Por um Resgate das Guildas de Ofício

Devemos recuperar o espírito das Guildas de Ofício se quisermos superar a decadência do mercado de trabalho e das lideranças

Para além da discussão da jornada de trabalho (seja qual for), outro tema que deve preocupar a atual geração é a utilização da chamada Inteligência Artificial. É fácil perceber que é artificial, mas nem sempre é fácil perceber que não é inteligente. E o que as Guildas de Ofício tem a ver?

Ainda sobre as IA’s

Para os que quiserem se aprofundar sobre o assunto, a recomendação é procurar por usuários que testaram os limites das aplicações. O melhor conteúdo está disponível em inglês.

Não se trata de acusar todas as IAs de inúteis, mas de alertar que há uma supervalorização delas e isso terá consequências perigosas.

Para ficar com uma sugestão de leitura, recomenda-se o substack de Gary Marcus.

Acima de tudo, é importante parar de ler os informativos da imprensa que a Open AI ou o Elon Musk fazem. Eles querem vender produtos, não realmente informar sobre o estado de desenvolvimento.

Os trabalhos de entrada

Faz tempo que se reclama que, para conseguir um estágio, uma pessoa precisa ter alguma experiência profissional. O que é ridículo porque o estágio foi criado para a pessoa ter experiência profissional.

Isso acontece por dois fatores, mais prováveis.

Primeiro porque a alta carga tributária cria uma situação em que as empresas querem pouco se arriscar. Portanto, procuram profissionais com o máximo de qualificações, mas com o menor custo possível. Porém, essa dinâmica também está presente em ambientes menos regulados e tributários e pode ser um problema de predação.

No caso brasileiro, há um segundo problema que consiste em ser um dos países mais personalistas do mundo. Isso significa que o sobrinho do dono sempre será um CEO mais qualificado que um doutor em Harvard.

E, considerando o estado do ambiente acadêmico, às vezes é verdade.

Destaque-se, contudo, que gradualmente a indústria foi perdendo os trabalhos de ingresso no mercado de trabalho. E o resultado da perda dos trabalhos de entrada há 20 anos atrás são percebidos hoje, com a incapacidade de repor certas posições.

Perda que gera Decadência

Inclusive, é mais fácil explicar a decadência dos roteiros de Hollywood com a perda dos trabalhos de entrada de roteiristas que com toda a agenda woke. Esta dá uma explicação circunstancial, mas não uma explicação substancial.

Tome-se o filme Agente da Revolução, filme indiano e disponível pela Netflix. Ele sequer disfarça o posicionamento em prol da agenda climática. Contudo, é um ótimo filme e, mesmo na temática climática, é relevante.

O problema de Hollywood não é “a mensagem”, mas é a incompetência dos escritores. Foi perdida toda a sutileza e tal aprendizagem é algo que faz parte dos trabalhos de entrada para roteiristas: aprender a ser sutil na mensagem.

N’outras palavras, os roteiristas contemporâneos foram ensinados a trabalhar determinados temas, não a escrever boas histórias. Uma boa história exige um bom tema, mas é mais que isso. E mesmo um péssimo tema pode virar uma boa história nas mãos de alguém habilidoso.

Animes

Um problema similar acontece na indústria japonesa, onde os animes claramente estão apresentando decadência narrativa. Evidente, a redução de custos facilitou a produção, mas o “boom” da indústria ainda trouxe muitas obras de baixa qualidade para os holofotes.

Não que Dragon Ball seja um primor narrativo, mas a expansão do mercado de animes não foi necessariamente acompanhada por qualificação dos animes produzidos. Na verdade, a percepção é que ocorreu o contrário: há mais animes, mas a qualidade geral baixou.

E o resultado é que todos ainda veem as mesmas obras de 20 anos atrás…

Uma viagem no tempo das Guildas de Ofício

Volte-se a alguns séculos: por que havia grandes autores e grandes obras? Porque havia o processo de transmissão de conhecimentos e, não raro, mestre e aprendiz trabalhavam juntos, com um ensinando o outro e criando um legado imaterial.

Este legado imaterial é o principal componente de uma escola. Ainda que seja uma escola de ferreiros ou padeiros. E tal é a ideia por trás das Guildas de Ofício.

Ou, em outras palavras, a ideia de uma guilda é que o ambiente profissional fosse uma segunda família para os integrantes. Ou seja, de modo que eles se ajudavam nas dificuldades e cresciam juntos. E “crescer” é mais que “enriquecer”.

Formação de Lideranças

Qual empresa pode dizer que criou laços familiares entre seus integrantes de modo que um estagiário é visto como alguém que será responsável pelo futuro? Um empresário com a percepção de que precisa formar sucessores (ainda que sejam seus filhos ou sobrinhos)? Que compreende que formar é mais que dar um cargo e colocar numa escola?

Observe-se firmas de advocacia e é fácil perceber como há quem entenda desse processo sociológico. Por que filhos de advogados ou de médicos tendem a seguir a profissão dos pais? Também porque é mais fácil. Os filhos crescem no ambiente e, com certa idade, já podem até dar conselhos jurídicos informais.

Porém, perceba-se que o grande incentivo é a manutenção de um legado social. E os laços sociais favorecem que os filhos de advogados, se forem advogados, tenham clientes no futuro.

Mesmo no ambiente acadêmico algo assim ainda acontece, pois os alunos começam como bolsistas vinculados a professores doutores e, gradativamente, crescem. Claro que acontece o “inconveniente” de os alunos ficarem reféns das pesquisas dos professores. Porém, isso não pode acontecer sem uma certa conivência de outros professores.

E, ainda que haja abusos com essa metodologia, em que se faz dos aprendizes reféns de um tutor, há méritos.

Conclusões

Por fim, talvez fosse desnecessário dizer que não há necessidade de resgatar as Guildas de Ofício propriamente, mas o ideal. E isto pode ser feito em nível empresarial. Como? Bom, basta seguir os conselhos dos mestres de sempre e que, até hoje, continuando acertando.

Ou seja, que o ambiente de trabalho não seja simplesmente um lugar onde se obrigue as pessoas a irem para produzir algo. Mas onde vá para acontecer um verdadeiro desenvolvimento pessoal. O que implica tornar a pessoa “produtiva” conforme o trabalho que ela desempenhar.

Produzir é mais que fazer processos, é entregar valor. E o Caixa de Supermercado pode entregar tanto valor como o advogado.



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