professor”.
A arte também é uma forma mais sutil de argumentar — ou insinuar — um ponto, e é mais difícil argumentar contra insinuações artísticas na mídia popular. Mises discute a influência econômica do romantismo, especialmente por meio da literatura. Ou seja, da mídia popular.
A arte social é uma arte tendenciosa: toda literatura social tem uma tese a demonstrar. Mas sempre a mesma tese: o capitalismo é um mal, o socialismo é a salvação. Que tal repetição eterna não levou ao tédio mais cedo atribuí-se unicamente ao fato de que os vários escritores tinham diferentes formas de socialismo em mente. Mas todos seguem o exemplo de Marx ao evitar a exposição detalhada da ordem social socialista que elogiam. Ou seja, a maioria deles apenas indica por alusão, embora com clareza suficiente, que deseja uma ordem socialista.
Que a lógica de seu argumento seja inadequada e as conclusões levadas para casa por um apelo às emoções em vez da razão não surpreende. Pois até nesse mesmo método segue essas tais e autoproclamadas autoridades científicas em socialismo. A ficção é um veículo privilegiado para esse tipo de procedimento, pois há pouco receio de que alguém tente refutar suas afirmações em detalhes por meio da crítica lógica. Não é costume indagar sobre a exatidão de observações específicas em romances e peças de teatro. Mesmo que fosse, o autor ainda encontraria saída negando sua responsabilidade pelas palavras específicas colocadas na boca d’um herói. As conclusões impostas pela caracterização dos personagens não consegue-se invalidar pela lógica. (grifos nossos)
A Revolução Cultural em Antonio Gramsci
Reconhecendo a natureza da arte, do romantismo, o baixo custo social percebido e o alto benefício social da sinalização de virtude. Assim como a pressuposição do padrão comum sobre a necessidade óbvia da intervenção estatal em qualquer problema. Esperaríamos que a mídia ficcional popular estivesse cheia de insinuações estatistas.
Antonio Gramsci (1891-1937) — decepcionado com a velocidade do surgimento supostamente inevitável do socialismo e estudando como a revolução cultural gradual prepararia o caminho à revolução política — disse. “Toda revolução precedeu-se por intenso trabalho de crítica, pela difusão da cultura e disseminação de ideias entre as massas…”. Distinguindo-se de uma estratégia de ataque frontal revolucionário (“guerra de manobra”).
Gramsci acreditava numa infiltração e transformação lenta e paciente das fortalezas culturais e institucionais da sociedade para fazer o socialismo parecer inevitável e moral (“guerra de posição”). Por conseguinte, eles capturam gradualmente centros de educação, religião, jornalismo, burocracia e arte e mídia populares . Sendo assim, para Gramsci, transformar-se-ia a cultura em preparação para a revolução socialista.
Mídia, Cultura, Economia e Política
É difícil compreender plenamente até que ponto até mesmo a mídia autoproclamada ficcional teve e continua a ter influência sobre as percepções das pessoas sobre a realidade. Mesmo que a mensagem que insinuam ou declarem diretamente seja falsa. Podemos ver isto até em casos não políticos.
Por exemplo, o mito bastante inócuo de que coelhos adoram cenouras. Na realidade e na natureza, coelhos raramente comem cenouras. A popular associação de massa entre coelhos e cenouras vem de Pernalonga parodiando os maneirismos de Clark Gable em Aconteceu Naquela Noite (1934). Onde Gable apoia-se numa cerca e mastiga uma cenoura enquanto fala. Um fenômeno denominado hiper-realidade, no qual a rompe-se a distinção entre “real” e “representação” (ou simulação). Assim, a mídia frequentemente distorce as percepções das pessoas sobre a realidade sem que sequer percebamos.
Embora exemplos da insinuação estatista — e muitas outras insinuações filosóficas e normativas — abundem na mídia popular, este artigo só tem espaço para destacar algumas. Por exemplo, o famoso romance propagandístico de Upton Sinclair — A Selva — é fictício. No entanto, mesmo que as pessoas não o leiam, moldou a “memória” (impressão) histórica de gerações. Mas também há dificuldade filosófica com o conceito de memória histórica, pois todo evento histórico que não vivenciamos diretamente é transmitido a nós pela mídia. Portanto, não nos lembramos do evento, mas da informação mediada a nós. Assim, sentimos a consciência histórica coletiva e o consenso como memória.
Insinuação Estatista em Sinclair
Sinclair tentou amolecer o público para o socialismo. No entanto, realmente conseguiu desgostar o povo e aumentou a regulamentação federal (às custas do contribuinte). Por isso, disse a famosa frase: “Mirei no coração do público e, por acidente, acertei-o no estômago”. Ademais, até o progressista Theodore Roosevelt disse:
Tenho um profundo desprezo por [Upton Sinclair]. Ele é histérico, desequilibrado e mentiroso. Três quartos das coisas que disse eram mentiras absolutas. Para algumas das demais, havia somente uma base de verdade. (Roosevelt para William Allen White, 31 de julho de 1906, Elting E. Morison e John M. Blum, editores, The Letters of Theodore Roosevelt, 8 vols. (Cambridge: Harvard University Press, 1951-54), vol. 5, p. 340).
O congressista ED Crumpacker — nas audiências do Comitê de Agricultura da Câmara sobre a chamada “Emenda Beveridge” ao Projeto de Lei de Dotações Agrícolas (1906). Disse:
…[inspetores] estiveram nos frigoríficos de Chicago o tempo todo. Mas nenhum funcionário do governo jamais registrou qualquer reclamação ou deu qualquer informação pública com relação à maneira de abate ou preparação de carne ou produtos alimentícios. Que eu saiba.
Descobriu-se a situação em Chicago através do livro “A Selva”, incidental ou acidentalmente. Talvez, se o Sr. Sinclair não escrevesse, ainda não saberíamos o que comáimos. Mas parece algo inacreditável. Ou os funcionários do governo em Chicago estão lamentavelmente negligenciando seu dever. Ou exagerou-se a situação lá escandalosamente para o país. É possível que uma condição tão terrível possa prevalecer sob o nariz de 180 funcionários federais pagos pelo tesouro comum sem uma única palavra de reclamação? Para que servem os inspetores? (grifo nosso).
Agora, qual documento as pessoas têm mais probabilidade de ler: The Jungle ou a página 194 de um registro do Congresso de 1906? Realisticamente, a resposta é que hoje a maioria dos americanos provavelmente não lê nenhum dos dois. No entanto, é a ficção do passado que cativou a imaginação, alinhada ao ímpeto político da era progressista. Logo, molda a “memória” histórica percebida e a consciência da maioria dos americanos atuais.
Os Românticos e a Pavimentação ao Socialismo
Em seguida, se qustionarmos os americanos sobre as condições da Revolução Industrial, provável uma referência a Charles Dickens,. Isto é, a Um Conto de Natal e Tio Patinhas, não à história econômica. Mises escreveu: “Dickens, com outros românticos menos talentosos como contadores de histórias, mas seguindo as mesmas tendências, ensinou milhões a odiar o Liberalismo e o Capitalismo”. Mas também diz que, talvez inconscientemente, “todos rejeitam a ordem social capitalista e combatem a propriedade privada dos meios de produção”. Assim como “[n]entre as linhas”, sugerem e insinuam um mundo melhor econômica e socialmente. Ele chama esses autores e artistas românticos de “agentes de recrutamento para o Socialismo”.
Geralmente por meio de insinuação estatista ou implicação indireta, sem geralmente mencionar política, Dickens promoveu a falsa visão de que o capitalismo industrial piorou as condições materiais dos trabalhadores e dos pobres. Porém, também sugeriu que alguma alternativa não-mercadológica, como: intervenção estatista, socialismo etc., seria superior. Histórica e economicamente, demoliu-se várias vezes o mito de que a Revolução Industrial piorou e empobreceu as vidas dos trabalhadores e dos pobres. Mises disse: “O que [os românticos] viam era sempre e invariavelmente a sujeira e a miséria que a civilização capitalista herdou do passado. Mas não os valores que ela alcançou.” Na mesma página, numa nota de rodapé, Mises observou:
A história econômica inglesa destruiu a lenda que acusava a ascensão da indústria fabril de piorar a situação das classes trabalhadoras. Veja Hutt, “The Factory System of the Early 19th Century (Econômica, Vol. VI, 1926), p. 78 e seguintes. E Clapham, “An Economic History of Modern Britain”, 2ª edição, Cambridge 1930, p. 548 e seguintes.
“Folclore”
Em Capitalismo e os Historiadores, FA Hayek — após notar o falso “folclore do nosso tempo” em relação ao capitalismo — declarou: “A maioria das pessoas ficaria muito surpresa ao saber que a maior parte do que acreditam sobre esses assuntos não são fatos estabelecidos com segurança. Mas mitos, lançados a partir de motivos políticos…”. Muitas vezes, o que acredita-se ser “história” não é de fato história, mas “lenda política“. No entanto, não importa quantas vezes falsifiquem esses mitos, a mídia popular continua exercendo profunda influência sobre o que acredita-se como história ou realidade. Conquanto a mídia popular não precisa dar sermões sobre a superioridade do intervencionismo, do estatismo ou socialismo. Mas somente entreter e insinuar valores.
A lição aqui não é sugerir qualquer proibição a tais mídias — embora todas as transferências de impostos de qualquer forma para empresas de mídia devam cessar imediatamente. Mas aprender e ensinar outras pessoas, especialmente crianças, a reconhecer pressupostos não declarados e a autoconsciência epistemológica. Cuidado com os “cavalos de Troia morais”. Ademais, pergunte-se: “O que o autor-artista valoriza, considera verdadeiro, acredita e quer que eu pense ou faça como resultado desta mídia?”.
Como praticar, quais são as insinuações de verdade e valor presentes na mídia popular que consumimos? Por exemplo, considere “A Felicidade Não se Compra“, “A Grande Aposta”, “Grande Demais para Falhar “, “Too Big to Fail”, “Top Gun: Maverick”, “Don’t Look Up”, “WALL-E”, “Rio”, “The Lorax“, “Avatar“, “Grey’s Anatomy”, “The Handmaid’s Tale”, “The Savant”, “Ironheart“, “Velma“, “She-Hulk” etc. Poderíamos criar uma longa lista de insinuações estatistas na mídia popular.
Publicado originalmente em Mises Wire, do Mises Institute, intitulado “Popular Media, Romanticism, and the Statist Insinuation“. Traduzido por Roberto Lacerda Barricelli
