A provocação começa no título, demonstrando que ajustes realizados por grandes empresas podem sinalizar realidade adversa do discurso governamental sobre ‘pleno’ emprego
Se tomarmos a taxa oficial de desemprego como a palavra final sobre a situação do emprego — como o presidente do Fed, Jerome Powell, instruiu na coletiva de imprensa do FOMC em julho —, provavelmente concluiremos que o mercado de trabalho permanece aquecido. Afinal, com 4,2%, a taxa de desemprego de julho sugere que a economia americana alcanlou o que os tecnocratas chamam de “pleno emprego”. Mas há evidências crescentes das pessoas ficando sem dinheiro para gastar — parecendo colidir com a ideia de que a economia chegou ao pleno emprego.
Por exemplo, os últimos três meses do relatório Case-Shiller sobre preços de imóveis mostraram o índice em território negativo. Além disso, a inadimplência em cartões de crédito, financiamentos de veículos e empréstimos estudantis alcançou os níveis mais altos desde a crise financeira global.
Alerta do McDonald’s
Em outro acontecimento desta semana que deve ser considerado um sinal de alerta para os orçamentos familiares, os restaurantes McDonald’s anunciaram cortes de preços. Especificamente, a CNN relata:
O McDonald’s reduziu os preços de seus combos apenas algumas semanas após o CEO admitir publicamente que seu cardápio ficou muito caro e comprometer-se a resolver o problema. Mas também expandirá suas ofertas de combos com uma oferta de café da manhã de US$ 5 e um especial de Big Mac e McNugget de US$ 8 nos próximos meses com a reintrodução da marca “Refeições Extra Value”.
Agora, por que o McDonald’s cortaria preços se a economia dos EUA alcançou pleno emprego? Por que a inadimplência em financiamentos de veículos nas maiores taxas dos últimos quinze anos com um mercado de trabalho em tão excelente forma?
A resposta provável: consumidores simplesmente não têm mais recursos para cobrir tanto as grandes parcelas do financiamento de veículos quanto as caras refeições para viagem. Até recentemente, tinham dinheiro para isso, como sugere o fato de que ao final de 2022 a inadimplência em financiamentos de veículos diminuia. No entanto, em 2022 vimos a inflação do IPC atingir as máximas em 40 anos. Mesmo assim, os consumidores não pareceram importar-se com a disparada dos preços do McDonald’s entre 2022 e 2023. Pois por 2023, mais ou menos quando postagem nas redes sociais sobre refeição econômica do BicMac (US$18!) viralizou, consumidores começaram a reduzir gastos com fast-food.

Estatísticas Reais desafiam narrativa de ‘pleno emprego’
Os consumidores que gastam livremente sem preocupaçã aparentemente tornam-se cada vez mais raros em 2025. Masnão deveria ser inesperado, dada a tendência de queda contínua nos dados de emprego do Bureau of Labor Statistics.
Inicialmente, observamos que os salários reais, ajustados pela inflação do IPC, continuam abaixo do início de 2021, quando o rendimento médio por hora era US$29,92. Desde então, o rendimento médio ajustado pela inflação caiu para US$ 29,71. Portanto, n’outras palavras, não houve crescimento médio dos salários reais em mais de quatro anos.

Além disso, os dados mensais recentes sobre o crescimento do emprego, na melhor das hipóteses, são medíocres. Nos últimos três meses, emprego total (conforme pesquisa sobre folha de pagamento/estabelecimentos) permaneceu praticamente estável, aumentando só cerca de 35.000/mês de abril a julho. Porém, desde abril o emprego total na folha de pagamento aumentou apenas 0,06%. Após enormes revisões para baixo nos totais da folha de pagamento dos últimos meses, o relatório de julho mostrou crescimento total do emprego na folha de pagamento de somente 19.000 (maio), 14.000 (junho) e 73.000 (julho). Ou seja, indicando desaceleração substancial no crescimento do emprego.

Ademais, outra medida de emprego, a pesquisa domiciliar, mostra queda nos últimos três meses, com redução de 853.000 pessoas empregadas desde abril. Em julho, a pesquisa domiciliar mostrou uma queda de 260.000. Todavia, a diferença da pesquisa domiciliar à pesquisa sobre estabelecimentos decorre, em parte, de que a pesquisa sobre estabelecimentos de ensino monitora apenas empregos. Aiás, Tanto de meio período quanto integral. Mas a pesquisa domiciliar monitora pessoas empregadas.
Portanto, esses relatórios podem mostrar um crescimento contínuo no total de empregos, em grande parte de meio período, enquanto o número total de pessoas empregadas permanece estável.

Jornada ‘Dupla’?
Considerando que os salários reais estagnaram, nessa situação talvez os trabalhadores assumam empregos adicionais para sobreviverem. Corrobora tal teoria o fato de que o crescimento do emprego em meio período supera o crescimento de tempo integral desde 2021. Pois o trabalho em tempo integral aumentou 7,6% desde o início de 2021, enquanto o trabalho em meio período aumentou quase 16%. Especificamente, o trabalho em tempo integral caiu 440.000 empregos, de junho a julho, e em meio período aumentou 247.000 no mesmo período.

Os enganos da Taxa de Desemprego
Tudo isso sugere que o mercado de trabalho não está tão aquecido quanto o banco central e o governo sugerem. Por exemplo, durante sua mais recente coletiva de imprensa, o presidente do Fed, Jerome Powell, insistiu na situação do emprego como excelente. Mas disse que o Fed baseia essa avaliação principalmente na taxa de desemprego. Faz sentido que Powell diga isso, é claro. Pois a taxa de desemprego, considerada isoladamente, apresenta situação de emprego muito mais otimista do que os dados de crescimento de emprego e rendimentos.
No entanto, desmente o forte quadro de empregos apresentado pela taxa de desemprego o fato de que a taxa de participação na força de trabalho apresentou baixa de 33 meses em julho. Ou seja, a razão pela qual a taxa de desemprego continua a parecer baixa é a queda no número total de trabalhadores. Enquanto os trabalhadores deixarem a força de trabalho, o número total de empregos cairá e a taxa de desemprego permanecerá estável.
Não por coincidência, o número de trabalhadores em potencial agora listados como “fora da força de trabalho” aumentou em 1,3 milhão desde abril, Sendo assim, agora quase voltou ao pico experimentado durante os bloqueios da covid. Ou seja, sem esse êxodo de trabalhadores, a taxa de desemprego seria consideravelmente maior.

Posição do FED sobre Economia e Emprego
Pelo menos alguns formuladores de políticas do Fed notaram essa tendência. Na ata de julho do Comitê Federal de Mercado Aberto do Fed, divulgada esta semana, a estagnação do emprego entrou em discussão:
Em sua discussão sobre o mercado de trabalho, os participantes observaram que a taxa de desemprego permaneceu baixa e o emprego no nível máximo ou próximo. Vários participantes notaram que a baixa e estável taxa de desemprego refletia combinação de baixas contratações e baixas demissões. Conquanto alguns observaram que seus contatos e respondentes da pesquisa empresarial relataram relutância em contratar ou demitir em meio à elevada incerteza.
Em relação às perspectivas para o mercado de trabalho, alguns mencionaram indicadores que sugeririam redução na demanda por mão de obra. Ademais, incluíram crescimento mais lento e concentrado do emprego e aumento nas taxas de desemprego de negros e jovens, sensíveis ao ciclo. Mas também menores aumentos salariais àqueles que trocaram de emprego do que aos que permaneceram. Alguns desses participantes também notaram casos no Livro Bege ou em suas discussões com contatos que apontavam para demanda mais lenta. Além disso, vários participantes notaram a redução na demanda agregada e na atividade econômica traduzindo-se em condições mais fracas do mercado de trabalho. Assim como uma potencial incapacidade de alguns importadores de suportar tarifas mais altas.
Esse mercado de trabalho “sem contratações/sem demissões” parece estar se espalhando pela economia. Embora seja verdade que não estamos presenciando grandes demissões, também não estamos presenciando muitas novas contratações.
Conclusão de Powell
Agora, enquanto escrevo, Jerome Powell conclui seus comentários na conferência do Fed em Jackson Hole. Sendo assim, no consenso, Powell sutilmente sugere que a fraqueza no emprego exigirá reavaliação da postura do Fed em relação às taxas de juros. Tradução: Powell diz que a economia enfraqueceu a tal ponto que o Fed talvez forçe a queda das taxas de juros, na esperança de estimular mais crescimento do emprego (nota do editor: modelo japonês?).
Não sei se Powell realmente acredita nisso, e nunca há certeza de quanto das mensagens do Fed baseia-se em análises honestas ou propaganda do regime. De qualquer forma, a afirmação de Powell de que o enfraquecimento do mercado de trabalho exige mais estímulo monetário certamente encaixaria nos dados do BLS. Ademais, que Powell despreocupadamente descartou algumas semanas atrás. Portanto, tudo isso serve como lembrete de que jamais devemos tomar o que os porta-vozes do Fed dizem como insights confiáveis sobre tendências econômicas presentes ou futuras.
Originalmente publicado em Mises Wire, do Mises Institute, sob o título “If Employment Is So Strong, Why Is McDonald’s Slashing Prices?“. Tradução: Roberto Lacerda Barricelli.