O Massacre de São João D’Acre testemunhou a coragem de Cavaleiros Cruzados lutando não mais por conquista ou reconquista, mas pela honra da cristandade
A história das Cruzadas, tão marcada por visões grandiosas e empreendimentos que confundem-se com lenda, culminou num crepúsculo melancólico e inevitável. Durante séculos os cruzados, homens de toda a Cristandade, abandonaram seus lares, trocaram coroas por elmos, e puseram suas vidas ao serviço de uma ideia. Conquanto buscavam reconquistar, proteger e manter sob o estandarte da cruz as terras santas da Palestina.
Divisões Internas
Reis, cavaleiros e humildes peregrinos, movidos tanto pela fé quanto pela ambição, cruzaram mares e desertos. Mas também fundaram reinos efêmeros, erguendo fortalezas que pareciam querer eternizar-se contra a maré do tempo e do destino. Contudo, as intrigas internas, a rivalidade entre venezianos e genoveses, a disputa de templários e hospitalários, o egoísmo de príncipes e as hesitações do papado corroeram, pouco a pouco, o alicerce dessa obra monumental.
Enquanto isso, os muçulmanos, unidos sob líderes vigorosos, avançavam com determinação e disciplina. Mas o Ocidente se enfraquecia em divisões e deixava escapar raras oportunidades de aliança, como a que os mongóis ofereceram. Assim, um a um, os bastiões cristãos na Síria e Palestina caíam, até que no ocaso do século XIII, restavam poucos enclaves — frágeis, solitários, condenados. A última esperança, São João d’Acre, transformou-se no palco de uma resistência que, se não podia mais salvar o reino, ao menos podia coroar sua memória com um ato de bravura sem igual.
Batalha de São João d’Acre
Foi assim que se escreveu a derradeira página de glória dos cruzados. Em São João d’Acre, os estandartes da cruz ainda tremulavam sobre muralhas abaladas, enquanto por todos os lados se fechava o cerco inimigo. Uma tempestade de projéteis lançados por terríveis balistas caía incessante sobre a cidade, abrindo brechas, incendiando torres, reduzindo casas a ruínas fumegantes. A fome roía os estômagos, o sono era um luxo esquecido, e o socorro esperado do mar jamais chegou. Durante seis semanas, os defensores — templários, hospitalários, cavaleiros de toda a Europa — lutaram sem outra esperança senão a de não manchar a honra. O que se travou ali não foi já uma guerra por conquista, mas um testamento de coragem.
Quando o dia 18 de maio de 1291 amanheceu, as trombetas árabes soaram como um chamado inevitável ao juízo final. No portão de Santo Antônio, lado a lado, estavam João de Villiers, grão-mestre do Hospital, e Guilherme de Beaujeu, grão-mestre do Templo. Ombro a ombro, repeliam a onda que se erguia contra eles, até que ambos caíram, unidos no mesmo instante e no mesmo chão, como se a morte os tivesse selado no pacto que a vida consagrara. Em meio à carnificina, o marechal do Templo, Mateus de Clermont, avançava e recuava sobre a maré humana, golpeando a torto e a direito, abrindo caminho por entre corpos, até que também foi vencido. Restaram apenas dez templários, sete hospitalários e nenhum teutônico para contar a história.
Massacre
O desfecho:i um massacre sem piedade. Os mamelucos, senhores da cidade, não pouparam ninguém, e entre suas vítimas preferidas estavam os sacerdotes, abatidos no altar ou arrastados pelas ruas. Mas entre todos os atos derradeiros, o mais sublime foi o dos dominicanos: ajoelhados, formaram um coro uníssono e, de vozes firmes, cantaram a Salve-Rainha enquanto as lâminas se aproximavam. Com a queda de Acre, o que fora o reino cruzado desapareceu da costa do Levante. Restou apenas a ínfima e solitária ilhota de Ruad, em frente a Tortosa, último ponto sob o comando dos templários — e que resistiria até 1303, como um eco distante de uma era que jamais retornaria.
Originalmente publicado em História & Tradição.