O apetite pela moralização e o ativismo social entre as maiores empresas dos EUA parece diminuir, e há um bom motivo para isso
Em janeiro, a Axios relatou uma tendência crescente no mundo corporativo dos Estados Unidos: corporações em todo o país afastavam-se do ativismo social da DEI, que tornou-se um “campo minado” para as empresas. Pois depois de um boom de vários anos no espaço de Diversidade, Equidade e Inclusão após a morte de George Floyd em 2020, as corporações recuam em iniciativas de DEI.
Riscos do Ativismo Social da DEI
Os riscos eram muito grandes, especialmente no que esperava-se como temporada eleitoral politicamente carregada. Sendo assim, em meio a ataques crescentes de conservadores contra corporações “conscientes”.
“É difícil imaginar que, com a retórica exagerada de um ano eleitoral, as pessoas realmente queiram se expor mais”. Palavras de Kevin Delaney, cofundador da empresa de mídia e insights Charter, à correspondente de mercados Emily Peck. Ademais, a Axios não errou sobre a tendência, que só ganhou força neste verão.
Afastamento das Gigantes
Em julho, a John Deere anunciou que se afastava dos esforços de DEI e deixava de patrocinar eventos de “conscientização social ou cultural”. O anúncio ocorreu uma semana depois de o Business Insider noticiar que a Microsoft demitiu toda a equipe de DEI. Porém, a ação da Microsoft ocorreu poucas semanas depois de a Tractor Supply; empresa sediada em Brentwood, Tennessee, decidir encerrar seus esforços de ativismo social diante d’uma campanha de mídia social direcionada à empresa.
A reação contra a DEI é tão intensa que o próprio termo parece desaparecer aos poucos, e até a Sociedade de Gestão de Recursos Humanos anunciou recentemente que eliminará a palavra “equidade” de sua sigla.
Pregando aos consumidores
DEI é apenas uma forma de ativismo social corporativo, que apresenta-se em diversas vertentes e inclui seu primo, Meio Ambiente, Social e Governança (ESG). Todavia, ambas as ideias enquadram-se, em certa medida, na Responsabilidade Social Corporativa (RSC). Ou seja, na ideia de que as empresas têm o dever de levar em consideração ações sociais e ambientais em seus modelos de negócios.
Se você pergunta-se por que o Burger King tem comerciais sobre mudanças climáticas e peidos de vaca, e por que os comerciais da Bud Light passaram de Rodney Dangerfield e Bob Uecker ao ativista trans Dylan Mulvaney, a causa é a RSE. Aliás, tal ideia disparou nos últimos anos a tal ponto que o ativismo social inibe as empresas em sua missão principal: gerar lucros atendendo aos clientes.
“Empresas que alavancam situações e questões sociais não são novidade. Mas exibir sua autoridade moral apesar de uma base de consumidores desinteressados é”, observou Kimberlee Josephson, professora associada de negócios no Lebanon Valley College em Annville, Pensilvânia.
Prejuízos Bilionários do Ativismo Social Corporativo
A decisão da Bud Light de apresentar Mulvaney custou cerca de US$ 1,4 bilhão em vendas e revelou o perigo de corporações voltarem-se ao ativismo social, especialmente campanhas e políticas que alienam suas próprias bases de consumidores. Conquanto há pouco tempo empresas como a Chick-fil-A enfrentaram reações de ativistas progressistas por apoiarem o casamento tradicional. Mas os defensores da guerra cultural da direita responderam semelhante.
Influenciadores conservadores fizeram questão de conscientizar sobre iniciativas corporativas “woke” — campanhas de privilégio branco, metas de mudança climática, eventos LGBTQ etc. Porém, os mais bem-sucedidos, como Robby Starbuck, pioneiro na campanha contra a Tractor Supply e a John Deere, tiveram como alvo corporações com bases de consumidores conservadoras.
“Se eu iniciasse um boicote contra a Starbucks agora, sei que não chegaria nem perto do mesmo resultado”, disse Starbuck recentemente ao Wall Street Journal. Pode-se apoiar as táticas de Robby Starbuck ou opor-se a elas. Todavia, as corporações enfrentam cada vez mais riscos por participarem de campanhas de ativismo social, e as ameaças agora vêm de ambos os lados da política.
Responsabilidade Social e ‘Justiça Social’
A ideia de que as empresas têm responsabilidades para além dos acionistas, funcionários e consumidores remonta pelo menos ao livro “Responsabilidades Sociais do Empresário”, de Howard Bowen, de 1953. Pois considera-se Bowen, economista e ex-presidente do Grinnell College e da Universidade de Iowa, como o padrinho da responsabilidade social corporativa. “A RSC pode ajudar as empresas a atingir os objetivos de justiça social e prosperidade econômica. Criando bem-estar para ampla gama de grupos sociais, além das corporações e seus acionistas”, escreveu.
Esta é uma versão do “capitalismo de stakeholders”. Ou seja, a ideia de que as corporações devem olhar além do atendimento aos clientes para gerar lucros aos acionistas, e considerar diversos outros “stakeholders“.
Com o tempo, surgiram outras invocações do capitalismo de stakeholders, incluindo o ESG, diretamente de um relatório de 2004 — “Quem se Importa, Vence” — liderado pelas Nações Unidas, grupos de gestão de ativos e bancos. Todavia, supostamente objetivava: “desenvolver diretrizes e recomendações sobre como integrar melhor as questões ambientais, sociais e de governança corporativa na gestão de ativos, serviços de corretagem de valores mobiliários e funções de pesquisa associadas”.
Ativismo Social, RSC e ESG
No entanto, essas “diretrizes e recomendações” transformaram-se numa estrutura ESG global que classificava empresas de capital aberto em termos de “responsabilidade social”. Embora a pontuação ESG seja notoriamente opaca, um pequeno número de agências de classificação tinha permissão para determinar quais valores as empresas deveriam ter e as penalizavam caso se desviassem. Por exemplo, uma pontuação ruim resultaria na exclusão d’uma empresa de um fundo de índice de um trilhão de dólares.
Isso sem dúvida explica por que empresas como a Tractor Supply, conhecida por vender equipamentos agrícolas e ração animal para fazendeiros, elaboraram planos ambiciosos para reduzir as emissões em 50% até 2030. Mas também para atingir uma pegada de carbono “líquida zero” até 2040 (além de vários outros objetivos sociais). Entretanto, descartaram esses planos e os meios de comunicação horrorizaram-se, apontando que não muito tempo atrás a Tractor Supply argumentou que tais iniciativas tinham “grande sentido comercial para a Tractor Supply”.
Mas essa análise ignora a realidade de que o ativismo social agora traz consigo maiores riscos e recompensas potenciais, principalmente à luz do colapso do movimento ESG. Pois no início deste ano viu um êxodo de US$ 14 trilhões, à medida que gestores de ativos como BlackRock e Goldman Sachs buscavam proteção.
O problema de tomar partido
Muitos americanos provavelmente acreditam que as corporações devem ter responsabilidades sociais. Eles apenas tendem a ter visões diferentes sobre quais devem ser esses valores.
Recentemente, estive na igreja e um pastor falou d’um amigo empreendedor animado ao descobrir como usar os lucros do seu negócio para espalhar o evangelho. Mas duspeito que muitas pessoas que apoiam a RSC chocar-se-iam com as corporações usando seus negócios para espalhar a religião. Assim como muitos americanos religiosos chocam-se com as corporações adotando o que consideram agendas “conscientes”.
Embora as empresas sejam livres para injetar valor no ambiente de trabalho e apoiar programas sociais e religiosos, não têm responsabilidade social para fazê-lo. Na verdade, há razões convincentes para que não o façam.
Milton Friedman e a RSC
O economista vencedor do Prêmio Nobel Milton Friedman escreveu o que talvez seja a refutação mais famosa à RSC. Num artigo de 1970 do New York Times intitulado “Uma Doutrina Friedman — A Responsabilidade Social das Empresas è Aumentar Seus Lucros“. Friedman acusou os defensores da RSC de “pregarem o socialismo puro e inalterado” e de serem “fantoches das forças intelectuais que vêm minando as bases de uma sociedade livre”.
Friedman entendeu que as corporações não têm responsabilidade social (ou religiosa) além de servir seus consumidores e gerar lucros, e essa é a sua razão de ser e a melhor forma de servir à sociedade. Elas não têm a responsabilidade de disseminar a religião, defender a diversidade, deter as mudanças climáticas ou promover a equidade. Esses valores podem ser bons, mas não é responsabilidade das corporações promovê-los.
“[H]á uma e apenas uma responsabilidade social das empresas: usar seus recursos e envolver-se em atividades destinadas a aumentar seus lucros”, escreveu Friedman. Continuando “desde que permaneçam dentro das regras do jogo. Ou seja, envolvam-se em competição aberta e livre, sem engano ou fraude”.
Este é o elemento mais famoso da Doutrina Friedman, mas não creio que seja o mais importante. Porém, o mais importante é o alerta de Friedman sobre os perigos de afastar-se desse modelo, no início do mesmo parágrafo:
[A] doutrina da “responsabilidade social”, levada a sério, estenderia o escopo do mecanismo político a toda atividade humana. Pois não difere filosoficamente da doutrina mais explicitamente coletivista. Mas apenas por professar a crença de que fins coletivistas podem ser alcançados sem meios coletivistas.
Sistemas Coletivistas, Ativismo Social e RSC
Eis o verdadeiro perigo da RSE, capitalismo de partes interessadas ou quaisquer siglas intentando substituir o capitalismo por sistemas coletivistas, minando os direitos dos proprietários. Ou seja, o risco de estender a política para nossas vidas privadas além do seu escopo adequado.
Uma das características d’uma sociedade totalitária é o uso de alavancas públicas e privadas de poder para impor a adesão aos dogmas do Estado. MasFriedman não foi o primeiro a reconhecer os perigos potenciais do ativismo social corporativo. Pois num artigo intitulado “Os Perigos da Responsabilidade Social”, escrito na Harvard Business Review, em 1958, o economista americano de origem alemã Theodore Levitt alertou sobre a substituição do lucro pelo bem-estar empresarial e o ativismo social:
O problema da nossa sociedade atual não é o governo tornando-se um ator em vez de um árbitro, ou um colosso assistencialista intrometendo-se em cada canto de nossas vidas. Mas todos os principais grupos funcionais — empresas, trabalhadores, agricultura e governo — tentando piedosamente superar os outros ao intrometerem-se em nossas vidas privadas. Cada um busca estender sua própria tirania limitada ao mais amplo espectro possível de nossas instituições, pessoas, ideias, valores e crenças, e tudo pelo motivo mais puro — fazer o que honestamente acredita ser o melhor para a sociedade. (p. 46)
O capitalismo de stakeholders fez exatamente isso, e é uma das principais razões pelas quais a cultura atual saturou de política e mensagens políticas. Logo, as corporações, adotando a ideia de Bowen do dever de buscarem “justiça social”, borraram a linha entre a vida privada e a pública.
Recuo do Ativismo Social e Cura
Embora muitos americanos alarmem-se com o recuo do ativismo social nas empresas americanas, na verdade é um sinal da natureza se curando.
A mudança provavelmente não só ajudará os resultados financeiros de empresas como John Deere e Tractor Supply. Mas também permitirá que atendam seus clientes de forma mais eficaz. Portanto, manter a política e as “responsabilidades sociais” fora das salas de reuniões, estatutos e mensagens corporativas provavelmente resultará numa sociedade mais harmoniosa.
Este artigo foi publicado originalmente no Daily Economy da AIER. Traduzido por Roberto Lacerda Barricelli a partir da publicação na FEE.