Tradução de artigo de Alexandre Ruocco no Istituto Liberale (Itália): “Putin ed i suoi oligarchi: breve storia della cleptocrazia russa”. Originalmente publicado em 10 de abril de 2022. Poderia ser publicado hoje!
A Rússia de Putin, como qualquer outro estado policial, é um estado governado por criminosos . Os crimes discutidos aqui, no entanto, não são aqueles que estão vindo à tona atualmente em Bucha, Irpin e Hostomel.
São crimes igualmente repugnantes, mas um pouco menos sangrentos. Esta é a história da camarilha decadente, corrupta e megalomaníaca de oligarcas de Putin, que tornaram possíveis todos os horrores que hoje vemos.
As origens
O estado que Putin herdou vinte anos atrás era uma nação em crise . Os cidadãos russos não só viram seu país reduzido de superpotência a uma potência regional, como se encontraram muito empobrecidos sob o governo de Yeltsin.
Durante seu governo, ativos estatais foram privatizados em massa, com o propósito de abrir a Rússia à economia de mercado e gerar fundos ao novo governo pós-soviético.
O que realmente aconteceu, porém, foi que alguns políticos e burocratas enriqueceram vendendo propriedades estatais para um pequeno círculo de homens politicamente bem relacionados . Hoje os conhecemos como oligarcas.
Os oligarcas e seus amigos prosperaram, mas o russo médio permaneceu pobre e amargurado. Durante esses anos, cerca de um terço da população russa viveu abaixo da linha da pobreza.[1]
Devido à falta de fundos (pois perderam os lucros das privatizações para a corrupção), o governo cortou severamente o bem-estar social e serviços como escolas e saúde, exacerbando o descontentamento popular.
A tudo isto devemos acrescentar a inflação galopante, que depois da “Terça-feira Negra” de 1994 atingiu níveis críticos (neste período, um dólar americano valia aproximadamente 4000 rublos)[2].
Para se protegerem desse descontentamento, os oligarcas contaram com o braço direito de Yeltsin, que o ajudou a ascender. Era um político, até então, quase desconhecido, um tal Vladimir Putin .
Os Anos Dourados
A aposta dos oligarcas foi inicialmente um sucesso. De 1999 (início do primeiro mandato de Putin como presidente) a 2014 (anexação da Crimeia), a economia russa prosperou.
Isso se deve principalmente a um fator externo a Putin, ou seja, o aumento maciço dos preços dos hidrocarbonetos, que a Rússia produz e exporta em grandes quantidades .
Entre 1998 e 2008, a economia russa cresceu 7% a 8% ao ano[3]. Mais tarde, com a Grande Recessão e o consequente colapso dos preços do gás e do petróleo, esse crescimento desacelerou. Mas, a Rússia sofreu menos com a crise do que os países ocidentais.
No geral, este período foi muito agradável para o cidadão russo médio , pois o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza caiu para 10% e o poder de compra dos russos (apesar da inflação) aumentou quase dez vezes[4].
É fácil entender por que Putin não teve grande dificuldade em ser reeleito uma e outra vez .
É claro que, para garantir a segurança, seu governo perseguiu, prendeu ou assassinou qualquer um que ameaçasse seu poder. Mas, de qualquer forma, não faltou o consenso necessário.
Mas não se deixe enganar por essa aparente prosperidade. A venda de combustíveis fósseis russos gerou lucros enormes, sem dúvida, mas apenas migalhas desses lucros foram para os cidadãos .
A maior parte, de facto, permaneceu nas mãos dos oligarcas e do próprio Putin, que aproveitou isso, entre outras coisas, para construir uma gigantesca vila no Mar Negro por 1,4 mil milhões de dólares (à custa dos contribuintes)[5].
As primeiras derrotas
A lua de mel de Putin com a economia não durou muito. Devido às sanções ocidentais à anexação da Crimeia e à queda nos preços dos hidrocarbonetos. Desde 2014, a Rússia entrou em uma recessão severa , que eliminou grande parte dos ganhos econômicos alcançados no início dos anos 2000.
Assim como na era Yeltsin, o governo russo se viu sem fundos e, como então, teve que cortar assistência social e serviços.
A estratégia de Putin para manter o apoio popular, portanto, mudou. Para distrair os cidadãos da deterioração do seu padrão de vida, o governo tem recorrido cada vez mais a sucessos militares . [6]
Com aventuras militares na Crimeia, Donbass e Síria, o presidente russo conseguiu “provar” aos seus concidadãos que havia restaurado o prestígio nacional no exterior. Graças ao controle governamental sobre a imprensa, essa estratégia foi, em geral, bem-sucedida em preservar a popularidade de Putin.
Seu regime, no entanto, não é mais tão estável quanto antes, e isso teve consequências profundas. Nos oito anos que se passaram, varreram-se os últimos vestígios de democracia e Estado de Direito.
Novas reformas autoritárias enfraqueceram o judiciário e o parlamento, concentrando o poder nas mãos do presidente. Emendas à Constituição abriram a possibilidade de Putin permanecer no governo por mais dois mandatos, até 2036.[7]
A evolução cada vez mais ditatorial do cenário político russo não afetou somente os cidadãos comuns. Desta vez, nem os próprios oligarcas foram poupados pelo monstro que ajudaram a criar .
Caso Bashneft
Um exemplo de como a relação entre Putin e os oligarcas mudou é o “caso Bashneft” .
Em 2014, inesperadamente, prenderam o oligarca Vladimir Yevtushenkov, e nacionalizaram sua empresa petrolífera (Bashneft).[8]
Mais tarde, o governo russo colocou a empresa à venda, e vários oligarcas demonstraram interesse em comprá-la. Entre eles, Igor Sechin, CEO da Rosneft (a maior petrolífera da Rússia), que provavelmente foi o instigador da queda de Yevtushenkov.
No entanto, muitos consideravam Sechin o segundo homem mais poderoso da Rússia, depois de Putin, então o presidente ordenou que Sechin abandonasse seus planos .
Sechin inicialmente recusou e até buscou o apoio de outros oligarcas, mas foi rapidamente encurralado.
Em 2015, de repente, Putin forçou o poderoso Vladimir Yakunin; oligarca que chefiava as Ferrovias Estatais Russas, a renunciar. Dessa forma, os outros oligarcas entenderam que nenhum deles era intocável . Sechin reconsiderou e desistiu de seus planos[9].
Esta história, como tantas mais, mostra como o equilíbrio de poder entre Putin e seu antigo círculo, inverteu-se ao longo dos anos.
Que futuro aguarda Putin e seus Oligarcas?
Antigamente, ele era um político pouco conhecido, escolhido pelos oligarcas como fantoche para proteger seus interesses. Hoje, ele é o Czar indiscutível da Rússia, diante do qual até os mais ricos devem se curvar .
Assim como ocorreu na Alemanha durante a época de Hitler, os ricos e poderosos que apoiaram sua ascensão ao poder acabaram marginalizados e não podem mais se opor a ele, mesmo quando os planos de Putin contrariam seus interesses. A guerra criminosa na Ucrânia é somente mais uma demonstração da impotência dos oligarcas.
Que futuro aguarda Putin, seus oligarcas e a cleptocracia que eles criaram? É difícil prever. Uma coisa, porém, é certa: de novo, o russo médio acabará pagando pelos erros e excessos de seus governantes.
Leia o original em italiano no Istituto Liberale: “Putin ed i suoi oligarchi: breve storia della cleptocrazia russa“. Tradução de Roberto Lacerda Barricelli, com grifos originais do autor Alexandre Ruocco.